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EPSJV debate modelos de desenvolvimento para as populações do campo

Políticas de saúde para o campo também foi tema das discussões.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 07/07/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


Um modelo de desenvolvimento sustentável e viável economicamente em contraponto ao modelo baseado no agronegócio é a alternativa apontada pelos movimentos sociais para promover o desenvolvimento econômico com justiça social. O assunto foi tema da mesa-redonda ‘Modelos de Desenvolvimento e Saúde das Populações do Campo’ promovida pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) no dia 6 de julho. A atividade fez parte do Curso de Especialização Técnica em Políticas Públicas em Saúde para a População do Campo, do qual estão participando, na primeira etapa, 32 educandos, integrantes de movimentos sociais. “Precisamos de um modelo que respeite mais o desenvolvimento do planeta e o primeiro passo é respeitar nossas necessidades. A agroecologia, com a produção de alimentos saudáveis,  tem papel fundamental nesse novo modelo”, defendeu o professor da Universidade de Brasília (UnB), Fernando Carneiro.



O novo modelo defendido pelos movimentos sociais busca reduzir os impactos do agronegócio. “Além do agronegócio, temos também o hidronegócio. Nosso litoral está sendo privatizado por grandes empresas transnacionais e nossos biomas e ecossistemas estão sendo destruídos”, ressaltou Fernando. “O modelo atual é o da modernização agrícola conservadora, que foi iniciado com a ditadura militar. O país deu um salto de produtividade sem fazer Reforma Agrária, com a ajuda do capital financeiro, dos latifúndios e das indústrias química, de sementes e mecânica”, disse.



As consequências geradas pelo agronegócio afetam diversas áreas, incluindo a saúde da população em geral e dos trabalhadores do campo, expostos aos defensivos agrícolas. Além disso, há as consequências sociais. Fernando mostrou, por exemplo, que, enquanto 30% das exportações brasileiras são de alimentos, 40% da população tem insegurança alimentar, segundo dados do IBGE. “Os moradores de bairros carentes das cidades têm até quatro vezes mais insegurança alimentar que aqueles que vivem em assentamentos rurais e produzem seu próprio alimento”, destacou Fernando. Outros desdobramentos da lógica do agronegócio apontados pelo professor são a degradação dos ecossistemas, a exploração dos trabalhadores do campo, a mudança de vida da população, a expulsão dos trabalhadores do campo e a poluição do ar, entre outros.



O uso crescente de agrotóxicos é outro fator preocupante. De acordo com dados apresentados por Fernando, em um período de cinco anos, o consumo de agrotóxicos no Brasil cresceu mais de 40%, enquanto a área cultivada aumentou menos de 5%. “Em 2009, o Brasil consumiu 800 mil toneladas de agrotóxicos e o cultivo da soja é o campeão no uso desses produtos. A venda de agrotóxicos no Brasil só aumenta, sem aumentar a área plantada. Se o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos, também é onde há mais alimentos contaminados e pessoas expostas aos riscos dos agrotóxicos”.



Políticas de saúde



Fazendo uma relação entre as políticas de saúde para o campo e os modelos de desenvolvimento, Fernando lembrou que as campanhas sanitárias voltadas para a população do campo sempre tiveram como pano de fundo a exploração dos recursos naturais. “Desde o extrativismo da borracha, era preciso ter trabalhadores saudáveis. Se não houvesse um trabalho sanitário com eles, essa mão-de-obra não poderia ser usada. Outra ação a destacar é a criação do Funrural (Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural), que foi uma das políticas que teve mais capilaridade e influência nas populações do campo, com a intermediação dos sindicatos, e foi usado pela ditadura militar para conter os movimentos sociais do campo. Enquanto os sindicatos se ocupavam com a saúde dos trabalhadores, não tinham tempo de organizar o povo”, disse Fernando.



Como forma de contribuir para a redução da vulnerabilidade de saúde a que estão expostas a população do Campo, foi criada a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta. A política foi construída com a participação de representantes de movimentos sociais, sob a coordenação da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (Segep) do Ministério da Saúde. “O principal objetivo é garantir o acesso à saúde a essas populações, promovendo a qualidade de vida e respeitando as especificidades dessas pessoas porque, normalmente, o que predomina nas políticas é a dimensão da cidade e não a do campo”, explicou a coordenadora geral de Apoio a Gestão Participativa e ao Controle Social da Segep, Jacinta Senna da Silva.



