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Joaquim Venâncio

Um dos mais importantes técnicos de laboratório da história da Fundação Oswaldo Cruz: esse era Joaquim Venâncio Fernandes, personagem que dá nome à Escola Politécnica de Saúde da Fiocruz (EPSJV/Fiocruz). Nasceu no dia 23 de maio de 1895, na Fazenda de Bela Vista, na cidade de Rio Novo, Zona da Mata de Minas Gerais, numa propriedade que pertencia à família de Carlos Chagas, médico sanitarista que viria a ser um dos mais reconhecidos cientistas brasileiros. Segundo um sobrinho de Joaquim, Sebastião Patrocínio, toda sua família trabalhava na fazenda no cultivo das culturas de café, cana-de-açúcar, arroz, milho, feijão, gado de leite e fabrico de cachaça. O dono das terras ia pouco à propriedade, que ficava sob os cuidados de José Venâncio, irmão de Joaquim. O depoimento de Sebastião integra o projeto ‘Memórias de Manguinhos’, da série ‘Depoimentos Orais’ do Arquivo da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e está citado na tese de doutorado da pesquisadora da EPSJV, Renata Reis, intitulada ‘A “grande família” do Instituto Oswaldo Cruz: a contribuição dos trabalhadores auxiliares dos cientistas no início do século XX’.

Há pouca documentação sobre sua história. Não se sabe ao certo, por exemplo, quando e por qual motivo Joaquim decidiu se mudar para o Rio de Janeiro, mas segundo os registros da Fiocruz, ele começou a trabalhar no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), no qual se dedicou à pesquisa científica, em setembro de 1916, aos 21 anos de idade.

Joaquim morou em Manguinhos até sua morte, em 27 de agosto de 1955, vítima de complicações cardíacas. Ele foi casado com Sebastiana Batista de Carvalho Fernandes e teve cinco filhos – Celso, Joaquim, Renée, Wanderley e Hugo, dos quais três trabalharam no Instituto.

No laboratório

Segundo um artigo do pesquisador Wladimir Lobato Paraense (1914-2012), do IOC, Joaquim Venâncio ingressou no Instituto como servente e uma de suas tarefas era fazer a limpeza do laboratório de Adolpho Lutz (1855-1940). “Observador sagaz apesar de aparentemente desatento às banalidades ao seu redor, Lutz um dia disse a Bertha que procurasse ensinar algumas práticas de laboratório àquele jovem porque ele deveria tornar-se um técnico de qualidade”, diz o texto, referindo-se à bióloga Bertha Lutz, filha de Adolpho.

Durante os 35 anos em que trabalhou no Instituto, Joaquim aprendeu muito sobre zoologia. De acordo com um texto publicado na Revista Brasileira de Biologia, em 1955, mesmo não tendo oportunidade de instruir-se formalmente, pela convivência com o Adolpho Lutz e outros zoólogos e pela observação direta do que via nas excursões no laboratório, Joaquim adquiriu conhecimento detalhado sobre vários grupos zoológicos, principalmente anfíbios, moluscos fluviais e trematódeos. “Chegou a conhecer muito bem os anfíbios e, com grande facilidade, os distinguia, nas excursões, pela voz... Dadas as indicações feitas pelo Dr. Lutz em seus trabalhos, há casos em que foi citado na literatura como colaborador direto”, cita a revista.

Segundo Renata Reis, não há informações precisas sobre quando Joaquim Venâncio começou a trabalhar com Adolpho e Bertha Lutz (1894-1976). De acordo com as fontes consultadas pela pesquisadora, é possível afirmar que, desde 1919, eles já estavam juntos em atividades científicas de campo ou de laboratório. Em sua tese, Renata destaca que a experiência com anfíbios fez com que Joaquim desenvolvesse um método para diagnóstico de gravidez através da inoculação da urina da mulher em sapos da espécie bufo marinus. Além disso, ele sabia reconhecer as espécies pelo som do seu coachar.

Depoimentos na tese apontam ainda que Joaquim tinha um saber excepcional em Botânica. Durante certo período, ele também trabalhou com o cientista Heráclides de Souza-Araújo (1886-1962), que pesquisava a hanseníase e, em uma viagem à Índia, trouxe mudas de uma planta para cultivar no Instituto. “Era a Chaulmoogra, uma planta muito utilizada na terapêutica da hanseníase, através da extração dos seus óleos medicinais. Nessa época, parece que quem cuidava dessas mudas era Joaquim Venâncio”, diz Renata.

