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Livro Álcool e Outras Drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo será lançado pela Editora da Fiocruz

Publicação, que tem um dos organizadores professor da EPSJV, derruba senso comum sobre as drogas.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 02/08/2012 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

"Dá as costas para o medo e abre um vasto campo de ações positivas". Com estas palavras, Rubem Cesar Fernandes, antropólogo e diretor executivo da ONG Viva Rio, assina a orelha do livro Álcool e Outras Drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo e define um dos objetivos da edição organizada pelo professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e médico psiquiatra Marco Aurélio Soares Jorge e o médico psiquiatra e assessor de saúde mental da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro Sergio Alarcon. O medo que expõe Rubem já está no senso comum e presente exaustivamente nas mídias e nos discursos eleitorais atuais, os 16 capítulos desta publicação apontam justamente as respostas encontradas por trabalhadores de diferentes setores da saúde para lidar com o problema com outros olhares. O livro será publicado pela Editora Fiocruz.

Marco Aurélio explica que a publicação é fruto do trabalho e de pesquisas desenvolvidas por profissionais do Curso de Atualização para Atenção ao Uso Abusivo do Álcool e outras Drogas oferecido anualmente pela EPSJV desde 2006, pelo Grupo de Trabalho em Saúde Mental do Laboratório de Educação Profissional em Atenção em Saúde (Laborat) da escola , além da soma de testemunhos dos trabalhadores e familiares que atuam diretamente nas práticas de atenção e cuidado aos usuários de diferentes tipos de drogas. "Convidamos e ouvimos diferentes profissionais, entre psicólogos, médicos, enfermeiros, professores, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais para reunir o assunto de forma mais abrangente e diversa possível", explica.

Sérgio complementa que a ideia não era abordar todas as dimensões do assunto, mas focar em determinadas questões . "Fixamos-nos nas questões que no curso são problematizadas para os que militam na saúde pública, mas, ao mesmo tempo, sem esquecer de que se trata de um tema eminentemente político, não apenas médico ou farmacológico; que diz respeito a todos e deve ser acessível a todos".

Histórico das políticas públicas sobre drogas

O livro historiciza a questão da droga e apresenta os tratados internacionais como as convenções de drogas da Organização das Nações Unidas (ONU), entre elas, a Convenção Única de Narcóticos, de 1961, a Convenção de Drogas Psicotrópicas, de 1971, a Convenção de Tráfico Ilegal de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas, de 1988, que guiaram as políticas nacionais de diversos países, entre eles o Brasil, que passou a adotar leis restritivas, como explica o capítulo "Os tratados internacionais e o Brasil", da psicóloga Elize Massard Fonseca e do médico Francisco Inácio Bastos.

No entanto, como explica o capítulo seguinte - "A Síndrome de Elêusis: considerações sobre as políticas públicas no campo de atenção ao usuário de álcool e outras drogas" -de autoria de Sérgio Alarcon, essas ações moldadas aos tratados acabam entrando em certo conflito, como é o caso das políticas públicas sustentada pelo Ministério da Saúde do Brasil para a atenção ao usuário de álcool e outras drogas, que conflitam com a legislação de entorpecentes aplicada pelo setor de segurança pública.

O livro explica ainda que, atualmente, as políticas relacionadas aos dependentes encontram-se em constante avanço e retrocesso. Exemplo disso é o caso da Lei nº 6.368 de 1976, que criminalizava o uso de drogas, e, em contrapartida, a Lei no 11.343 de 2006 faz distinção entre o tráfico e a posse de pequenas quantidades para consumo, sendo que, neste caso, o usuário é punido com penas alternativas e não mais com o encarceramento. No entanto, ainda está arquivado o projeto de lei federal formulado em 1999 que defendia o fornecimento de seringas e agulhas esterilizadas e descartáveis para usuários de drogas injetáveis no contexto da redução da epidemia da Aids.

