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Os próximos passos do Pronatec

Participação das instituições privadas e prioridade dos cursos de curta duração ainda são as principais críticas ao programa.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 10/06/2015 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

A Educação Profissional virou notícia nos grandes jornais. O motivo? A grita geral das empresas privadas pelo atraso no repasse do dinheiro relativo ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). No dia 19 de fevereiro, o Ministério da Educação (MEC) liberou R$ 119 milhões para pagar três meses de mensalidades dos cursos técnicos oferecidos pelas instituições privadas de ensino superior, que hoje são responsáveis por 7% do total de vagas do Programa, todas no componente bolsa-formação. “O barulho que as instituições privadas fazem é legítimo porque elas estão contribuindo muito com o Pronatec”, diz o secretário de educação profissional e tecnológica do MEC, Marcelo Feres, ressaltando, no entanto, que o Ministério não conta com isso para alcançar a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de triplicar o número de matrículas nos cursos técnicos em dez anos, já que o impacto quantitativo que elas geram é muito baixo.

De acordo com o titular da Setec, a participação das instituições privadas de ensino superior no Pronatec, que se dá desde 2013, precisa ser pensada para além de uma “leitura simplista” que se apega apenas a números. “O que nós promovemos foi um processo de utilização da capacidade instalada por meio de indicadores de qualidade com cursos associados. Eu penso que isso é um grande avanço como possibilidade de verticalização. Essa é a palavra-chave. Ou seja, a instituição já tem o curso superior, no momento em que ela traz a possibilidade de um curso profissionalizante, isso melhora sua condição enquanto instituição e potencialmente um estudante que entra para fazer um curso técnico pode verticalizar e fazer um curso superior”, explica.

Os números, no entanto, não são nada desprezíveis. Só em 2014, segundo dados do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), essas instituições receberam quase R$ 645 milhões do governo federal para atuarem no Pronatec. E, neste ano, o valor já ultrapassa os R$ 404 milhões. Entre as mais de 500 instituições que participam do Programa, estão várias que compõem os maiores grupos empresariais de educação do Brasil e do mundo, como a Anhanguera-Kroton e a Estácio de Sá. Como só é possível consultar as informações por CNPJ, e esses grandes grupos empresariais são formados por várias instituições, não é fácil fechar a conta de quanto cada um recebeu.

De acordo com Luiz Caldas, reitor do Instituto Federal Fluminense (IFF), ex-presidente do Conselho Nacional dos IFs (Conif) e ex-diretor de políticas da Setec/MEC, a rede federal tem se colocado criticamente em relação a essa participação privada. “A rede acha desnecessária, arriscada e um pouco contraditória essa oferta”, diz, explicando que não há razão para esse subsídio às instituições particulares de ensino superior. “Essa medida não se justifica para dar conta da quantidade de matrículas porque as redes públicas já provaram que, quando houve financiamento, se conseguiu ampliar a oferta”, garante. De fato, de acordo com o relatório de execução da Setec de 2013, o único componente que ultrapassou as metas do Pronatec na realização de cursos técnicos foi a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica.

Luiz Caldas questiona ainda o “conceito” de verticalização que orientaria a participação das instituições privadas no Pronatec. “Verticalização se dá de baixo para cima e não o contrário”, diz. Marise Ramos, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), concorda, ressaltando que isso talvez faça sentido pela lógica da rentabilidade privada, já que a ‘mercadoria’ curso técnico pode ser de produção mais barata do que a de curso superior. Associando a verticalização à história dos Institutos Federais — que oferecem formação em diversos níveis, desde a educação básica até a pós-graduação —, Marise destaca que o êxito desse modelo inventado pelos IFs está relacionado ao fato dessa formação ser “atravessada” pela produção de conhecimento científico e tecnológico, o que não é verdade na maioria das instituições privadas de ensino superior.

O lugar do curso técnico

Tudo isso diz respeito aos cursos técnicos, que são a modalidade do bolsa-formação da qual as instituições privadas de ensino superior participam. Mas a verdade é que os números relativos a esse nível de ensino ainda são muito inferiores aos dos cursos mais rápidos, chamados de Formação Inicial e Continuada, que têm no mínimo 160 horas e não conferem uma certificação profissional ao aluno. De acordo com informações fornecidas pelo MEC, do total de 8 milhões de matrículas realizadas até hoje no Pronatec, apenas 30% foram em cursos técnicos. Até 2013, no entanto, segundo os números apresentados no relatório de gestão da Setec, esse total foi ainda um pouco menor: 26,8%. Entre todos os componentes do Pronatec, o que mais ofereceu cursos técnicos foi o bolsa-formação, responsável por 5% da oferta até 2013. Nem o relatório nem os dados enviados pelo MEC discriminam as instituições responsáveis por essa oferta, mas se somarmos as vagas oferecidas até 2013 com as que foram previstas para 2014, chegamos a 6,9% do total, o que permite deduzir que praticamente todas as vagas dos cursos técnicos do bolsa-formação foram oferecidas pelas instituições privadas de ensino superior.

