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No primeiro dia do ano, governo Lula garante novo fôlego ao meio ambiente

Logo após tomar posse, presidente assinou diversos decretos em oposição às medidas tomadas pelo governo anterior
Erika Farias - EPSJV/Fiocruz | 10/01/2023 14h25 - Atualizado em 10/01/2023 16h36

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mal havia tomado posse, em 1º de janeiro, quando assinou diversos decretos relacionados à preservação do meio ambiente, em oposição às medidas tomadas pelo governo anterior. O desmonte ambiental durante a presidência de Jair Bolsonaro foi responsável por desmatamentos da Amazônia ao Cerrado, estrangulamento de órgãos ambientais, invasão e violência em territórios indígenas, entre outras decisões controversas que chocaram ambientalistas do Brasil e do mundo. Indo de encontro com tais medidas, os decretos do novo presidente, publicados na segunda-feira (2/1), no DOU, restabeleceram o Fundo Amazônia, que financia projetos de redução do desmatamento e fiscalização do bioma que está parado desde 2019; determinaram  que o Ministério do Meio Ambiente proponha em 45 dias uma nova regulamentação para a estrutura do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama); derrubou medidas consideradas facilitadoras de garimpo ilegal em terras indígenas; dispôs sobre planos de ação para prevenção e controle do desmatamento no cerrado, na mata atlântica, na caatinga, no pampa e no pantanal; e também alterou um decreto sobre infrações e sanções administrativas ao meio ambiente.

Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), explica que, em 2019, quando o governo anterior assumiu a gestão pública, houve a extinção de todas as estruturas governamentais responsáveis pelo combate ao desmatamento e a mudança do clima. “Tanto que, no decreto anterior do governo Michel Temer, havia 14 menções ao termo clima no decreto de estruturação do Ministério do Meio Ambiente, e no decreto de 2019, do presidente Bolsonaro, não havia nenhuma menção. E dessa ausência decorreram uma série de medidas como, por exemplo, a extinção do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), e praticamente todas as políticas públicas ambientais foram extintas ou gravemente modificadas”, pontuou.

Desmatamento

Combater o desmatamento, não só da Amazônia, mas dos outros biomas, é fundamental para garantir a sustentabilidade do continente Sul-Americano, a sobrevida do Brasil como elemento agrícola para a segurança alimentar, para você garantir a vida nas cidades

Dados divulgados em janeiro de 2023 pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que as áreas sob alerta de desmatamento na Amazônia Legal registraram 10.267 km² entre janeiro e o último dia de 2022, sendo esse o quarto ano consecutivo que os alertas ultrapassam a marca de 8 mil. A Amazônia Legal corresponde a 59% do território brasileiro e engloba oito estados (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Groso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) e parte do Maranhão. Nesta área, mora mais da metade da população indígena brasileira.

“Combater o desmatamento, não só da Amazônia, mas dos outros biomas, é fundamental para garantir a sustentabilidade do continente Sul-Americano, a sobrevida do Brasil como elemento agrícola para a segurança alimentar, para você garantir a vida nas cidades”, afirma o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhi.

Já Guetta contextualiza que, ao longo da década de 1990, não havia políticas públicas de estado e por isso foi registrado um alto índice de desmatamento. Havia políticas pontuais que eram tocadas pelo Ministério do Meio Ambiente e estavam desvinculadas de políticas econômicas e sociais. Em 2004, a partir do PPCDAm, os índices de desmatamento caíram de 27 mil km² para apenas 4 mil km² em 2012, uma redução de 83%. “Essa é considerada a política pública florestal mais bem sucedida do mundo justamente por isso, porque ela conseguiu reduzir muito rapidamente os índices de desmatamento até 2012. Nesse ano, houve a aprovação do novo Código Florestal, mas ao mesmo tempo, houve algumas anistias a desmatamentos ilegais e reduções orçamentárias com diminuição dos esforços estatais na implementação dessa política, então os índices voltaram a subir. Chegamos em 2019 ainda com essa política pública em vigor, com o Fundo Amazônia em vigor, mas com uma redução da sua aplicação em relação ao período anterior. Em 2019 aconteceu a extinção dessas políticas pura e simplesmente, gerando um aumento do desmatamento. Nós saímos de 4 mil em 2012 para 13 mil km² de 2019 para frente. Sendo que a meta climática que o Brasil deveria ter cumprido em 2022 era de no máximo 3.925 km²”, afirma.

