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A escala 6x1 e suas brechas para modelos escravocratas de trabalho

Abertura do ano letivo da Escola Politécnica discute implicações de modelo laboral à saúde, ao conferir apenas uma folga semanal ao trabalhador
Erika Farias - EPSJV/Fiocruz - EPSJV/Fiocruz | 19/03/2025 14h41 - Atualizado em 19/03/2025 14h51

O Sistema Único de Saúde (SUS) se baseia na ideia da Saúde como um direito.  Isso significa que todo cidadão deve ter condições equânimes de acessá-la. Mas não é simples. Para que isso ocorra, é preciso pensar naquilo que estrutura uma vida digna: lazer, descanso, entre tantos outros aspectos fundamentais. E foi justamente este debate que a abertura do ano letivo da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) trouxe, no dia 17 de março de 2025, com a palestra “A escala 6x1 e as lutas pela redução da jornada de trabalho”, ministrada pelo vereador do Rio de Janeiro, Rick Azevedo, e mediada pela professora-pesquisadora da Escola, Valéria Carvalho, e pelo representante do Grêmio Estudantil da EPSJV, André de Paiva.

Durante a mesa de abertura, composta pela vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Vieira Machado; pela diretora da EPSJV/Fiocruz, Anamaria Corbo; e pelo aluno André de Paiva, o estudante questionou a quem serve essa dinâmica laboral, na qual se trabalha seis dias, contando apenas com uma folga semanal. “Ela reflete dinâmicas de exploração, desigualdades e resistência dentro da sociedade”, destacou Paiva.

Já a diretora da Escola Politécnica relembrou que o direito ao trabalho é uma dimensão do debate sobre direito à Saúde. Anamaria também comentou o crescimento no número de afastamentos laborais. “Foi um aumento de quase 70% entre 2023 e 2024, especialmente por ansiedade e depressão. E por que o trabalho adoece? Porque a única coisa que a gente tem para garantir nossa existência é a nossa energia, a nossa força. E se eu não tenho condições de chegar em casa e repor essa energia, de me alimentar bem, de descansar sem tantas preocupações, eu vou gastar a energia do tempo futuro, e vou adoecer”, afirmou.
Ainda na abertura do evento, Cristiani Machado falou sobre o SUS: “Esse Sistema nunca vai ser forte e realmente garantir um acesso igualitário a todas as pessoas, se os trabalhadores não forem valorizados, não tiverem condições estáveis de vínculo trabalhista. Então, essa discussão da jornada, da sobrecarga de trabalho que as pessoas vivem em seu cotidiano é fundamental”, reforçou.

Vida além do trabalho

Convidado a palestrar na abertura do ano letivo da Escola, o vereador Rick Azevedo é também criador do Movimento Vida além do Trabalho (VAT). Rick, que ficou conhecido inicialmente por seus vídeos indignados com os modelos de trabalho atuais, publicados na plataforma de mídia social TikTok, afirmou durante sua apresentação que a escala 6x1 abre brechas para modelos escravocratas de trabalho. “Recebemos denúncias do Brasil inteiro de pessoas apontando que nem essa escala é respeitada. É um crime contra a classe trabalhadora. O modelo 6x1 abre brecha para isso: para escalas desumanas e escravocratas. Porque não tem como um trabalhador falar de vida com esses modelos de trabalho”, criticou.

A escala 6x1 é uma jornada de trabalho de até 8h diárias e até 44h semanais, legitimada pela Constituição Brasileira. Um formato que permite que pessoas trabalhem seis dias, com apenas uma folga semanal. O movimento ganhou grande repercussão após a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/25, pelo fim desta escala, ter sido protocolada pela deputada federal, Erika Hilton. Para que uma PEC possa ser protocolada, é necessário um número mínimo de assinaturas de deputados federais ou senadores. À época, a discussão tomou o país, quando diversos políticos se negaram a assinar, mas, em fevereiro de 2025, a PEC atingiu o número de assinaturas suficiente e foi protocolada.

“A classe trabalhadora sustenta esse país, sustenta as regalias da classe política. A gente está falando de uma escala mais justa, mais dias de folga para que a classe trabalhadora possa ser família. Como tem gente que diz que defende a família e, ao mesmo tempo, é contra o fim da escala 6x1? Esse é um debate que fala de família, fala das pessoas poderem estudar, fazer academia, poderem viver. E é impossível com apenas um dia de folga”, afirmou Rick.

Em interface com o ensino que a EPSJV/Fiocruz oferece, a professora-pesquisadora da Escola, Valéria Carvalho, falou sobre as discussões que têm sido realizadas com os alunos nas turmas de Sociologia, pensando nas consequências dessa jornada para a classe trabalhadora, especialmente em relação a aspectos associados ao conceito ampliado de Saúde: não apenas como o contrário de doença, mas como um estado de bem-estar físico, mental e social. 

Por fim, o vereador do Rio de Janeiro também abordou os artifícios que a classe empresarial se utiliza para defender a manutenção das escalas de trabalho como estão, muitas vezes, levando o trabalhador a não compreender como o próprio sistema prejudica sua saúde, ao ausentá-lo do tempo com sua família e ao retirar seu tempo de descanso. “O principal obstáculo nesse debate é o empresariado. O segundo, é organizar a classe trabalhadora, já que como muitas pessoas estão inseridas na escala 6x1, elas não têm tempo para se mobilizar. E a gente precisa da pressão popular”, concluiu o vereador.

Assista aqui à transmissão.

Julia Guimarães (CCDE/EPSJV)