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Saúde é a principal preocupação nas eleições municipais

Investimento escasso, falta de profissionais e problemas na gestão de recursos são apontados como os desafios dos futuros prefeitos e vereadores.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 06/09/2012 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Desde 21 de agosto, quando iniciou a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, os mais de 15 mil candidatos às prefeituras em todo o Brasil, segundo estatística do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), vêm apontando os grandes problemas enfrentados pelos seus municípios. E a saúde está presente em todos os discursos. Isso não é por acaso: pesquisa divulgada pelo Instituto Trata Brasil e o Ibope no mês de maio mostra a saúde em primeiro lugar no ranking das preocupações dos eleitores com 61%. Em seguida vem Segurança Pública (16%), Educação (11%), Drogas (9%) e Emprego (4%).  Diante deste cenário, é importante entender quais são os problemas e desafios da saúde pública que serão enfrentados pelos futuros gestores da esfera municipal a partir do dia 2 de janeiro de 2013.

Cabe exatamente aos municípios a responsabilidade pelo programa mais bem avaliado pela população que utiliza o SUS, de acordo com os dados de 2011 do Sistema de Indicadores de Percepção Social, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA): a Estratégia de Saúde da Família. No entanto, o mesmo estudo mostra que, segundo a população, a falta de médicos e o tempo de espera para o atendimento são vistos como grandes problemas da saúde pública municipal. Para o professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Nelson Rodrigues dos Santos, os prefeitos, vereadores e secretários de saúde que assumirão a nova gestão terão o mesmo desafio das gestões passadas: fazer com que o Estado assuma efetivamente a concretização do Sistema Único de Saúde. “Os candidatos a prefeitos e vereadores deveriam firmar um compromisso público e transparente com seus eleitores, mobilizando-os e apresentando à opinião pública como os municípios já vêm cumprindo o seu papel estabelecido pela Constituição. Mas, somente os municípios não bastam. Após assumirem sua gestão, os representantes dos poderes legislativos e executivos da esfera municipal necessitam manter a população bem informada e mobilizada para pressionar o Governo Federal para fazer a sua parte”, explica o professor.

Atualmente a média nacional dos orçamentos municipais para saúde é de 23%, embora, de acordo com a Emenda Constitucional 29, eles sejam obrigados a aplicar neste setor apenas 15%. Para os estados esta cota está determinada para 12%, enquanto cabe a União a aplicação do valor empenhado no ano anterior, mais a variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB).

Reforçando a temática defendida por Nelson, o presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Antônio Carlos Nardi, acredita que  os novos gestores devem  fazer valer neste novo mandato a lei nº141/12 – que regulamenta a Emenda 29, e estipula os valores e percentuais mínimos que a União, os estados, Distrito Federal e município devem aplicar anualmente em ações e serviços públicos de saúde.

Divisão de papéis

De acordo com Nelson dos Santos, os municípios estão exauridos com o investimento na saúde, enquanto compensam a falta de investimento do poder federal. “Em várias prefeituras municipais, o prefeito vem perdendo apoio popular porque, ao investir uma quantia elevada na saúde, ele está tirando da educação, dos transportes e de tantas outras prioridades. É preciso ter um equilíbrio dentro do município. Quem está levando o SUS nas costas é o poder municipal”, avalia.

Para o deputado federal  e presidente da Frente Parlamentar da Saúde, Darcísio Perondi (PMDB/RS), é emergencial que os estados e a União cumpram seu papel constitucional para que os municípios consigam desafogar suas despesas. “Uma das principais bandeiras dos profissionais do SUS é a garantia do investimento da União. Ela é o primo rico do SUS, mas ainda não há disposição nenhuma para garantir este percentual de investimento na saúde”, explicou. Perondi contabiliza que a Estratégia de Saúde da Família, por exemplo, precisa de mais R$ 2 bilhões para atender às demandas existentes.

