Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Relatório da Câmara sobre PNE mantém pontos críticos

Financiamento público para educação privada e desobrigação do governo federal são apontados como pontos mais polêmicos do texto.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 03/04/2014 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47
Foram adiadas para os dias 8 e 9 de abril a discussão e votação do Plano Nacional de Educação (PNE – PL 8035/10) na Câmara dos Deputados. Mas, depois de ter aprovado um texto que refletia as propostas da 1ª Conferência Nacional de Educação e dos movimentos sociais da área, o último trâmite do projeto nessa Casa Legislativa sinaliza recuos preocupantes. Trata-se do relatório deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), que mantém pelo menos dois pontos polêmicos da versão do texto que foi modificada no Senado: a destinação de recursos públicos para a iniciativa privada e a desobrigação do governo federal no financiamento da educação básica.
 
Numa tentativa de aperfeiçoar o teor do relatório, mais de 70 entidades e movimentos sociais, como Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) assinaram uma carta aberta em que pedem a supressão do parágrafo 4º do artigo 5º, que foi mantido do texto modificado no Senado. “O relator absorve um dispositivo que pode resultar em estímulo à privatização irrestrita da Educação Superior, da Educação Técnica de Nível Médio e da Educação Infantil”, diz a nota. Isso significa que os 10% do PIB que precisam ser investidos na educação financiariam também programas como Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), ProUni (Programa Universidade para Todos), Ciências Sem Fronteiras e FIES (Fundo de Financiamento Estudantil), além de matrículas em creches e pré-escolas conveniadas com os governos. 
 
Para o deputado Vanhoni, o seu texto apenas cumpre o que está determinado na Constituição. “Eu estou reproduzindo o texto que está na Constituição brasileira, que é apoiar entidades que não sejam públicas e estatais em iniciativas na educação. Temos programas, que através do Fundeb [fundo de Desenvolvimento da Educação Básica], repassam recursos para a educação especial, por exemplo, e programas como Prouni e ou Pronatec que não podem deixar de ser financiados”, explica. Há divergências, no entanto, sobre essa interpretação da Constituição. O artigo 213, que trata do assunto, permite o repasse de recursos públicos apenas para instituições privadas sem fins lucrativos. Mais tarde, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação permite que o Estado financie bolsas privadas, mas como subsídio ao aluno e não às instituições. “A rigor, poderíamos entrar com uma ação [de inconstitucionalidade] contra o Prouni, mas a defesa alegaria que existe essa brecha na lei”, explicou o professo Romualdo Portela em entrevista à revista Poli para a matéria ‘Perdendo logo na largada’, sobre os 25 anos da Constituição. Mas a defesa de Vanhoni vai além das questão legal. “Cada um pode fazer a interpretação que quiser, e eu não posso discutir interpretação. Por que eu fiz isso? Porque são programas exitosos, que estão acontecendo no Brasil e não podem ser suspensos”, justifica.
 
A proposta apresentada pelo coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, e apoiada por diversas entidades, é que esse financiamento seja diminuído de forma gradual, com previsão de término estabelecida no PNE. “O PNE determinaria qual seria o prazo para se deixar de contabilizar esse valor. Seria um processo com termo suficiente para que ninguém fosse prejudicado. É claro que entendemos que não se pode encerrar de uma vez só os programas porque há muitas pessoas estudando por meio dessas iniciativas. Mas o que não podemos é deixar uma redação que dá margem a outras interpretações e com ela esvaziar o dinheiro destinado à educação pública”, explica Cara.  

O papel da União
 
Outra crítica ao texto diz respeito à implementação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e ao Custo Aluno-Qualidade (CAQ) porque o relatório de Angelo Vanhoni desobriga o governo federal do financiamento da educação básica. Daniel Cara defende que se não mudar essa realidade trará sérias consequências à educação. “A educação básica hoje não tem conseguido se efetivar porque não tem a participação do governo federal, embora esta demanda seja constitucional. Hoje estados e municípios investem mais do que o dobro do que o governo federal em educação, apesar de a União ser a que mais arrecada. É preciso corrigir esta redação”, defende Daniel Cara.  
 
De acordo com a nota das entidades relacionadas à educação, da forma como está o texto do relator, todo o custo da elevação de qualidade na educação básica, determinada pelos mecanismos do CAQi e do CAQ, recairá sobre os orçamentos municipais e estaduais, “ferindo tanto a realidade orçamentária dos entes subnacionais quanto o disposto no parágrafo 1º do Art. 211 da Constituição Federal”, segundo o qual “cabe à União colaborar técnica e financeiramente com Estados e Municípios para o atingimento de um padrão mínimo de qualidade na educação, mensurado pelo CAQi”. Para o deputado Angelo Vanhoni, o dever da União é cumprido e não será mudado. “O governo federal faz o seu papel, como o que determina a Constituição, assim como os estados e municípios. O que temos que defender agora é o aumento de recursos que hoje são de 4,7% para chegar aos 10% do PIB”, diz. Daniel Cara contesta essa posição e lembra que a determinação de responsabilizar o governo federal pelo financiamento da educação básica consta no documento final da Conferência Nacional de Educação de 2010 e no documento base da Conae de 2014, que foi adiada de fevereiro para novembro. 
 
Conquista contra o lobby religioso

Em relação às questões que têm sido polêmicas em relação ao PNE, o ponto positivo do relatório, segundo essas entidades, é ter mantido no a referência ao combate às discriminações de raça, gênero e de orientação sexual. “Concordamos com a forma que está o texto do Angelo Vanhoni. O plano tem que sair em defesa do combate à discriminação de orientação sexual e de todas as outras discriminações”, diz Cara. Do outro lado dessa briga, diferentes grupos formados por evangélicos e católicos foram ao Congresso nesta última quarta-feira para contestar a redação porque ela especifica a discriminação de gênero. Em sua página no Facebook, o deputado federal Jean Willys (PSOL) defende que é fundamental que o PNE mude a realidade atual nas escolas. “Precisamos desconstruir a mentalidade misógina, machista, que promove a violência contra a mulher. A educação só desconstruirá essa mentalidade se ela puder fazer, claramente, referência à discriminação de gênero, sem colocar como discriminações genéricas", diz.

 

 

tópicos: