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Ralé brasileira

Mudanças no campo legislativo e judiciário são importantes para a política de drogas, apontam especialistas.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 17/09/2014 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

A ‘Responsabilização penal da pessoa com transtorno mental: onde estamos e onde queremos chegar'  foi o nome do debate que também fez parte do IV Congresso de Saúde Mental realizado no mês de setembro, em Manaus. A atividade contou com discussões que foram desde exclusão social a um novo arcabouço jurídico-legal urgente.

O coordenador geral de saúde mental do Ministério da Saúde informou que a questão do cuidado e a lei estão amalgamadas, e para este fenômeno ele dá o nome de manicômio judiciário. "Quando decretamos que uma pessoa está imputável, ela é perigosa para si e para os outros. E acabamos excluindo essa pessoa da sociedade. Além disso, tomamos atitudes ainda mais radicais que são as prisões com justificativas de saúde", analisa e completa: "É uma condenação perpétua. Historicamente são pessoas que cometeram delitos menores, como um roubo de uma maçã, e ficam 60 anos presos", informa.

Tykanori defendeu ainda que é preciso iniciar o debate sobre a população carcerária com problemas de saúde mental. "Elas ficam muito tempo reclusas e isso é custoso para a sociedade. As pessoas com transtornos mentais deveriam ser julgadas nas mesmas leis, com direito de defesa. Essa questão da imputabilidade precisa ser superada", defende.

O diretor de articulação e coordenação da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), Leon Garcia, apresentou a pesquisa desenvolvida pela Fiocruz e a secretaria desenvolvida ao longo dos anos e que os resultados foram divulgados no ano passado. Confira aqui a matéria feita pela EPSJV/Fiocruz sobre a pesquisa. De acordo com Leon, a pesquisa apresentou que a população envolvida com o crack está muito bem definida na sua cor, classe social, não chegaram ao ensino médio, e 4 a cada 10 moram nas ruas, e, nas capitais, 5 em cada 10 pessoas vivem nas ruas. "Antes de iniciar o uso de drogas, essa população já passou por uma forte exclusão social", explica e completa: "Eles morrem mais do que a população geral, mas a morte não é devido ao uso. É por conta de homicídios e doenças como hepatite e HIV", avaliou.

Leon lembrou ainda que 30,9% dessas pessoas já tiveram algum conflito com a lei, como a detenção, por uso ou posse de drogas, o que hoje não é considerado crime. "Estamos falando das pessoas que são a ralé brasileira, baseado no conceito de Jessé Souza, essas pessoas são privadas de capital econômico, cultural e social", lembra.

O Coordenador Nacional de Saúde no Sistema Prisional, Marden Marques, relembrou a as condições sanitárias das unidades prisionais que, em sua maioria, eram úmidas, com pouca luz, e muitas das vezes áreas de convivência perdendo espaços para celas. "As condições são desumanas e hoje temos a estimativa de ter 15 mil pessoas com transtorno mentais presas, sem a atenção que necessita", relembrou.  Marden enfatizou ainda a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), que entrou em vigor em janeiro deste ano. "O objetivo é de garantir o acesso das pessoas privadas de liberdade no sistema prisional ao cuidado integral no SUS", disse.

O sub-procurador da República Carlos Frederich Santos encerrou a atividade falando sobre  o exercício do poder do Estado feito pela disciplina. "Atualmente, os hospitais de custódia tem a finalidade de modelar o psíquico e a personalidade da pessoa. Mas, eles estão mais relacionados ao castigo do que com a pessoa. Afinal, é uma pena ou um tratamento?", indagou.