Além disso, o deputado chama a atenção para o Piso de Atenção Básica (PAB) - valor mínimo de recursos financeiros, que varia entre R$10 a R$18 anuais por habitante, destinado a investimentos de procedimentos e ações de assistência básica tipicamente municipais como, por exemplo, o pronto atendimento, as consultas médicas em especialidades básicas e o atendimento odontológico básico - que ainda está muito aquém da demanda. “O dinheiro existe, pois a arrecadação do Governo Federal tem sido excepcional, o que falta é compromisso por parte do governo com a saúde pública”, desabafa.

Profissionais para a atenção básica

Um dos problemas apontados é a falta de profissionais que reflete também no número reduzido de consultas, no maior tempo de espera para o atendimento para pequenas cirurgias ou para marcação de exames complementares. Para suprir parte desta demanda, o Governo Federal promove iniciativas como o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) e o Programa de Requalificação de Unidades Básicas de Saúde (UBS) para captar e reter os trabalhadores na atenção básica. De acordo com Nardi, no entanto, estas ações não têm sido suficientes para fixar os profissionais. “Hoje não podemos dizer que o nosso problema é apenas a falta de equipes completas nos municípios do interior ou falta de estrutura. Hoje nós temos escassez de médicos também nos municípios das grandes capitais. E a questão não é apenas salarial, é de formação de profissionais para o SUS, com as condições e valorizações devidas para termos uma equipe motivada e equipada”, analisa.

De acordo com o Nelson dos Santos, é mais do que urgente o investimento nos profissionais das equipes da saúde da família. O professor chama a atenção para a política aplicada em alguns municípios que ele denomina de “leilão de médicos”. “Em determinadas regiões do país, há uma disputa pelo profissional entre as prefeituras que podem pagar mais ou não. Além disso, diante desta escassez, três ou quatro municípios fazem um acordo para contratar um único médico da saúde da família em tempo integral e este profissional fica 1/3 do tempo em cada município. Isso é o leilão do profissional e não resolve nada para a população destas localidades”, explica. 

O professor lembra ainda que os municípios estão engessados no que diz respeito ao salário dos profissionais de saúde. Um dos entraves, segundo ele, é a falta de orçamento devido ao descumprimento das metas constitucionais por parte dos governos estaduais e, principalmente, federal.  O outro é a lei de Responsabilidade Fiscal, que restringe a 60% da receita corrente líquida com a despesa total com pessoal, sendo que, destes, 54% devem ser destinados ao pessoal do Executivo. “Em todos os países com bons sistemas públicos, como Espanha, Itália, França, Inglaterra, Suécia, Canadá, Alemanha e Austrália, a folha de pagamento gira em torno de 80% das despesas correntes de custeio desse sistema de pessoal. É o recurso humano em quantidade suficiente e bem remunerado. Isso é decisivo, principalmente na saúde básica, que não requer muitos equipamentos e tecnologias sofisticadas”, explica. Segundo o professor, a atenção básica nestes países resolve cerca de 85% a 90% das necessidades de saúde de toda a população.

A questão das  OSs

Diante desse quadro, Nelson dos Santos acredita que a definição de um plano de carreira para os profissionais da saúde e um maior debate sobre transferências da gestão dos serviços públicos para as Organizações Sociais (OSs) são temas que devem estar na pauta dos futuros gestores municipais. “Para se ter uma ideia, hoje no mínimo 60% dos trabalhadores do SUS não são servidores públicos nem empregados celetistas contratados. E esse índice pode até ser maior na esfera municipal. A maioria das equipes de saúde da família, por exemplo, são terceirizadas por ‘empresas’ que foram criadas em todo o território nacional como fornecedores de pessoal para o poder público", aponta Nelson.

Apesar de todas as críticas, para o presidente do Conasems, a questão das Organizações Sociais deve ser analisada de acordo com cada município. “Cada um tem sua realidade e precisa ou não contar com parceiros que ajudam o SUS acontecer para quando há essa necessidade. Elas devem ser discutidas na gestão e nos conselhos municipais, preconizando sempre o acesso ao usuário com condições básicas, qualidade e humanização. Se esta for melhor opção dentro deste cenário, ela deve se usada”, avaliou.

 

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