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Agricultores familiares não querem ser “agronegocinho”

Para Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura,governo compra falso discurso do agronegócio sobre práticas sustentáveis.
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 16/05/2012 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Presente na Cúpula dos Povos, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) critica o governo brasileiro pelo não reconhecimento das especificidades da agricultura familiar na elaboração de políticas públicas para este seguimento. Segundo Zaré Brum, representante da Contag, os camponeses organizados tiveram conquistas importantes a partir da Constituição de 1988, como o Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf), criado em 1996, a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em 2003, o reconhecimento do direito à aposentadoria rural no mesmo ano e em 2006, a promulgação da Lei da Agricultura Familiar. Entretanto, há um claro direcionamento das políticas públicas para o agronegócio. “Há um disputa muito grande hoje dentro da academia e do governo e que vem contaminando inclusive os próprios movimentos sociais de um discurso negando a especificidade da agricultura familiar em relação à agricultura industrial. Esse discurso está pautando a elaboração de políticas que acreditam que o desenvolvimento da agricultura familiar pode se dar através de um padrão tecnológico próximo ao do agronegócio e que a única diferença entre os dois modelos seria a escala de produção. Muitas políticas vêm se pautado para o que chamam de agronegocinho”, diz. 

 Zaré afirma que o discurso de sustentabilidade do agronegócio tem baseado as ações do governo, inclusive, os posicionamentos expressos pela presidente Dilma na Rio+20. “A visão de sustentabilidade desse governo está centrado nas novidades apresentadas pelo agronegócio, como o plantio direto na palha, os agrocombustíveis. Como estratégia de marketing, o agronegócio vem incorporando no seu discurso a sustentabilidade e justiça social. Mas esse discurso do agronegócio não se sustenta, há um processo progressivo de precarização dos direitos e da capacidade de apropriação dos agricultores e suas famílias, cada vez mais pressionados por essas grandes empresas e fazendeiros estimulados por esse conjunto de políticas”, critica.

Para a Contag, só é possível uma agricultura realmente sustentável a partir de uma nova relação com os recursos naturais, com uma produção baseada na agroecologia. Nesse sentido, Zaré cita alguns desafios dos agricultores como acesso à recursos financeiros, maior organização política de forma autônoma e também realizar a gestão dos próprios conhecimentos e o desenvolvimento de sistemas próprios de produção de energia. “Esse debate está crescendo dentro dos movimentos sociais, também com a evidência do esgotamento do modelo que o governo implementa. As mulheres e os jovens têm protagonizado esses debates, mas esses dois atores ainda têm dificuldades de expressar suas demandas e garantir que tenham centralidade na pauta dos movimentos sociais”, observa. 

O agricultor acrescenta que a relação entre governo e movimentos sociais que reivindicam outros modelos para o campo é uma constante tensão. Ele exemplifica com as dificuldades enfrentadas pela sociedade civil do semi-árido brasileiro que, após alguns anos de parceria em projeto de captação de água da chuva por cisternas desenvolvidas pelos próprios camponeses [Programa 1 milhão de cisternas], teve que realizar grandes mobilizações para que o governo não recuasse da parceria. Zaré conta que a tecnologia exitosa de convivência com o semi-árido estava ameaçada pelo projeto do governo de substituir as cisternas fabricadas pelos camponeses com cimento por cisternas de plásticos de fabricação industrial e ainda com a transferência de repasse dos recursos antes destinado à organização da sociedade civil aos governos municipais. “Essa tensão permanente não foi amenizada num governo de cunho popular como mostra os problemas enfrentados no programa 1 milhão de cisternas, cuja ideia força é a percepção de que a água para beber é um direito humano. Mesmo governos populares vão exigir dos movimentos sociais uma ação política permanente na implementação das políticas”, analisa. 

Zaré participou do debate Apoio à transição agroecológica: políticas públicas nacionais – uma das mesas do Seminário Internacional Tempo de Agir por Mudanças Radicais – agricultura familiar camponesa e agroecologia como alternativa à crise do sistema agroalimentar industrial. O Seminário faz parte da programação da Cúpula dos Povos na Rio+20.