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Entrevista: 
Clóvis Scherer

'O Programa castiga um pouquinho a cada um'

Nesta entrevista, o economista do Dieese fala sobre o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), criado na semana passada pelo governo federal.
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 15/07/2015 12h30 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Na semana passada o governo federal enviou ao Congresso a Medida Provisória 680/2015, que cria o Programa de Proteção ao Emprego (PPE). Com ele, as empresas mais afetadas pela crise econômica poderão reduzir em até 30% a jornada de seus trabalhadores, que terão parte de seus salários bancados pelo governo por meio de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Nessa entrevista, o economista e técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clóvis Scherer, fala sobre o recém-criado programa. Ele explica porque considera que, apesar de ser uma medida  dura, a política pode ampliar o leque de possibilidades de negociação entre empresas e trabalhadores.

Enviado ao Congresso por meio da Medida Provisória 680/2015, o Programa de Proteção ao Emprego libera a redução da jornada em até 30% com proporcional redução de salários. A pauta da redução da jornada vem sendo levantada como bandeira pelas centrais e sindicatos, mas, obviamente, sem redução dos salários. Pode-se considerar que o programa realmente é uma saída ‘menos pior’ para o trabalhador hoje ou estamos novamente diante de uma política de salvação das empresas e a conta da crise está sendo direcionada, mais uma vez, ao trabalhador?

Eu vejo esse programa como mais um instrumento que complementa os demais mecanismos de proteção ao emprego e de segurança ao trabalhador, que são o seguro desemprego, o layoff... Agregando ao nosso sistema de proteção ao emprego um mecanismo que já existe em outros países e aqui estava faltando. É justamente ter uma proteção para trabalhadores que sejam ocupados em setores e empresas que atravessem dificuldades econômico-financeiras temporárias, de duração curta. Então, não é obviamente um mecanismo que vai evitar os impactos que a atual conjuntura, e, inclusive, a atual política econômica de ajuste fiscal, vai causar sobre o mercado de trabalho. A sua natureza é de um programa que justamente tem um foco muito delimitado em empresas que passem por uma dificuldade momentânea e que antevejam, dentro do horizonte do próprio programa, uma possível recuperação. Então, não é para todas as empresas, não é para evitar os efeitos da crise. E nesse sentido, ele permite em determinadas condições a opção por uma via de proteção ao emprego que pode ser mais vantajosa do que essas outras duas opções que os trabalhadores e as empresas encontram, que são o layoff e o seguro-desemprego.

A diferença entre o layoff e o novo programa está na suspensão do contrato de trabalho no caso do primeiro mecanismo, mas o trabalhador acessa o seguro-desemprego. O senhor pode detalhar por que considera que o PPE é mais vantajoso em relação ao layoff?

Pelo layoff, o trabalhador acessa o seu seguro-desemprego durante um período em que ele está participando de um curso de qualificação. Aí ele tem o seu contrato de trabalho suspenso, pode retornar no fim do período previsto, mas durante esse tempo, a principio, ele não recebe salário. É claro que as condições do layoff são negociadas, então o trabalhador pode ter, de alguma maneira, uma certa manutenção de benefícios e, eventualmente, uma complementação da bolsa de qualificação por parte da empresa, mas isso fica a critério da negociação coletiva. No caso do PPE, não, o contrato de trabalho não é suspenso, ele é mantido, apenas há uma redução da jornada e proporcional redução de salário, sendo que a perda de remuneração é parcialmente recompensada por um complemento pecuniário pago pelo governo. Ele tem vantagens, porque o trabalhador não fica fora do seu posto de trabalho e ele mantém uma remuneração mais elevada do que no layoff a princípio.

Este ressarcimento de 50 por cento da perda do trabalhador prevista no programa vai ser custeada por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Críticas ao PPE consideram que este é um grave problema, porque, por se tratar de recursos públicos, são os próprios trabalhadores custeando as suas perdas mais uma vez. Como o senhor analisa essa questão?

