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Entrevista: 
Maria Clara Di Pierro

'A Educação de Jovens e Adultos é uma porta de reingresso no sistema educacional'

Nesta entrevista, a professora da Universidade de São Paulo (USP) Maria Clara Di Pierro fala sobre as múltiplas dimensões da Educação de Jovens e Adultos, que segundo ela abarca outras funções além da reposição da escolaridade para aqueles que não puderam acessar a educação básica na idade prevista. Ela também fala sobre as dificuldades para cumprir com as metas previstas para a modalidade no Plano Nacional de Educação (PNE), cuja vigência termina em 2024, e aborda os impactos da reforma do ensino médio e da pandemia de Covid-19 especificamente sobre a EJA
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 14/01/2022 10h06 - Atualizado em 01/07/2022 09h40

Quando a gente pensa em EJA, sobretudo quem não é estritamente do campo da educação, a gente faz uma associação imediata com uma política de combate ao analfabetismo. O que mais ela abarca além disso?

A Educação de Jovens e Adultos está identificada com essa função reparadora de promover alfabetização e repor escolaridade não realizada na infância e na adolescência. Isso não apenas no Brasil, mas na América Latina, dado um contexto de elevadas taxas de analfabetismo e elevados contingentes de população com baixa escolaridade, ou escolaridade de muito má qualidade, que compromete o seu acesso ao mercado de trabalho, a renda, a própria qualificação profissional, etc.  Mas o  conceito hoje vigente na Unesco, no âmbito internacional, aprovado nas conferências internacionais de educação de adultos, é muito mais amplo: se fala de sistemas de educação ao longo da vida que combinem educação escolar e extraescolar, e educação formal e informal, que tem múltiplas dimensões.

Uma boa política de educação de adultos transcende esse sentido de reparação apenas de escolaridade não realizada, até porque nos países do capitalismo central, mais desenvolvidos, a problemática deles não é predominantemente essa, embora eles tenham uma educação reparatória mais voltada para os imigrantes, cuja língua materna é outra, etc. Em um pensamento moderno contemporâneo, a educação de adultos seria muito mais abrangente, porque ela compreenderia outras funções para além dessa de reposição da escolaridade não realizada. Mas que as nossas políticas públicas raramente vão além disso. Embora haja outras práticas formativas com adultos que não têm, digamos, uma legitimidade político-social, um reconhecimento maior.

A EJA não consegue abarcar sob o seu guarda-chuva muitas práticas que estão por aí, de educação ambiental, de educação para a saúde, que são frequentes, que outros agentes públicos que não o ministério, a secretaria de educação, desenvolvem. Há um conjunto de práticas de formação de adultos, de iniciativa governamental ou da sociedade civil, que poderia estar sob esse guarda-chuva, mas que não são nem reconhecidas como tal.


Do ponto de vista legal no Brasil hoje, da organização da própria educação, a EJA diz respeito especificamente à educação básica para dar conta dessa reparação histórica?

É só o que está reconhecido na Constituição, está regulamentado na Lei de Diretrizes de Bases. E o Ministério, os estados e os municípios muito raramente desbordam esses limites para lançar uma formação mais integral.


Com a LDB principalmente é que se passa a ter essa concepção de Educação de Jovens e Adultos propriamente substituindo a ideia de ensino supletivo.  Quais as diferenças, tanto do ponto de vista da concepção quanto do ponto de vista da execução propriamente, da oferta, quando a gente falava em ensino supletivo e em Educação de Jovens e Adultos?

A linguagem do ensino supletivo foi adotada pelo regime militar na reforma do ensino do primeiro e segundo graus de 1971, que pela primeira vez dedicou um capítulo para o ensino supletivo, mas que ficou muito identificado com essa função reparador. A especificidade da educação de adultos ficou identificada como uma aceleração de estudos. Na lei 5.692/71, o ensino supletivo era concebido como um subsistema da educação básica, era relativamente autônomo, incluía cursos e exames que admitiam a educação à distância por TV, rádio, correspondência, porque na época não tinha internet. E ele pegava uma população com uma idade um pouquinho maior, que era de 18 anos e 21 anos para os exames, por exemplo, de fundamental e médio, na época chamava primeiro e segundo graus.