O pesquisador emérito da Fiocruz Luiz Fernando Ferreira (1936- 2018) relembrou, em um artigo da revista Trabalho, Educação e Saúde, periódico científico da EPSJV/Fiocruz, uma fala de Wladimir que destaca que o conhecimento de Joaquim era tão grandioso que até mesmo uma pesquisadora norte-americana queria levá-lo para trabalhar com ela nos Estados Unidos: “Durante os estudos feitos pela herpetóloga Doris Cochran, do Museu Nacional dos Estados Unidos, em 1935, e dos quais resultou importante monografia sobre as rãs do Sudeste do Brasil, Joaquim Venâncio acompanhou-a por Belo Horizonte, Lassance, Pirapora, Ouro Preto, São Paulo, Alto da Serra e Santos. Tão impressionada ficou aquela pesquisadora com sua competência, que tudo fez para levá-lo para sua instituição. Um dia, perguntei-lhe se não tinha tido vontade de trabalhar nos Estados Unidos. Respondeume que sabia que lá iria ganhar muito mais, porém que preferia ser um negro com dignidade no Brasil. Joaquim Venâncio era, sem dúvida, um naturalista. Era competente: tinha o domínio do ofício, a maestria da arte”.

Reconhecimento e admiração

Renata conta que, desde que veio para o Rio de Janeiro, Joaquim sempre morou dentro do que hoje é a Fiocruz, em uma casa localizada na Estrada de Manguinhos. “Pertencia aos ‘Próprios Nacionais’ do Instituto Oswaldo Cruz. Esta denominação refere-se aos imóveis de domínio da União utilizados pelo serviço público federal. Em sua residência, havia um pequeno aquário onde ele criava sapos da espécie bufo marinus e répteis de espécies variadas que eram utilizados nos estudos”, conta, em sua tese.

Segundo a pesquisadora, além de inteligência e astúcia, Joaquim tinha um temperamento alegre. “Gostava de cantar, tocar violão e acordeão. Gostava também de conversar e tinha o costume de colocar a mesa do café na varanda de sua casa. Passando um vizinho, prontamente convidava para um cafezinho e um dedinho de prosa, o que, às vezes, deixava D. Sebastiana um pouco aborrecida”, diz. Segundo os relatos, o fato de residir no Instituto fez com que Joaquim também atuasse como vigia informal da instituição, andando à noite pelos terrenos do campus com um rifle nas costas.

Em Manguinhos, Joaquim foi conhecido e admirado. Segundo o artigo de Wladimir Lobato, ele era considerado uma espécie de patriarca ou juiz de paz, que hoje se aproxima de um líder comunitário, “mas sua influência derivava apenas de sua força moral e de suas boas qualidades humanas, nunca de qualquer traço de demagogia. Era procurado para aconselhamento, para dirimir pendências e para proteger os fracos”, diz o texto.

Politécnico

Em 1985, foi criado o Politécnico da Saúde Joaquim Venâncio. Como uma unidade técnico-científica da Fiocruz voltada para a formação de técnicos na área da saúde, decidiu-se homenagear Joaquim, que havia se destacado em seu trabalho como assistente de Adolpho Lutz. A escolha do nome de Joaquim também buscou dar visibilidade aos trabalhadores técnicos que, historicamente, têm acesso desigual aos processos de escolarização e qualificação profissional. Para Renata, a escolha do seu nome como patrono se deve ao fato de Joaquim ser considerado também um professor. “Era um guru. Assim seus colegas o chamavam. Sua postura era de quem sabia do seu valor e de sua importância. Altivo! Possuía um saber incrível, apesar de não ter tido acesso à educação formal. E ele ensinava as pessoas”, resume.

 

Em 2009, alunos do ensino médio da EPSJV produziram o vídeo 'Em busca de Joaquim Venâncio'. Contando com imagens de arquivo e depoimentos, o filme narra a busca por informações sobre o trabalhador técnico que dá nome à escola, uma referência importante entre os trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz. Assista aqui!

Publicado em 22 de maio de 2020.