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Um balanço do Fórum: educação, inovação e empreendedorismo

Discurso empresarial voltado à  educação profissional deu a tônica das discussões durante o 3º Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 11/06/2015 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

“A educação tradicional vem a cada dia saindo de linha para dar espaço a uma tecnologia que pode auxiliar no processo de ensino e aprendizagem”. A frase é de Frederico César, analista de educação profissional do Senai presente ao 3º Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, que aconteceu de 26 a 29 de maio em Recife. Se você estranhou o emprego da expressão “saindo de linha” e “educação” numa mesma frase, console-se em saber que não foi o único. Marcela Pronko, vice-diretora de pesquisa da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) resumiu da seguinte forma o evento: “Mais do que um fórum de reflexão, foi uma feira de venda de produtos. Desde os carros, expostos em diversos lugares, até venda de cursos. O evento mostrou o quanto a educação profissional hoje é um grande mercado de venda de formação”. O uso de uma terminologia mais adequada para descrever processos industriais do que para falar de educação foi a tônica durante o Fórum, a começar pelo tema escolhido: ‘Diversidade, Cidadania e Inovação’. “Inovação”, junto com “empreendedorismo”, “competitividade” e “produtividade”, foram alguns dos termos mais ouvidos durante o evento.

Além do MEC, participaram da organização do Fórum o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE), Conselho Nacional das Instituições da rede federal de educação profissional cientifica e tecnológica (Conif) e o Conselho Mundial do Fórum Mundial de Educação. Os números do evento impressionam: foram 21,5 mil inscritos, 58 palestrantes convidados, 340 atividades autogestionadas, 2.572 pôsteres e 50 trabalhos de inovação tecnológica apresentados, além de oficinas e minicursos. De acordo com a organização, o Fórum empregou o trabalho de cerca de mil pessoas. O evento teve entre seus patrocinadores empresas como a Fiat Chrysler, Cisco e Jeep, além de entidades do empresariado como Senac e Senai. “Estamos contribuindo com a forma Senai de ser, mostrando para as outras instituições que viemos nos aprimorando cada dia mais na educação profissional”, afirmou Frederico César, do Senai.  Expor a “tecnologia” que segundo ele pode “auxiliar” no processo de ensino e aprendizagem, foi um dos focos do Senai durante o Fórum. “O Senai está demonstrando aqui alguns kits didáticos que podem facilitar esse processo de ensino aprendizagem e aproximar cada dia mais o aluno da empresa, da indústria”, explicou.

Esse discurso estava presente também nas falas dos gestores públicos que compareceram ao evento. Frederico Amâncio, secretário de educação de Pernambuco, estado que sediou o evento, foi um exemplo. Durante uma das conferências do Fórum, ele afirmou que “Educação, inovação e empreendedorismo caminham juntos” e que uma “melhor educação” implica “profissionais mais competitivos”. Para ilustrar o sucesso, o secretário deu o exemplo de estudantes de Pernambuco que venceram competições de inovação promovidas por empresas do Vale do Silício, como Microsoft e Google. Mas alguns participantes aproveitaram para denunciar os baixos salários pagos aos professores da rede estadual de Pernambuco. Segurando um cartaz onde se lia “SOS Educação”, Kleberto Ribeiro, professor da rede estadual e membro do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), foi um deles. “Estamos pedindo SOS porque está sendo desrespeitada uma lei no nosso país, que é a lei do piso dos professores. Hoje um professor concursado em Pernambuco está ganhando R$ 1917, quando o certo seria ganhar 12% a mais”, explicou Kleberto. Os professores do estado estavam em greve desde o dia 21 de maio. A mobilização chegou ao fim no dia 8 de junho, com o governo do estado se comprometendo com um reajuste de 7,1%.

Este não foi o único protesto durante o Fórum, que aconteceu poucos dias depois de o governo federal anunciar um corte de R$ 9 bilhões no orçamento da Educação. Durante a abertura do evento, a fala do ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro foi interrompida diversas vezes por manifestantes ligados ao movimento estudantil que gritavam ““Ô Dilma, que papelão, cortando verba da educação”, e “É ou não é piada de salão, tem dinheiro pra banqueiro, mas não tem pra educação”.