O ensino supletivo ficou marcado por essa visão compensatória, de reposição de escolaridade não realizada, e por um desprestígio social como uma educação de segunda qualidade, uma educação pobre para os pobres. Embora a educação de adultos estivesse mencionada na legislação desde 1934, não era dever do poder público, não era direito público subjetivo do cidadão estudar depois dos 18 anos. A Constituição 1988 reconheceu o direito público subjetivo ao ensino obrigatório, que à época era o fundamental, o primeiro grau, e que depois, com a Emenda 59, de 2009, passou a abranger também o ensino médio. Então hoje em dia o cidadão com mais de 18 anos não é obrigado a ir à escola, mas se ele demandar é obrigação do poder público atender. É o mesmo caso da creche, a família não é obrigada a pôr a criança de zero a três na creche, mas se ela demandar o poder público é obrigado a atender. É que a nossa cultura do direito à educação ainda não está bem consolidada, então a mesma mãe que vai lá no conselho tutelar brigar pela vaga da criança na creche não se vê a si própria como sujeito do direito à educação.

A LDB retira da educação de adultos daquela pecha negativa que o ensino supletivo tinha colado, que era uma educação de segunda categoria, para os pobres. Então a mudança de nomenclatura vinha tanto nesse sentido de ampliar o conceito, de alargar o conceito já na direção dessa visão de educação ao longo da vida, de educação popular, mas, sobretudo, do direito à educação de qualidade. Ela deixa de ser um subsistema para ser parte da educação básica, então é parte integrada da educação básica, é direito do cidadão, é dever do Estado. Mas ela ainda fica muito confinada, os artigos da LDB que tratam disso ainda se limitam muito a essa função de reposição.

Em 2000, quando o professor Carlos Roberto Jamil Cury, que era membro do Conselho Nacional de Educação, redigiu o parecer de diretrizes para a educação de adultos, ele vai então enfatizar essa dimensão do direito. Além da reparadora, tem a função de educação continuada e tem a função de nivelamento de estudos, porque a medida em que você vai elevando a escolaridade básica obrigatória toda aquela população que antes tinha só o primário passou a ter direito ao fundamental completo, as pessoas que têm o fundamental passaram a ter direito agora ao ensino médio. Então também tem essa função de nivelamento. O Cury tenta alargar o conceito na normativa, mas não na lei porque a LDB está muito apegada à reposição e a qualificação profissional.


Os dados de 2020 mostram 6,6% da população brasileira analfabeta, é uma taxa que vem caindo significativamente, sobretudo quando a gente pensa nesse contexto anterior a LDB, quando houve essas mudanças todas que a senhora relatou. E também há a pesquisa da Unicef divulgada recentemente, que por outro lado mostra 1,4 milhão de crianças e adolescentes, entre seis e 17 anos, fora da escola. Já os dados mais recentes do IBGE, de 2019, falam de 11,8% de jovens entre 15 e 17 anos foram da escola; Eu estou apresentando esses números para a senhora poder me falar sobre o desafio que o Brasil ainda tem em relação à EJA para essas funções diferentes.  Por exemplo, a função reparadora mais diretamente associada ao analfabetismo, há o argumento de que a taxa de analfabetismo vem sendo reduzida significativamente todos os anos, nesse sentido a EJA ainda é uma política necessária? Por outro lado, a gente tem jovens fora da escola, esses jovens talvez ingressem nas fileiras da EJA daqui a pouco porque a eles também não foi garantido o direito à educação na idade correta...

É impressionante o mito de que a baixa escolaridade da população é um problema do passado, que com o investimento na educação das novas gerações estará em breve superado, que a EJA pode acabar. É um equívoco total. Primeiro que se você olhar os dados, a população adulta jovem que tem educação básica incompleta é superior a 70 milhões de brasileiros. Então você tem os 11 milhões de analfabetos absolutos, você tem mais um tanto que não concluiu o fundamental e tem os que concluíram o fundamental, mas não concluíram o médio. Isso dá mais do que toda a população que nós temos na educação básica. Então não faz nenhum sentido você imaginar que a educação de adultos possa estar na iminência de se tornar dispensável.  Tem um conjunto de preocupações com o envelhecimento da população, previdência, saúde, e educação é chave para a qualidade de vida no envelhecimento, isso é básico.

