A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) promoveu, nos dias 29, 30 e 31 de julho, a Oficina de consolidação dos grupos de trabalho - Currículo, Material Didático e Operacionalização - para implementação descentralizada do Curso de Especialização em Preceptoria para Educação Profissional em Saúde com foco na Atenção Primária em Saúde (APS) e na Vigilância em Saúde (VS).
A oficina é parte do Projeto Fortalecimento da Educação Profissional Técnica em Saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), com ênfase na integração dos processos de trabalho da Atenção Básica e da Vigilância, coordenado pela Escola Politécnica e executado em parceria com as redes de Escolas Técnicas e Escolas de Saúde Pública do SUS. A meta do Projeto é especializar nove mil trabalhadores do SUS que desenvolvem atividades de preceptoria no Programa Mais Saúde com Agente, realizado pelo Ministério da Saúde (MS), por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), em parceria com o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Durante os três dias, professores-pesquisadores da Escola Politécnica, e representantes da coordenação do projeto, da SGTES e das Escolas Técnicas e de Saúde Pública do SUS, elaboraram a proposta preliminar do currículo em escala nacional, detalharam o processo de operacionalização das turmas descentralizadas do curso e definiram agendas de atividades com os grupos de trabalho.
No primeiro dia do evento (29/07), a professora-pesquisadora da EPSJV, Gracia Gondim, que é uma das coordenadoras do curso, falou sobre a formação, que visa oferecer conhecimentos teóricos e práticos que possibilitem uma melhor compreensão do SUS e do papel das Redes de Atenção para o cuidado em saúde. Entre os objetivos estão: destacar a singularidade do trabalho territorializado dos Agentes Comunitário de Saúde (ACS) e dos Agentes de Combate a Endemias (ACE) no âmbito da APS e VS; estabelecer mecanismos para o desenvolvimento de práticas educativas de base territorial; além de propiciar o uso de metodologias ativas e científicas no processo de ensino-aprendizagem. “A ideia central do currículo é que os conteúdos possam ser ministrados de forma articulada e transversal, tendo a territorialização como processo síntese da teoria-prática”, destacou Gracia.
Diálogos (Im)pertinentes
Durante a primeira mesa de diálogos - Integração das ações de VS e APS nos territórios do SUS: atores, lugares e falas: desafios e possibilidades - , a professora-pesquisadora da EPSJV, Angélica Fonseca, destacou que a categoria dos ACS é atenta, mobilizada e disposta a tornar presentes as suas reinvindicações. “Isso tem que estar em mente quando pensamos na qualificação desses sujeitos, porque isso traz um horizonte mais favorável a esse lugar de crítica que temos que construir no processo educativo”, comentou.
A partir desse entendimento, Angélica ressaltou que os processos de formação devem contrapor as tendências de esvaziamento da complexidade do trabalho, contribuindo para tornar os agentes sujeitos críticos e ativos na construção da configuração de seu trabalho. “São trabalhadores que sabem formular demandas e entrar na luta. Não podemos permitir que a etapa de formação que ocorre em serviço implique deixar em segundo plano o componente da formação. ’Aprender fazendo’, o tempo todo, é apenas reproduzir. Claro que temos que pensar em termos de categoria, da classe trabalhadora, mas a formação humana se dá sob o peso da história e, mais que isso, é também encontro entre pessoas”, concluiu.
Em seguida, o ACS Wagner Souza, que é também líder sindical, falou sobre a importância de uma formação técnica nos moldes que a Escola Politécnica oferece com o Curso Técnico em Agente Comunitário em Saúde (Ctacs). “Estamos virando burocratas da área da saúde. Não somos marcadores de consulta. Precisamos fazer com que esses profissionais tenham uma formação continuada, uma formação técnica como a da EPSJV, que seja crítica, para que esses trabalhadores consigam identificar riscos ambientais e sociais nas visitas domiciliares, que evitem o adoecimento ou o agravamento de doenças das famílias. Essa é a nossa função, precisamos resgatar isso”, disse.
Fazendo o recorte dos agentes de combate a endemias (ACE), o professor-pesquisador da Poli, Mauricio Monken, também reafirmou a importância da formação e apontou diversos problemas que afetam o processo de trabalho dessa categoria, como, por exemplo, a baixa escolaridade e o pouco compromisso da gestão com a qualificação profissional, além de uma grande dificuldade em articular o processo de trabalho com os demais técnicos de nível médio, em destaque o ACS, e disparidades salariais para o desempenho de atividades idênticas até na mesma instituição, a depender do vínculo empregatício.