Fundo Amazônia

Criado em agosto de 2008, o Fundo Amazônia financia ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. Segundo o relatório de 2021 do Fundo, que é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), até 2020 foram apoiados 102 projetos, com R$ 3,4 bi de doações recebidas e R$ 1,4 bi desembolsados. Dessas doações, 93,8% vieram da Noruega, 5,7% da Alemanha e 0,5% da Petrobrás. Neste período, cerca de 207 mil pessoas foram beneficiadas com atividades produtivas sustentáveis, 101 terras indígenas da Amazônia apoiadas, 29.637 incêndios florestais ou queimadas combatidas pelos bombeiros militares, entre outras ações.

Em 2019, a gestão de Bolsonaro dissolveu colegiados de governança, levando Alemanha e Noruega a suspender os repasses para os projetos ambientais. Em novembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a reativação do fundo no prazo de 60 dias. Logo após tomar posse, o presidente Lula, por meio do decreto 11.368 alterou o decreto 6.527, de 1º de agosto de 2008, que dispunha sobre a governança do financiamento. “O Fundo Amazônia tem mais de R$ 3 bi paralisados, isso representa mais do que o orçamento do Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) juntos, então é muito recurso e que estava fazendo falta na atuação prática dos órgãos ambientais”, afirma Guetta.

Conama

Também no dia 1º de janeiro, Lula assinou um decreto com o objetivo de retomar o funcionamento do Conama. O Conselho é presidido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Entre as atribuições do órgão estão determinar, se necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis consequências ambientais de projetos públicos ou privados; determinar, mediante representação do Ibama, a perda ou restrição de benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente; entre outras competências.

Em 2019, um decreto de Bolsonaro alterou e reduziu a composição do Conama. De 96 titulares, o número foi reduzido para 23 integrantes, contando com o ministro do MMA da época, Ricardo Salles. Visto que, segundo a Constituição Federal, o meio ambiente é um patrimônio da sociedade brasileira, e que dessa forma, cabe à sociedade também a sua preservação, a diminuição da participação da sociedade civil em colegiados e órgãos de controle toma contornos que ferem o próprio espírito da constituição, que, segundo Carlos Bocuhy é “ecológica e democrática”.

“O que o governo anterior fez foi uma conta simples, ele somou o setor econômico mais o Governo Federal garantindo que esses setores juntos tivessem cinquenta e um por cento dos votos. Ou seja, ele alterou para que eles tivessem maioria simples, governo mais setor econômico; os estados ficaram abaixo do processo, perderam poder, a sociedade civil perdeu muito, comunidades indígenas, associações agrossustentáveis, a ciência foi retirada do processo. O que aconteceu com o Conama foi a falência do maior sistema que poderia dar à política ambiental do Brasil o devido sincronismo, mas eu gostaria de fazer uma ressalva. Lá atrás, o Conama não era satisfatório porque ele já tinha uma precariedade de peso entre a representação da sociedade e as representações de governo”, explica Bocuhy.

Segundo o presidente do Proam, a sociedade civil quando está no Conselho, principalmente o movimento ambiental, faz a defesa exclusiva dos direitos indisponíveis à sociedade, das conquistas sociais. “O que o governo Bolsonaro fez foi destruir o que era insatisfatório. Agora, o que nós esperamos é que essa apresentação esteja em conformidade com os princípios constitucionais da igualdade, da paridade. Nós temos que resolver representatividade, legitimidade, equilíbrio de forças do Conselho, regimento democrático, direito a pedido de vistas, direito amplo de participação social através de um regimento democrático”, afirma.

