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Entrevista: 
Maria Mello

'Nosso avanço na defesa da democratização da comunicação e da democracia participativa, por meio da rede, vai servir de exemplo para o mundo'

Nesta última semana foi votado o Marco Civil da Internet (MCI), na Câmara dos Deputados, que agora segue para o Senado. Nessa entrevista, Maria Mello, secretária-executiva do Fórum Nacional da Democratização da Comunicação (FNDC) explica quais foram os pontos críticos e como serão os próximos passos dessa luta que é significativa para uma conquista ainda maior: a democratização da comunicação.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 03/04/2014 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Quais foram as principais disputas em relação à redação do texto do Marco Civil?

O debate em torno da neutralidade de rede foi, sem dúvida, a maior disputa travada durante o processo de construção do texto do Marco Civil da Internet. Isso porque havia uma grande pressão das empresas de telecomunicações, que contavam com o apoio do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), interessado em financiamento eleitoral e em garantir benefício para um setor com o qual mantém relação histórica. A neutralidade de rede, contemplada no artigo 9 do texto, vai contra interesses econômicos poderosos de grandes corporações que aspiravam obter mais lucros com a venda de pacotes para acessar determinados conteúdos, como acontece com a TV a cabo hoje. Se ocorresse desse modo, além de favorecer um ambiente monopolista na internet, com concentração de conteúdo semelhante a que já ocorre na TV, setores da sociedade que não teriam condições de pagar pelos "combos" seriam excluídos. É por isso que um dos slogans dos manifestantes que foram a Câmara dos Deputados pressionar pela aprovação do MCI foi "liberdade expressão é internet pro povão!".

Outro ponto que gerou disputa foi o artigo 15 (anteriormente artigo 16), que prevê a guarda obrigatória de informações sobre acessos dos usuários, por parte de todos os provedores de internet, por um período de seis meses. Apesar do argumento de que isso facilitaria investigações futuras de possíveis crimes, consideramos que ele é exagerado e reduz o direito constitucional de pessoas inocentes à proteção da intimidade, além de promover uma espécie de grampo em massa. Pode, inclusive, possibilitar que outros governos espionem dados de acessos de brasileiros. Nesse ponto, a avaliação é a de que tivemos um retrocesso na defesa da privacidade. No Senado ou no veto presidencial, vamos lutar e pressionar para que o Marco Civil da Internet seja aprovado sem o artigo 15.

O que significou essa vitória?

Em primeiro lugar é preciso lembrar que o Marco Civil da Internet foi construído de maneira colaborativa, com ampla participação dos movimentos sociais. Foram quatro anos de consulta pública, com mais de 2.300 sugestões de emendas por parte da sociedade civil, de modo que a vitória deve ser creditada também a esses movimentos sociais, apesar de que outros fatores, que envolvem costura política do governo, nos levaram a ela. Essa vitória mostra que o movimento social organizado e unido tem força. Significa que também será possível a aprovação de outros projetos de extrema importância para a democracia, como o projeto de Lei da Mídia Democrática.

Outro aspecto é que o Brasil passará a ser referência mundial em legislação sobre internet. Nosso avanço na defesa da democratização da comunicação e democracia participativa, por meio da rede, vai servir de exemplo para o mundo.

Sabíamos que tínhamos grandes pressões das teles. Elas perderam alguma coisa ou deixaram de ganhar? O que?

Para as empresas detentoras das redes de telecomunicações, a neutralidade de rede contemplada no texto do Marco Civil inviabiliza a exploração de um novo mercado com a venda de "pacotes" especializados. Mas isso não quer dizer que elas perderam alguma coisa. Como o sistema de telecomunicações no Brasil é privatizado, as Teles já lucram bastante com a internet e vão continuar lucrando.

Quais serão as mudanças a partir de agora? Quais são os próximos passos para garantir essa mudança proposta pelo Marco?

Se aprovado também no Senado e na presidência, o Marco Civil da Internet funcionará como um conjunto de regras que defendem a liberdade de expressão na internet - e não o contrário, como afirmaram algumas campanhas difamatórias - e protegem o usuário da gana por lucro das grandes corporações. O Marco Civil terá repercussão direta na vida de milhares de usuários de internet.

Além da garantia do princípio da neutralidade de rede, o Marco Civil irá impedir que informações de usuários, como mensagens de e-mail, sejam usadas livremente por empresas que vendem esses dados para setores de marketing ou vendas - como acontece atualmente. O texto ainda prevê que a retirada de conteúdo da internet deverá ser feita a partir de ordem judicial e desresponsabiliza os provedores pelos conteúdos postados por usuários. Garantimos assim a liberdade de expressão na rede e evitamos uma espécie de censura prévia que acontece quando os provedores removem vídeos ou fotos a partir de simples notificações de usuários que se sentiram ofendidos (por exemplo, políticos ou empresas que não querem críticas a suas posturas circulando na internet). Os movimentos sociais continuarão mobilizados pela efetiva aprovação do MCI. O próximo passo é promover uma campanha para que ele seja aprovado sem o artigo 15.