“Só no âmbito do SUS a profissão de Agente Comunitário de Saúde faz sentido”. A frase é de Márcia Valéria Morosini, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), que aponta o ACS como um trabalhador do SUS por excelência. Segundo ela, outras experiências na utilização de agentes de saúde a cobertura da atenção básica são possíveis, mas o trabalho do ACS como existe hoje, só foi possível a artir da criação de um sistema que situava a saúde como direito de todos os cidadãos. Mônica Nunes, professora da Universidade Federal da Bahia, concorda que a ligação entre SUS e ACS é muito estreita. O ACS aparece como um produto dessa proposta de inclusão social de todos no acesso não só ao sistema de saúde, porque isso é insuficiente, mas à saúde de uma forma mais ampliada”, afirma. E completa: “O ACS está organicamente ligado ao SUS”.
Das visitadoras sanitárias aos ACS
A primeira vez que se ouviu falar em um trabalho semelhante ao do ACS, no Brasil, o SUS ainda não era nem projeto. Seu antepassado mais remoto foram as visitadoras sanitárias, ligadas ao Serviço special de Saúde Púbica (Sesp), criado em 1942. O papel das visitadoras era realizar visitas domiciliares, atividades de promoção à saúde, prevenção de doenças, monitoramento e acompanhamento de grupos de risco, além de vigilância sanitária. Essas atividades foram sendo ampliadas para outras regiões até que, em 1960, foi criada a Fundação Serviço Especial de Saúde Pública. Segundo Joana Silva e Ana Dalmaso, no livro ‘Agente Comunitário e Saúde: O Ser, o Saber, o Fazer’, a Fundação Sesp foi pioneira na criação de modelos para propostas de ampliação da cobertura de saúde, que se refletem, hoje, no Pacs e no PSF, como a oferta organizada de serviços, a abordagem integral da família, o trabalho com a comunidade, e, claro, a visita domiciliar.
Outro programa que ajudou a configurar o perfil dos ACS de hoje foi o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (Piass) Nordeste, que, de 1976 a 1979, privilegiou o recrutamento e auxiliares que morassem no local beneficiado. A idéia de engajamento da comunidade no programa, que marca o trabalho do ACS, também estava presente aqui.
A partir de 1979, o Piass se transformou em uma política nacional. Em sua fase de maior expressão, o projeto de Expansão de Serviços Básicos de Saúde e Saneamento em Área Rural – Vale do Ribeira (Devale) contribuiu para a construção do que viria a ser o ACS ao estabelecer que seus agentes, além de serem moradores das comunidades, também atuassem em postos de saúde e tivessem atribuições tanto na área de ações comunitárias quanto na de ações de atenção individual.
Em 1987, foram lançadas de uma vez por todas as bases para a transformação do trabalho dos agentes comunitários em política pública. Trata-se do Programa de Agentes de Saúde do Ceará que, de proposta de socorro às populações atingidas pela seca, se transformou em uma ampla ação de promoção à saúde, utilizando o trabalho dos ACS em larga escala. “O ACS, como está concebido hoje, no SUS, surgiu no Ceará”, afirma Márcia Valéria. E é aqui que entra o SUS. Porque, segundo ela, um ano depois, com a aprovação da nova Constituição e do Sistema Único de Saúde, o Brasil teria, pela primeira vez, uma política pública nacional que privilegiasse uma concepção ampliada de saúde. E deu certo: em 1991, o Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de Agentes de Saúde (Pnacs), com o objetivo de unir as várias ações que existiam espalhadas pelo país sob uma única orientação. Um ano depois, o Pnacs se transformou no Programa de Agentes de Saúde (Pacs). A melhora dos indicadores de saúde apresentados pelos municípios que adotaram o Pacs favoreceu a criação do Programa de Saúde da Família (PSF), em 1994. Hoje, o PSF é entendido como uma estratégia que altera o modelo assistencial de saúde centrado na doença, no médico e no hospital para responder à demanda por atenção integral — como manda o SUS. Juntos, Pacs e PSF compõem a Estratégia de Saúde da Família (ESF).
Mais Saúde: 240 mil ACS até 2011
Os resultados positivos de pesquisas sobre o impacto da atenção básica têm levado à ampliação do número de equipes. A ESF vai contar, até 2011, com 40 mil equipes – hoje são 28 mil , segundo as metas do Mais Saúde (PAC da Saúde), lançado em dezembro de 2007. Com essa ampliação, o número de ACS também crescerá, passando dos 221 mil atuais para 240 mil.
Os avanços conquistados pelos ACS ao longo desses 20 anos de SUS mostram, por um lado, a capacidade de organização dessa categoria e, por outro, a importância que eles adquiriram no sistema como um todo. Houve um tempo, por exemplo, em que bastava saber ler e escrever para estar apto a realizar o trabalho dos agentes. Hoje, existe, proposto pelos Ministérios da Saúde e da educação e formalizado pelo Conselho Nacional de Educação, um curso técnico de ACS. O que falta é financiamento para sua realização em boa parte dos estados. Outras conquistas importantes se deram na área de gestão do trabalho. Em 2002, eles conseguiram fazer a sua atividade virar profissão, com a promulgação da lei 10.507 . Em 2006, outra lei, a de nº 11.350 , criou o processo seletivo público especificamente para ACS e agentes de endemias, num esforço de desprecarização das relações de trabalho desses profissionais.
Maíra Mathias
*Texto publicado na Revista Poli - saúde, educação e trabalho nº 1 , de setembro/outubro de 2008
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