Garimpo Ilegal

Segundo levantamento realizado pelo MapBiomas, divulgado em abril de 2022, a área ocupada pelo garimpo em terras indígenas cresceu 495% entre 2010 e 2020.  Proibido por lei, o garimpo nessas regiões enfrentou, nos últimos anos, diversas tentativas de legalização, garantindo diferentes manobras pelo então governo. Um estudo do ISA, de outubro de 2022, revelou ainda que a exploração predatória da região é extremamente nociva para o progresso social.

O que o governo anterior fez foi privilegiar parcelas de determinados setores econômicos que atuam na ilegalidade, por exemplo, o garimpo ilegal em terras indígenas

“Nós tivemos nos últimos quatro anos, na realidade nos últimos dez anos, uma explosão do garimpo ilegal dentro de terras indígenas e outras áreas protegidas”, conta o consultor jurídico do ISA. “Foi um período muito grave nesse sentido, então agora estamos na expectativa pelos discursos que foram feitos tanto pelo presidente Lula quanto pela ministra Marina Silva. A sinalização com a indicação da ministra Sônia Guajajara para o Ministério dos Povos Indígenas, a indicação da deputada Joênia Wapichana para a presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), com uma série de indicativos do ponto de vista político de que esse problema vai ser enfrentado com seriedade agora pelo Governo Federal, inclusive essa sinalização normativa a partir da revogação do decreto do governo Bolsonaro que incentivava essa prática do garimpo”, explica. Maurício complementa: “O que o governo anterior fez foi privilegiar parcelas de determinados setores econômicos que atuam na ilegalidade, por exemplo, o garimpo ilegal em terras indígenas. Nós do ISA lançamos um estudo no final do ano passado demonstrando que as cidades que mais têm garimpo ilegal são aquelas que tiveram maior redução dos índices de desenvolvimento humano, o que comprova cabalmente que esse tipo de atividade pode trazer, vamos dizer assim, lucro pra determinadas pessoas específicas, mas para a região, para os municípios, para os estados, na realidade é um prejuízo, inclusive do ponto de vista da imagem do Brasil”, complementa.

Novos ares

O imprevisível, o improvável aconteceu no Brasil quando o Bolsonaro assumiu, mas ele pode também acontecer no sentido oposto: para o positivo

Quando perguntado sobre se ainda é possível reverter os estragos causados nos últimos anos, o presidente da Proam afirma: “Eu vejo isso como um patamar civilizatório desejável. Olha o último século, olha a Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, o nascimento das Nações Unidas para gerar paz, a falta de direitos sociais. Você começa uma conquista de direitos sociais nos anos 60, 70, e o Brasil mergulha no regime militar, depois tem a melhor Constituição Ambiental do mundo. E então você tem o que nós assistimos agora, a esse retrocesso civilizatório promovido pelas forças que perderam o poder econômico. Esse processo é um processo dinâmico de ação e reação. O que nós temos que fazer primeiro é retomar as conquistas sociais que foram perdidas, o patamar em que a gente estava, e aí avançar. Por que avançar? Porque senão avançarmos a gente não dá conta do objetivo, que está longe ainda. Você tem que caminhar muito mais, é um processo de transformação, cultural. Não me pergunte se a gente vai fazer isso porque eu não sei se faremos ou entraremos na terceira extinção, mas, de qualquer forma, nós temos que trilhar esse caminho, é nosso dever, é o que toda pessoa consciente faria. Há um ponto quando a consciência da sociedade está preparada e ela dá um salto, e aí você transforma um comportamento. Essa semeadura é importantíssima porque você vai semeando, semeando, e de repente você tem um avanço quando você menos espera. Eu acho que essa é mais ou menos a minha expectativa a partir de agora. O imprevisível, o improvável aconteceu no Brasil quando o Bolsonaro assumiu, mas ele pode também acontecer no sentido oposto: para o positivo”, conclui Bocuhy.