Como o relatório também informa que a rede federal foi responsável por 14,66% da oferta de bolsa-formação, o cruzamento dos dados permite concluir que, diferente do que se anunciava no início do Pronatec, os IFs têm ampliado sua participação também nos cursos FIC, que não faziam parte da sua ‘tradição’. “O volume de matrículas na rede federal veio crescendo em termos de formação inicial e continuada ano após ano”, confirma o secretário do MEC, afirmando que isso mostra como não há mais desconfiança por parte dos Institutos Federais em relação ao Pronatec. De fato, Luiz Caldas faz questão de ressaltar que a rede não faz resistência ao Pronatec como um todo, mas, segundo ele, existem muitas críticas à prioridade dos cursos FIC e à própria centralidade que o componente da bolsa-formação — responsável por mais da metade das matrículas totais do Pronatec até hoje — ganhou no programa. “A gente reconhece que o Pronatec tem sido, sobretudo nesses últimos anos, colocado como destaque a partir da bolsa-formação”, diz. Ele afirma que esse componente do programa tem méritos e entende que ele se justifica no contexto de uma “política de desenvolvimento” que requer um processo mais intenso de profissionalização, mas pondera: “O bolsa-formação não dá conta do que do ponto de vista da rede federal representa a educação profissional como um todo”. E exemplifica: “Não podemos ver a educação profissional apenas a partir de cursos FIC, como uma política que não reconhece o ensino médio integrado”.

O secretário de educação profissional e tecnológica do MEC defende que a relação entre a formação técnica e os cursos de curta duração no Pronatec precisa ser medida de “forma mais justa”. Ele sugere que se leve em conta, por exemplo, que o tempo que se gasta para realizar um curso técnico é seis vezes maior do que o necessário para um curso de formação inicial e continuada. Além disso, baseado em dados do censo, Feres ilustra a importância que essa formação menos fragmentada teria nessa política informando que, de 2008 para cá, houve um crescimento de 100% das matrículas dos cursos técnicos no país. A questão é que o Pronatec só foi criado em 2011 e há quem identifique exatamente nesse momento uma mudança de rumo. Num artigo em que aponta avanços e recuos da política nessa área, por exemplo, Marise Ramos analisa os números do relatório de gestão de 2011, que apontam, entre outras coisas, um investimento importante na rede pública estadual, por meio do programa Brasil Profissionalizado, num processo orientado pela valorização da integração entre educação básica e educação profissional. Ela conclui elogiosamente: “Essas ações constituíram uma política pública de educação profissional e tecnológica bastante distinta das tendências fragmentadas e focalizadas que caracterizaram o período FHC. (...) Além disto, vêm acompanhadas de documentos que dispõem sobre princípios e diretrizes para as ações políticas e pedagógicas realizadas”. Mas, na sequência, a pesquisadora analisa os dados posteriores à unificação dessas ações no Pronatec e a conclusão é que as diretrizes do programa “ampliam a participação da esfera privada subsidiada pelo fundo público e indicam a predominância da formação inicial e continuada em detrimento da educação profissional integrada ao ensino médio”.

Mudanças

De acordo com Marcelo Feres, um dos “aperfeiçoamentos e inovações” que o Pronatec deve sofrer a partir de agora é o investimento em “itinerários formativos”. “A rigor, nós trabalhamos muito mais com a formação inicial apenas. É preciso dar oportunidade para que esses estudantes tenham condições de continuar estudando e caminhando na direção da formação de um curso técnico”, reconhece o secretário. Marise explica que o itinerário pressupõe que se pense uma formação integral construída em módulos que o trabalhador possa percorrer de forma mais flexível — como o curso técnico de agente comunitário de saúde, que ela considera exemplar. Diante do que tem se tornado prioridade no Pronatec, Luiz Caldas alerta que o curso técnico, como resultado de um itinerário, não pode ser a simples soma de vários cursos FIC.

Outra prioridade do Pronatec de agora em diante, segundo o secretário, será a formação continuada dos trabalhadores já inseridos nos serviços, o que, segundo ele, abre espaço também para a ampliação da formação à distância. Outras duas inovações, de acordo com Marcelo Feres, serão a migração automática dos egressos do Pronatec para o portal Mais Empregos, do Ministério do Trabalho, e o fortalecimento das ações do Programa Jovem Aprendiz.