Há um contingente muito grande da população economicamente ativa, essa que tem que produzir desenvolvimento, gerar renda, imposto para se poder investir e etc. na população, com escolaridade básica incompleta ou de baixa qualidade. Então essa hipótese fantasiosa de que um investimento exclusivo na educação das novas gerações dará conta não se sustenta. Eu acho que não se trata de escolher, de fazer escolhas de Sofia, porque essas crianças que nós estamos pondo na escola agora quem cuida delas é a avó, porque a mãe trabalha o dia inteiro, ela vive numa família monoparental, chefiada por uma mulher que trabalha 12 horas fora de casa, então eu penso muito mais nas relações intergeracionais. E a pandemia escancarou isso na hora em que as crianças tiveram que estudar em casa.

O IBGE tem estudos lá nos anos 1990 que mostram que não se trata apenas de um estoque de pessoas idosas que vieram de um tempo em que as pessoas não tinham acesso à educação; a gente está produzindo baixa escolaridade, escolaridade de baixa qualidade, no presente. E isso tem a ver com o nosso sistema escolar, que é seletivo e que é de baixa qualidade, e tem a ver com a desigualdade socioeconômica. Atualmente nossas crianças vão para a escola aos seis anos de idade. Elas estão indo mas elas reprovam muito, elas abandonam antes de concluir, tem aquele pico de abandono escolar no sexto, sétimo e oitavo ano do fundamental, que é quando os meninos, principalmente os rapazes pobres, negros, multirrepetentes, abandonam a escola ou para trabalhar ou porque eles já estão nesse limiar do desengajamento.

A população de 15 a 17 anos, que idealmente deveria estar no ensino médio, e ainda está estudando no fundamental, atrasada na relação idade/série, é candidata a EJA, ou se ela já abandonou a escola e está no mercado de trabalho, é candidata a EJA. E os dados estão mostrando que a matrícula do ensino médio, que deveria estar crescendo, está caindo. É diferente do fundamental, que a matrícula está caindo por razões demográficas. Então temos um grupo de problemas que é sistêmico, e a educação de adultos é uma porta de reinserção dessa juventude pobre para a qual o sistema escolar não conseguiu garantir a permanência e aprendizagem. A Educação de Jovens e Adultos é uma porta de reingresso no sistema educacional  para essa juventude, é fundamental se apostar nisso. Agora, isso tem a ver com pobreza, com trabalho precoce, com renda, com qualificação, com outras dimensões do social. Não dá para a educação fazer tudo.


O PNE em vigor nesse momento traz algumas metas relativas a EJA, e a EJA integrada com a educação profissional. Claro que a pandemia atravessou e trouxe problemas, mas ele já vinha com muitas metas atrasadas há muito tempo. Qual é a sua avaliação sobre isso, sobre o que se tem feito de esforços ou de política, ou o que não se tem feito, para implementar essas metas?

As metas do PNE relativas à educação de adultos são todas elas ousadíssimas: é superar totalmente o analfabetismo, admitir apenas um pequeno percentual residual, diminuir drasticamente o analfabetismo funcional, elevar a escolaridade média da população adulta jovem, para 12 anos de escolaridade, diminuindo, assim, iniquidades de raça, gênero, classe e território. No caso da educação de adultos não tem metas específicas de ampliação, exceto àquela diretriz de que 25% da matrícula seja integrada à educação profissional, que é uma meta para lá de ousada porque a linha de base era 2% por cento da matrícula integrada e ela deu uma andadinha para frente e voltou para trás, segundo o último relatório de monitoramento do INEP. Para contribuir com uma parte dessas metas, seria também necessária uma melhoria do fluxo na educação dos jovens, mas você teria que ampliar os investimentos na área de educação de adultos, e o que a gente viu desde 2016 é retrocesso.

Se você olhar os dados do estudo do professor [José] Marcelino [da USP e da FIneduca] você vai ver que a queda do investimento na educação de adultos no âmbito federal é brutal, e essa falta de investimento vai repercutir nos estados e municípios que dependem mais do financiamento federal, que é Norte e Nordeste, que sempre dependeram mais do financiamento federal. A única coisa que eu sei é que os estados estão conseguindo algum financiamento para fazer educação profissional articulada com o ensino médio.

É tal do EJATEC, que se você pegar Goiás já tem dois anos, Paraíba já tem dois anos, Minas Gerais lançou esse ano, São Paulo lançou esse ano. Então parece que há algum financiamento, mas como não tem nenhuma transparência, eu não sei te dizer como funciona, eu só sei que eu dialoguei com a equipe de Minas Gerais e eles me falaram que tem financiamento do MEC. Agora como, com que condições, com que política, não se sabe.