Para a vice-diretora de Ensino da EPSJV, Páulea Zaquini, no entanto, os protestos foram muito poucos e isolados durante o Fórum, ainda mais considerando a conjuntura adversa para a educação, marcada por cortes orçamentários e greves de professores em todo o país. “Apesar de terem acontecido manifestações, ainda é muito pequeno diante do problema. É triste que tão poucos se incomodem com a situação e que tão poucos naquele fórum estivessem dispostos a se manifestar”, avalia Páulea. Para ela, faltou no fórum um debate sobre quais devem ser as prioridades para a educação profissional no país. “O que é prioridade na formação de jovens para o país não foi tema do Fórum. Na verdade houve uma reprodução do que vem acontecendo nas instituições públicas e privadas. Os institutos federais hoje já têm essa linha dada, de atendimento ao privado, de dar respostas às empresas, assim como o Sistema S, que foi criado a partir disso, para capacitar trabalhadores para atuarem nas empresas, comércio, indústria”, analisa. Apesar da presença maciça de docentes e estudantes dos IF’s no Fórum, o que ela considera um ponto positivo, Páulea considera que houve pouco debate durante o evento. “Temos milhares de questões nacionais que a gente não discute. Pode fazer desenvolvimento tecnológico, pode fazer inovação tecnológica, mas pensando realmente no que a gente precisa. É na agricultura, é no saneamento, na questão ambiental? É preciso priorizar as necessidades do país. E ficou claro que as necessidades sociais não estão priorizadas na formação dos nossos jovens”, diz ela.

Discurso do empreendedorismo presente também entre os jovens

Marcela Pronko afirma que ficou chocada diante dos discursos e propostas sendo apresentadas durante o fórum. “A despeito da maciça presença dos Institutos de Educação Profissional e Tecnológica, sobretudo dos estudantes, o que predominou foi o discurso empresarial que, portanto, coloca no centro a inovação e o empreendedorismo. Isto aparece até nos pôsteres dos alunos que apresentaram trabalhos próprios e você vê como a ideologia penetra e perpassa, se transforma num elemento de senso comum para a maior parte dos jovens que estão sendo formados, mesmo nas instituições públicas - e isto me parece chocante”, afirma Marcela.

Mariana Nogueira, professora-pesquisadora da EPSJV conversou com vários jovens que foram ao Fórum apresentar seus trabalhos. De positivo, Mariana destacou o trabalho de alguns alunos de institutos federais pelo país que foram ao Fórum apresentar pôsteres. Ela cita como exemplo o trabalho de Maria Izabel Costa da Silva, aluno do Instituto Federal do Espírito Santo, que vem estudando a implantação do Pronatec na instituição, e que concluiu que o programa “se configura como procedimento neoliberal de inclusão social, de gestão da pobreza e do risco social, de oferta mínima à educação, circunscrita à qualificação profissional, para jovens e adultos, e de fortalecimento da iniciativa privada, atualizando a teoria do capital humano”.

Entretanto, Mariana afirma que se assustou com o que viu e ouviu principalmente na Mostra de Inovação Tecnológica que ocorreu durante o fórum. “Quase todos com quem eu conversei estavam apresentado trabalhos voltados para a produção de determinadas mercadorias para o mercado de trabalho, que depende do empreendedorismo. Então [o discurso é que] o sucesso profissional desses jovens depende deles mesmos, depende dessa capacidade de se inserir no mercado. Isso reforça a meritocracia, uma formação que não se coloca inserido numa relação social no âmbito do capitalismo, um ser humano que depende só de si mesmo, de seu desempenho. Isso está na fala de todos os jovens com quem eu conversei aqui no Fórum”, relata Mariana. Ela também se disse preocupada com a ênfase dada à inovação no Fórum. “O Fórum tem uma orientação que a educação profissional está ligada à tecnologia, e não à tecnologia da produção do saber, não às relações sociais. A tecnologia dura, dos equipamentos. Tecnologia produzida pelo capital, das grandes empresas, que fomenta esse movimento do capital. Você localizar a educação profissional e relacionar diretamente a produção de mercadoria a partir dessa aliança com a iniciativa privada é restringir ao mercado. Isso é problema para quem trabalha com política pública, que acredita que educação não deveria ser mercadoria, e sim um direito”, opina.