Olha, do ponto de vista das contas que nós estamos fazendo, a arrecadação do governo se preserva mais do que na hipótese alternativa que é a da demissão. Então, do ponto de vista sindical, o PPE é uma saída mais vantajosa para os cofres públicos do que simplesmente a demissão e o uso do seguro desemprego. E se fizermos as contas também no caso de uma aplicação do PPE para o que ele foi concebido, que é essa situação de uma empresa que tem por alguns meses alguma redução do seu nível de atividade, nestes casos, o gasto do PPE para o FAT seria menor do que o pagamento do seguro-desemprego integral para os trabalhadores. Claro que aí vai depender muito de cada caso, mas supondo uma situação hipotética, em que você tem, por exemplo, uma empresa com seus trabalhadores todos já empregados há algum tempo, e que, portanto,teriam potencialmente o acesso ao seguro-desemprego no seu valor máximo e com o máximo numero de parcelas, nesse caso, se você comparar o gasto com a demissão de 30% de pessoal dessa empresa, ou a complementação de pecúnia de metade da perda de renda de 30% dos trabalhadores, vai sair mais barato para o FAT, a segunda opção, que é o que está previsto no PPE. Outro ponto é que o fundo de garantia também não é utilizado se o trabalhador não é demitido, portanto esse fundo fica ainda no setor público, podendo financiar as políticas para as quais está destinado. É claro que depende realmente de cada caso, mas do ponto de vista mais de concepção, minha avaliação é que é mais vantajoso você prevenir o desemprego e o acesso ao seguro- desemprego na sua integralidade do que depois remediar.

Do ponto de vista da política, das negociações de acordo coletivo, o programa não favorece uma perda de vantagem para os trabalhadores nas negociações, uma vez que o governo reconhecendo a crise oficialmente dá um certo poder de chantagem às empresas?

Olha, o trabalhador e o sindicato, dentro das regras colocadas do PPE, eles vão ter que se defrontar como uma questão, que é: qual a melhor opção que eles tem se uma empresa vier a propor o acordo nos termos do PPE. Como o trabalhador vai perder uma parte da renda e tem a outra opção que é a demissão e o seguro-desemprego e mesmo o lay off, eles vão ter um leque de opção para fazer. Claro que são opções ruins, duras, mas mesmo assim isso dá mais margem de manobra para o trabalhador negociar do que se você tivesse uma ou duas opções. Não podemos esquecer que a redução de jornada com redução de salários, é prevista na legislação. E é posta em prática muitas vezes, sem nenhum complemento de renda. Então, agora com o complemento de renda, o trabalhador pode até talvez negociar em melhores condições com as empresas. E, além disso, a legislação do PPE está obrigando a empresa a fornecer informações para que o sindicato e os trabalhadores avaliem se a situação econômica da empresa justifica a adoção de tal medida e também se essa empresa terá condições de se recuperar após seis meses ou um ano de adesão ao programa.

O PPE inova em que outros aspectos, além do ressarcimento de 50% da perda, em relação ao que já prevê a legislação?

Há outras diferenças. A redução da jornada no caso da legislação atual é de no máximo 25% e o período mais curto também. Mas a diferença mais substancial é realmente haver a complementação de tal forma que a perda de renda não é tão grande quanto na legislação atual.

Os metalúrgicos da Mercedez-Benz, em São Bernardo, rejeitaram recentemente proposta apresentada pela montadora de redução de 10% nos salários e 20% da jornada por um ano. Este mecanismo já tem sido muito utilizado pelas empresas?