O governo Bolsonaro só desfez, extinguiu a Secadi [Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão], a Secretaria Nacional de Juventude, não colocou para frente nenhum dos programas. Aí parece que eles recriaram a coordenação de educação de adultos dentro da Secretaria de Educação Básica. É tudo que sabemos. E aprovaram uma resolução no Conselho Nacional de Educação de alinhamento da educação de adultos a Base Nacional Curricular Comum e a reforma do ensino médio, que é um desastre.


Por quê?

Primeiro porque ela vem com um suposto alinhamento da EJA à BNCC e à política nacional de alfabetização, e ambas são equivocadas no que concerne a EJA. No caso a política nacional de alfabetização é uma tentativa de impor os métodos fônicos como a única alternativa baseada em evidências científicas, o que é uma bobagem. Ao aprovar essa resolução, eles vão amarrar o livro didático da EJA, que está atrasado seis anos, a essa orientação, que é um desastre. A mesma coisa no que concerne a BNCC. Em nenhuma das edições da BNCC se discutiu a necessidade da EJA, não houve nenhuma reflexão, discussão, consideração da especificidade. Então é uma concepção que acha que a EJA é uma extensão, não tem especificidade curricular. Como toda a lógica da reforma do ensino médio é aumentar a carga horária, eles não sabem o que fazer com o noturno e com a educação de adultos, eles foram omissos. Eles dizem que é problema dos estados, que os estados devem regulamentar o que fazer com o ensino noturno e com a EJA.

A reforma do ensino médio foi omissa, mas ela cogitou a hipótese de um percentual muito alto da carga horária ser feito à distância, e isso é um desastre. Os estudos sobre o analfabetismo funcional mostram que a autodidaxia não é um atributo dos jovens e adultos com baixa escolaridade, pelo contrário. A autonomia de aprendizagem deve ser um dos objetivos da educação de adultos, sem dúvida, mas não é uma caraterística dos sujeitos, então se você só oferece educação à distância as pessoas com baixo grau de ‘livramento’, com baixa autonomia de estudo, de autodidaxia, que é a maioria, vão ficar fora do sistema porque elas não têm o suporte pedagógico necessário.


Há denúncias de que, para se adequar à reforma do ensino médio, os governos estão acabando ou reduzindo muito as turmas e iniciativas de EJA. Isso procede? Por quê? Como a reforma afeta a EJA?

Eu vou te falar de São Paulo que é o que eu conheço: São Paulo começa a reforma com o PEI, o Programa de Educação Integral. Eles foram criando dentro da rede estadual de ensino uma sub-rede mais aquinhoada, que tem uma jornada de sete a nove horas diárias de aula, em que os professores ficam trabalhando em uma só escola, e eles fecham o noturno. Então, o programa de educação integral original aqui no estado de São Paulo, a escola que optava por isso fechava o noturno e, portanto, marginalizava o jovem trabalhador.  Eles tiveram que se sensibilizar porque eles estão ampliando a escola de tempo integral, então eles estão admitindo ter escolas PEI que mantenham o noturno. Nisso os jovens e adultos eram remanejados para outras escolas, se essa escola está longe do trabalho e está longe de casa aumenta o risco de abandono escolar, certo?


Há dados que comprovem que esse risco aconteceu?

Não. Se você entrevistar os procuradores do GEDUC [Grupo de Atuação Especial de Educação] do Ministério Público de São Paulo eles têm dezenas de denúncias de fechamento, porque eles vão fechando as salas de aula de EJA. No caso da EJA, o fechamento à revelia da demanda ocorre, há muitas denúncias. Então não se trata da reforma do ensino médio em si, é que esse modelo de tempo integral que aqui em São Paulo foi adotado, com o fechamento do noturno, você cria duas redes. Você tem uma rede de ensino médio de qualidade rebaixada e você tem as escolas modelo, vitrine, dos programas do Unibanco. Em outros estados você vai ter produtos similares. Então você cria maior desigualdade educativa no interior da rede, e se você perguntar qual é a política para o jovem adulto e para o jovem trabalhador não tem resposta para isso.