Segundo Maurício, o processo de descentralização não deu conta de integrar esses profissionais aos processos de trabalho do SUS. “A lógica que define seu território de atuação é bastante diferente daquela que define os recortes territoriais da Atenção Básica, dificultando sua inserção na Estratégia Saúde da Família (ESF)”, afirmou.
“Quando falamos de ACE e ACS, o que nos une é o território. O ACE trabalha muito as políticas ambientais do território, enquanto o ACS vê o lado clínico e social. Essas duas categorias, praticamente, não conversam entre si. Mas não é por falta de afinidade, é porque há um embate em relação a carga horária, ao papel de cada um no território. Mas ambos mudam a visão da comunidade que o médico é o responsável principal pela saúde”, afirmou o ACE Wellington Nascimento, que também participou da mesa.
Na tarde do primeiro dia aconteceu ainda uma segunda mesa de diálogos - Fortalecimento da Educação Profissional Técnica em Saúde no SUS e o papel da preceptoria: atores, lugares e falas – desafios e possibilidades - , que reuniu o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Raphael Reis; a professora-pesquisadora da EPSJV, Mariana Nogueira; e a enfermeira Hannah Carvalho, que foi preceptora da primeira edição do Programa Saúde com Agente.
Raphael apresentou o projeto de interiorização e valorização do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade do Estado do Rio de Janeiro, que é uma parceria da Uerj com a Secretaria Estadual de Saúde (SES), para a qualificação da Atenção Primária nos municípios do interior do estado. “Para desenvolver um programa de residência, que tem grande parte da sua carga horária no atendimento assistencial, não concordamos em formações que se tenha preceptoria uma ou duas vezes por semana. A preceptoria tem que ser integral nesses processos formativos”, explicou, acrescentando alguns resultados do projeto: “Conseguimos uma melhor fixação de médicos no interior do estado do Rio e qualificar a APS nos municípios. Também vimos melhorias no cuidado e uma boa aprovação da população”.
Mariana destacou o papel da preceptoria na formação de técnicos em saúde, que, segundo ela, são, em maioria, mulheres, pretas ou pardas, com múltiplas jornadas de trabalho e que residem em territórios periféricos e recebem até dois salários-mínimos. “Ter um médico sendo um preceptor de um médico é diferente de ter uma enfermeira sendo preceptora de uma ACS. E não é só uma questão de formação profissional diferente, é porque existem relações hierárquicas desiguais que constituem o trabalho”, comentou.
“Historicamente, na área da Saúde a discussão sobre preceptoria é voltada para a formação de trabalhadores de nível superior, principalmente, médicos”, completa Mariana. “Com esse nosso curso de preceptoria, teremos a oportunidade de apresentar a esses preceptores o quanto o trabalho dessas técnicas é constituído por contradições e opressões que precisam ser reconhecidas. Isso é dizer que o lugar de preceptoria é também lugar de aprendizado a partir do saber e da luta dessas técnicas em saúde”, destacou.
Para concluir, Hanna apresentou alguns desafios que vivenciou como preceptora dos agentes de saúde na última edição do Saúde com Agente. “Tivemos dificuldades com a comunicação com os tutores, com o uso da plataforma, que não era intuitiva, e também faltou tempo para aproximação com o material. Além disso, os fóruns mostravam a insatisfação dos docentes com o processo de divisão de turmas”, apontou, elencando algumas possibilidades para uma formação efetiva e para mudanças reais nos processos de trabalho desses profissionais: “É preciso ter uma articulação com outros trabalhadores da Atenção Primária, uma melhor alocação de agentes comunitários por área, bem como liberação de preceptores para encontros presenciais”.
O segundo e terceiro dias foram marcados pelo trabalho nos GT, apresentação dos resultados e encaminhamentos. “A oficina coroa um convite que a Escola Politécnica aceitou a partir de uma demanda da SGTES, do Ministério da Saúde. O que tivemos como resultado hoje é de que essa rede cresceu e, com isso, a possibilidade de materializarmos esse curso, entendendo que esses profissionais, que hoje são preceptores de um programa, poderão ser futuros docentes nos níveis locais, fortalecendo a Educação Profissional, o SUS e nossas escolas”, concluiu Gracia.
Mais Saúde com Agente
O Mais Saúde com Agente é uma atualização do Programa Saúde com Agente. Nessa nova versão, a estratégia é ofertar novas turmas dos cursos técnicos de Agente Comunitário de Saúde e Vigilância em Saúde com Ênfase no Combate às Endemias, com a previsão de 180 mil vagas para todo o país.
Saiba mais em https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/sgtes/mais-saude-com-agente