Não é muito frequente. Eu também acho que o PPE não será um mecanismo acionado com grande frequência, muito maior do que layoff. Porque realmente ele impõe custos para todos os agentes envolvidos. O governo tem uma perda de arrecadação e faz o complemento pecuniário. As empresas tem um aumento de custo com o PPE, os custos unitários aumentam porque quando uma empresa reduz o seu nível de produção, os custos fixos dela se distribuem por uma menor quantidade de produto. E depois, a empresa também vai recolher o INSS não só sobre a folha reduzida, mas sobre a folha e mais o complemento, então, o INSS e o fundo de garantia vão ser recolhidos sobre uma base maior e o custo da hora trabalhada para a empresa vai aumentar, portanto, sua margem de lucro tende a cair. Então, a empresa também vai pensar duas vezes se é vantajoso para ela reduzir a jornada neste programa ou se ela faz um ajuste na base da demissão, que é um ajuste tradicional, ou faz o layoff. E o trabalhador também vai perder uma parte de sua renda. Pode ser até o caso de trabalhadores que prefiram ser demitidos e sair à procura de empregos no mercado de trabalho. Como o programa castiga um pouquinho a cada um, eu acredito que tende a fazer os agentes a pensarem muito bem se vale a pena acionar o PPE.

A medida provisória diz que vão poder aderir ao PPE as empresas que se encontrarem em situação de dificuldade econômico-financeira, nas condições e forma estabelecidas em ato do Poder Executivo federal. Portanto, ainda não há clareza sobre os setores que estarão dentro desse roll de possíveis adesões. Para qual setores o senhor considera que seria viável o Programa?

Não sabemos como o governo está pensando esse critério. Pela maneira como foi colocada até o momento na documentação, não se fala em setores, se fala em critérios para adesão. Se dentro desse critérios haverá a definição de setores é uma possibilidade, mas é muito difícil você estipular que apenas setores A B ou C vão poder aderir a um programa cuja natureza é exatamente garantir a trabalhadores e empresas atravessarem  um período cíclico na queda das vendas e redução na demanda por trabalho. Acho que pode se pensar em critérios que sejam de aplicação geral, que estejam ligados ao tipo de comprovação e motivos para o pedido de inclusão no programa, como redução de vendas, de encomendas. O importante aí é que os critérios sejam bastante objetivos e possam ser verificados pelos trabalhadores e sindicatos, e que eles não digam respeito a ma gestão da empresa, mas sim a fatores externos ligados à dinâmica econômica. Porque uma das coisas centrais nesse programa é que não pode ser utilizado para resolver problemas de má gestão, tem que ser utilizado para fazer com que as empresas atravessem um período ruim no qual elas não tenham outra alternativa se não reduzir o nível de produção e de emprego. Essa, na verdade, é a lógica de como o programa existe internacionalmente em vários países.

Quais países?

O país mais famoso nisso é a Alemanha. Já tem esse esquema desde o início do século 20. Originalmente, o programa começou para amparar trabalhadores que durante o inverno não tinham renda. Em atividades que por conta do clima muito frio, se interrompiam no inverno. Então, durante esse período, havia uma espécie de subsidio do governo para manter esses trabalhadores aptos a voltar ao trabalho no período mais quente. E a partir daí foi sendo desenvolvido esse sistema para atividades cíclicas sazonais e mais ainda para ciclos econômicos. Ficou muito famoso agora na crise de 2008, 2009 e 2010, quando um grande volume de trabalhadores e empresas fez uso desse tipo de mecanismo. Na Europa, cerca de 17 países adotam mecanismos semelhantes, claro, com as características de cada país.

O programa diz que o contrato deve valer por seis meses , com prorrogação de mais seis. Durante esse período, o trabalhador tem estabilidade e também após o término do contrato, por mais um terço do período de duração do contrato. Depois disso, a demissão novamente pode bater na porta do trabalhador...

Sim, o risco continua. Inclusive esse é outro fator que vai fazer com que a decisão para adesão ao programa seja bem pensada. Porque do ponto de vista do trabalhador, ele tem obviamente uma garantia de emprego no máximo por 16 meses, isso é uma coisa importante. No caso da empresa, ela tem que justamente antever que em certo momento dentro desse período ela vai estar novamente em condições de operar a pleno vapor, porque, caso contrário, a empresa vai estar incorrendo em custos que para ela seriam desnecessários, digamos, que é justamente a manutenção do quadro por um prazo além daquele que ela teve para descobrir que a sua situação não iria melhorar.