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Nosso Sagrado

Documentário mostra o passado de perseguição das comunidades tradicionais de terreiro e traz debate sobre intolerância religiosa a EPSJV
Julia Neves, Ana Paula Evangelista - EPSJV/Fiocruz | 26/06/2018 11h48 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

Os alunos do Ensino Médio e do curso Técnico em Agente Comunitário de Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) assistiram, nos dias 20 e 21 de junho, o documentário ‘Nosso Sagrado’. Após o filme, os estudantes participaram de um debate sobre intolerância religiosa, tema do documentário, com Viviane Tavares, uma das produtoras do filme, e o deputado estadual Flávio Serafini (Psol/RJ), que apoia o projeto. O documentário, que faz parte da campanha ‘Liberte Nosso Sagrado’, mostra o passado de perseguição das comunidades tradicionais de terreiro que eram criminalizadas, a coleção "Magia Negra" – um acervo de mais de 200 objetos sagrados que foram apreendidos na primeira metade do século 20, por conta de uma lei que proibia essas práticas religiosas, e hoje se encontra no Museu da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, bem como a dificuldade de acesso a essas peças por religiosos, pesquisadores e a população em geral.

Segundo Viviane, há diversos casos de racismo religioso no país e é necessário combatê-los. A produtora contou que, somente em 2017, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, cerca de 40 terreiros foram atacados e tiveram seus objetos quebrados. Em 2018, um terreiro no bairro de Cordovil, no Rio de Janeiro, teve seu altar violentado e a mãe de santo expulsa. Além disso, no estado do Ceará, uma professora foi demitida porque deu uma aula sobre racismo religioso. Em meio a tantos casos alarmantes, Viviane questiona: “Por que justamente as religiões de matrizes africanas são atingidas dessa maneira?”. E responde: “Durante vários períodos históricos, verificamos essa perseguição com religiões afro-brasileiras, porque a religião também é uma forma de colonizar. Quando se diz que uma religião é melhor que outra, a outra religião é colocada como subalternizada. O que tentamos com o documentário é sensibilizar a todos mostrando o que esses objetos sagrados significam para essas pessoas. A gente precisa combater a intolerância religiosa para que isso não aconteça mais”.

“Quando se entende a simbologia da religião, basta aceitar a escolha do outro. Se não for para propagar o amor, não precisa falar nada”, afirmou Raquel Ribeiro, aluno do 2º ano do Ensino Médio, da habilitação de Análises Clínicas.

Liberte Nosso Sagrado

Como exemplo dessa tentativa de combater a intolerância religiosa, Viviane contou um pouco sobre a campanha ‘Liberte Nosso Sagrado’, uma iniciativa conjunta do movimento negro e das lideranças religiosas da Umbanda e do Candomblé que reivindicam que esses 200 objetos sagrados – tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – sejam devolvidos aos povos de terreiro. “Fizemos uma visita ao Museu da Polícia e vimos que essas peças são guardadas de forma precária, sem cuidados. Com isso, fizemos uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) para contar esse caso e isso deu uma boa visibilidade para a campanha. A polícia respondeu nosso ofício, falando que tiraria as peças se tivesse um acompanhamento técnico. Mas precisamos também de um acompanhamento de líderes religiosos”, disse Viviane. O Museu da República, no Rio de Janeiro, recebeu recentemente uma coleção sacra da Igreja Católica e aceitou receber a coleção dos objetos sagrados. “Marcamos uma primeira reunião para o próximo mês de julho deste ano para pensarmos como será esse plano de trabalho. Apesar da resistência da Polícia Civil, que terá que fazer o reconhecimento de um erro histórico”, destacou Viviane.

Segundo Serafini, no século 20, com o Estado já laico, ou seja, sem filiação com alguma religião, o Estado continuava proibindo e perseguindo as religiões de matrizes africanas. “Durante as primeiras décadas do século 20, muitos terreiros foram invadidos, muitos cultos foram interrompidos, muita violência foi praticada e muitas peças foram apreendidas no Brasil. Na Bahia, depois de muita mobilização e debate se chegou a um acordo e as peças apreendidas foram para a Universidade Federal da Bahia e tiveram um direcionamento para a valorização da cultura negra. No Rio de Janeiro, essas peças continuam sob o poder da polícia”, lamentou o deputado.
“A ideia é de que essas peças, que continuam apreendidas, sejam devolvidas simbolicamente aos povos de terreiro. Como seria essa devolução? Nas leis do Brasil, quando um crime deixa de ser crime, quem está preso precisa ser liberto. Nesse caso, essas peças seriam encaminhadas para um museu com uma exposição que seja voltada para a valorização da cultura negra. Defendemos que a gestão dessas peças seja feita por um geólogo, mas também por um representante dessas religiões”, destacou Serafini.

A dificuldade, de acordo com Serafini, é que o estado brasileiro, historicamente, não reconhece a violência que pratica. O deputado afirmou que a herança escravocrata é grave e o Brasil tem uma construção ideológica que sempre tentou negar a existência do racismo na sociedade. “Temos comprovado, no mapa da violência urbana, que onde diminui a taxa de homicídio entre brancos, aumenta entre negros. A probabilidade de um jovem negro morrer é duas vezes e meia maior que a de um branco. A composição social do Brasil também mostra a concentração de negros entre os mais pobres. Ainda assim, o Brasil segue negando o racismo”, ressaltou.