Incentivar a pesquisa, promover o fortalecimento da participação das representações, apoiar os processos de educação e promover mecanismos de informação e comunicação são outros objetivos da proposta. “A política tem como diretrizes a saúde como um direito universal e social, a transversalidade e a intersetorialidade. Também tem como princípios valorizar as práticas e conhecimentos tradicionais das populações do campo, apoiar a produção sustentável e solidária e promover ambientes saudáveis”, completou a coordenadora.



A política foi aprovada por unanimidade no Conselho Nacional de Saúde (CNS), mas ainda não foi pactuado na Comissão Intergestores Tripartite (CIT), que reúne representantes de gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) das três esferas de governo – União, estados e municípios. “Vamos levar o documento para a CIT pela terceira vez para tentar sua pactuação. Enquanto isso, vamos continuar avançando e construindo parcerias com os movimentos sociais para implantar a política, que já é de conhecimento da maioria dos estados e que já tem algumas ações implantadas”, afirmou Jacinta. Fernando completou: “A política não ter sido aprovada na CIT é grave. A comissão diz que faltam recursos para implantar a política, mas, na verdade, o pano de fundo é uma questão ideológica porque eles não têm como prioridade a saúde da população do campo”.



Políticas para o campo



“O SUS ainda não construiu uma política de saúde efetiva para o campo. Houve uma época em que aplicar o SUS era ousadia em cumprir a lei. Agora, fazer saúde no campo e na floresta vai ser tornar uma ousadia realidade”, destacou Fernando. A coordenadora do Coletivo Nacional de Saúde do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Gislei Siqueira, concordou. “As políticas de saúde no campo ainda estão muito aquém do esperado e, quando chegam, levam o modelo assistencial urbano, sem as especificidades do campo e sem respeitar os saberes que já existem e que fazem com que essa população sobreviva até hoje”.



Gislei disse que, para os movimentos sociais, está bem claro que as mudanças estruturais não acontecerão agora, mas que a luta pela transformação do campo tem que continuar. “Nosso desafio é sensibilizar os trabalhadores da saúde para que a política não tome o mesmo caminho de outras e exista só no papel. Se não houver mobilização social, corremos esse risco. Por isso, temos que construir uma aliança entre os usuários e os trabalhadores da saúde”, disse.



Curso



“A Escola Politécnica foi o primeiro espaço institucional no campo da saúde que nos deu espaço para construir conhecimento a partir de onde estamos. Isso é importante porque, normalmente, os movimentos sociais não têm acesso a escolas formadoras de trabalhadores da saúde”, destacou Gislei, apontando iniciativas como o curso que está sendo realizado como uma das ferramentas de melhoria do acesso à saúde para trabalhadores do campo.



O Curso de Especialização Técnica em Políticas Públicas em Saúde para a População do Campo tem como objetivo capacitar os trabalhadores do campo para compreender e discutir as políticas públicas de saúde pelo viés dos movimentos sociais e formar lideranças para esses movimentos. Participam das aulas integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e Movimento Popular de Saúde (MOPS), de diversos estados brasileiros.



O curso, que teve início dia 22 de junho, foi construído pela EPSJV em parceria com a Coordenação do Coletivo Nacional de Saúde do MST, a partir do projeto da especialização já oferecida pela Escola. O programa foi baseado no método político-pedagógico do MST, com a inclusão de questões específicas dos movimentos sociais do campo. A primeira etapa do curso será realizada até 10 de julho. A segunda deve acontecer em novembro deste ano e a previsão é que o curso seja encerrado no primeiro semestre de 2011. Esse curso é parte integrante do projeto ‘Formação de conselheiros de saúde para o campo’, financiado pela Secretaria de Gestão Participativa do Ministério da Saúde. As aulas são realizadas no Centro de Referência Professor Hélio Fraga, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz). “A parceria da EPSJV com os movimentos sociais nos proporciona uma troca de aprendizagem, que faz com que a Escola cresça e aprenda com essa experiência. É uma parceria cada vez mais forte que tem enriquecido muito nosso conhecimento. Para nós, a aproximação entre a politecnia e a educação no campo é o caminho para a construção de uma sociedade mais justa”, disse a diretora da EPSJV, Isabel Brasil. E completou: “As instituições públicas devem estar a serviço dos movimentos sociais”.