Agora, no caso, a queda da matrícula na EJA é um fenômeno complexo, é anterior à reforma e não tem a ver só com o ensino médio, porque ela ocorre também no fundamental. Se você olhar os dados do INEP, ela ocorre mais no fundamental do que no médio, e ela tem a ver, por exemplo, com a lógica de nucleação. Você tem um modelo de Educação de Jovens e Adultos, que é essa educação noturna das 7h às 11h da noite, de segunda a sexta-feira, com o mesmo currículo do regular, empobrecido, com professor cansado, sem formação, mal remunerado. É uma escola pouco atrativa, que o jovem adulto trabalhador não consegue conciliar com as suas múltiplas responsabilidades profissionais, familiares, com a precariedade dos arranjos de vida da população pobre do Brasil, com a necessidade de trabalho. Então você tem uma evasão muito alta porque é um modelo rígido, inadequado para o jovem adulto, que teria que ter um modelo muito mais flexível, de muito mais investimento na qualificação docente, em um currículo diferenciado, em materiais, etc. Então, você já tem uma tendência de queda de matrícula desde 2007, vem se acentuando. Aí os estados ao invés de diagnosticarem o problema e investir, eles fazem a estratégia barata, eles fazem nucleação, então em vez de eu ter duas classes na escola A, três classes na escola B, não, a gente faz um só que tenha noturno e EJA, e fecha as outras.


Mas que fica longe da casa das pessoas...

Sim. Do ponto de vista do dinheiro tem uma lógica, mas do ponto de vista do atendimento à demanda é um desastre, porque se a escola não está do lado da casa dela ou se ela tem que atravessar uma comunidade que tem risco de noite, se ela tem que gastar dinheiro com transporte, se não está no caminho do trabalho para casa, danou-se. Então você ao invés de mobilizar a demanda potencial por EJA você desmobiliza. A lógica de nucleação tem uma racionalidade administrativa, é melhor para o professor porque concentra a carga horária dele numa escola só, é melhor para a gestão, mas do ponto de vista do demandante não funciona.


Pode fazer um panorama da pandemia especificamente na EJA? Houve uma interferência diferente dos outros segmentos, há notícias?

Minas Gerais fez uma pesquisa ano passado que se chama ‘Conta aí como vão seus estudos’, e são impressionantes os dados dessa pesquisa porque eles perguntaram para o aluno regular, mas o resultado aparece discriminado. Então o que mostra é que a população da EJA é mais pobre, mais vulnerável do ponto de vista socioeconômico, portanto ela foi atingida pela crise econômica, pelo desemprego da família, de uma forma brutal. Ela tem menos acesso às tecnologias da comunicação e informação, então teve muito mais dificuldade de acessar. Todos os problemas que a gente viu com as crianças e os adolescentes se agudizaram, além do fato de que uma parte desse público tem dificuldade de manejo com a tecnologia porque não é nativo digital, os mais idosos, etc. Em todas as experiências que eu vi, as escolas serviram fizeram uma retaguarda social. Então educaram sobre as formas de prevenção, ajudaram a arrecadar cesta básica, a credenciar as pessoas nos programas de auxílio emergencial. Foi uma retaguarda social, assistencial e também um pouco emocional, e o pouco que elas conseguiram fazer de educação, de instrução, fizeram com material impresso e com o uso do Whatsapp predominantemente.

Tem estados que organizaram melhor essa educação remota emergencial e outros que menos, e a Educação de Jovens e Adultos em alguns casos é contemplada, em outros casos não. O município de São Paulo fez um material específico para o ensino fundamental, chamava “Teia de Aprendizagens”, orientou os professores e etc., mas não tinha alfabetização. A política de alfabetização em São Paulo era predominantemente feita por organizações sociais conveniadas, e todos os convênios, com a alimentação escolar, com a faxina, foram suspensos porque as escolas estavam fechadas, então demite as faxineiras, demite as merendeiras e demite os alfabetizadores também.  Se conseguiu reverter, foi preciso o Ministério Público, os sindicatos, os movimentos todos se armarem pra reverter; reverteu, mas quando eles conseguiram reverter tinha turma que já tinha fechado. Então o que eu posso te dizer é que a educação de adultos foi muito atingida, porque teve problemas de evasão, de abandono. Todos os estudos mostram que a escola de adultos é um espaço de sociabilidade, de encontro de iguais, o vínculo com o professor é muito importante.

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