Sergio Alarcon explica ainda que mais do que falar sobre as características farmacológicas das drogas, seus efeitos no organismo humano e nas consciências, é necessário colocar em relevo as várias relações que guiam a inserção dessas substâncias na história. "Para entender o que temos hoje precisamos de consistência temporal. Em suma, as drogas só têm sentido nas relações às quais estão inseridas. Todas as civilizações tiveram e têm suas drogas. Parece que a humanidade não apenas as deseja, mas precisa delas. E é claro que nenhuma cultura, nenhuma civilização, se expõe ao extermínio pelo envenenamento massivo. Cada sociedade inventa modos de usar drogas reduzindo danos e potencializando benefícios. As drogas lícitas em nossa sociedade, como por exemplo o álcool, na maioria das vezes estão inseridas em relações socialmente benéficas, e embora de fato produzam um resto que é importante para a saúde pública, este resto pode ser controlado ao máximo, dependendo de como políticas públicas sejam implantadas para este fim", observa Alarcon.

Vale proibir?

Embora o álcool, uma droga lícita, seja o primeiro da lista das mais consumidas no Brasil, em pesquisa apresentada no livro, Marco Aurélio defende que não é a proibição que reduz o consumo, além disso, para ele, o usuário deve ser pensado de forma mais abrangente levando em consideração o caráter social, cultural e econômico. "Se quisermos comprar qualquer tipo de drogas ilícitas é muito fácil. É necessário que haja um controle maior em relação a isso, mas que não seja de caráter proibitivo já fracassado. E este estudo mostra isso de forma clara".

Sergio Alarcon exemplifica em um artigo dedicado ao tabaco, segunda substância do ranking de consumo, que a questão do uso dessa droga foi transformada ao longo do tempo. "Há uns dez ou quinze anos, fumar era quase uma regra, não fumar uma quase vergonha. Hoje é o contrário. E isso se construiu não por causa tão somente da legislação restritiva, mas também porque se constituiu uma cultura de uso autocontrolado, ou seja, uma maioria substancial deixou de achar que fumar é bonito ou vale a pena diante dos seus malefícios". De acordo com o pesquisador, o número de fumantes diminuiu, especialmente o de fumantes passivos, sem que fosse necessário proibir o tabaco. "Não proibindo o tabaco não criamos um tráfico de tabaco (há contrabando, mas sem balas perdidas), não criamos bandos armados tomando nossos bairros, não temos milicianos nem gastamos milhões com polícia pacificadora por causa do tabaco, não há assim nenhuma carnificina em nome da prevenção do uso abusivo e dos danos à saúde", fala. Ele complementa que parte da defesa da proibição das drogas se deu em nome da preservação da saúde, mas, que, no entanto, o tabaco é capaz de produzir danos muito mais extensos do que qualquer das substâncias proibidas que circulam no Brasil.

Redução de Danos e outras práticas

Vários capítulos do livro trazem em profundidade assuntos do campo de atenção ao dependente químico, mostrando alternativas como o tratamento dos pacientes baseado no relativismo cultural e a redução de danos, além de apresentar ainda a importância da participação da família no tratamento e particularidades como a questão do dependente químico com HIV/Aids. A publicação traz análises também sobre um dos tratamentos mais conhecidos da sociedade, os Alcóolicos Anônimos (AA), e as experiências dos Caps ad (Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas).

Baseado nas diferentes experiências apresentadas no livro, Sergio Alarcon defende que há várias formas de tratamento válidas e o próximo passo é colocá-las em prática. " O objetivo de qualquer tratamento deve ser, antes da cura, a promoção da qualidade de vida. E promover a qualidade de vida envolve uma tarefa que não pode ser apenas um efeito do setor saúde. Por isso, os que pensam o tratamento são obrigados a pensar em estratégias singulares, ao mesmo tempo interdisciplinares e intersetoriais. Já temos uma política pública de Estado que pensa assim. Chama-se SUS. Temos então que também nos perguntar porque, apesar da tagarelice, ainda não conseguimos implantar no país os serviços preconizados pelo SUS para a questão", indaga.

 

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