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Violência armada e direito à educação são tema de audiência pública com participação da EPSJV

A Escola Politécnica defendeu ações intersetoriais e reparadoras para assegurar o funcionamento das escolas em territórios vulnerabilizados e atender às demandas de saúde de suas comunidades escolares
Giulia Escuri - EPSJV/Fiocruz | 06/06/2025 11h41 - Atualizado em 06/06/2025 12h01

Comunicação/MPF

Os professores-pesquisadores da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Ingrid D’avilla e Marcus Vinicius Pedroza, participaram, no dia 30 de maio, de uma audiência pública em defesa da educação, na sede do Ministério Público Federal (MPF). O evento foi promovido pelo Fórum Estadual de Educação do Rio de Janeiro (FEERJ), Redes da Maré, Núcleo de Educação e Cidadania (NUEC/UFF) e pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Educação (Gruppe/UFF).

Além de discutir as violações do direito à educação em territórios afetados pela violência armada, a audiência teve como objetivo refletir sobre mecanismos para assegurar o cumprimento dos 200 dias letivos previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em escolas impactadas por esse contexto.

Apesar de reconhecer a gravidade do não cumprimento do calendário escolar, Ingrid destacou que “a participação da EPSJV na audiência se deu no sentido de mostrar que é importante pensar nos impactos da violência armada nas escolas, que envolvem, além da violação do direito à educação, o direito à saúde, à vida digna e ao trabalho, seja para os estudantes, pais e/ou responsáveis, ou para os professores”. Marcus Vinicius complementou: “a responsabilidade de garantir os 200 dias letivos é do Estado, e não das escolas individualmente. O escopo de ação das escolas, por mais bem preparado que seja, não consegue controlar a violência armada, as incursões nas favelas, as ações do narcotráfico nem da polícia".

Educação sob cerco

A audiência foi realizada no contexto de divulgação do relatório “Educação Sob Cerco: as escolas do Grande Rio impactadas pela violência armada”, produzido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Instituto Fogo Cruzado (IFC), Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF) e pelo Centro para o Estudo da Riqueza e da Estratificação Social (CERES/IESP). O documento denuncia os impactos provocados por grupos armados — facções e milícias — sobre escolas públicas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Durante a audiência, com base na trajetória histórica da Fiocruz na promoção da saúde e dos direitos humanos, Ingrid apresentou quatro propostas complementares às já contidas no relatório, com foco na reparação e no cuidado das comunidades escolares afetadas. “A primeira delas é o fortalecimento de políticas intersetoriais que articulem educação, saúde, desenvolvimento social, direitos humanos e segurança pública, com ênfase na produção do cuidado em saúde e saúde mental nas escolas”, afirmou. Nesse sentido, sugeriu a realização de novas audiências públicas sob essa perspectiva.

“Um segundo ponto seria a prioridade na pactuação de escolas estaduais no Programa Saúde na Escola (PSE), com a indicação de equipes de Saúde da Família e equipes multiprofissionais, visando à integralidade das ações de promoção da saúde”, acrescentou Ingrid. A professora-pesquisadora também defendeu a ampliação da rede de serviços de saúde mental, com destaque para a expansão dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) infantojuvenis, especialmente em territórios mais vulnerabilizados. Por fim, ela sugere a criação de programas de acolhimento voltados para gestores e docentes que atuam em contextos marcados pela violência armada. “Essas propostas visam ampliar as possibilidades de reparação e fortalecer as redes de proteção social”, concluiu.

O relatório contabilizou mais de 4.400 episódios de violência armada extrema — tiroteios, com ou sem a presença de operações policiais — nas imediações de escolas apenas no ano de 2022. De acordo com os dados, no período de um ano, escolas da Zona Norte do município do Rio de Janeiro foram afetadas 1.714 vezes; da Baixada Fluminense, 1.110; e da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, 86 vezes.

Comunicação/MPF

“Como se já não bastasse negar o acesso à água, ao esgoto e à moradia digna a uma parcela enorme da população, nega-se também o acesso à educação”, refletiu Marcus Vinicius diante dos dados. Ingrid acrescentou: “Esse é um exemplo que mostra o quanto ainda estamos distantes de pensar uma política de segurança pública pautada na igualdade ou na equidade”. A diferença entre o número de escolas afetadas na Zona Norte e na Zona Sul evidencia, segundo Ingrid, “quem são as pessoas que têm o direito de viver, de circular, de estudar, de morar em um lugar com condições dignas e seguras”.

Impactos da violência

A EPSJV não está alheia a essa realidade. O território de Manguinhos, no qual a Fiocruz está inserida, assim como a Rocinha, na Zona Sul do Rio de Janeiro, foi o terceiro mais afetado ao longo do ano de 2022, registrando 42 tiroteios decorrentes de ações policiais, com sete escolas atingidas. A Maré foi o território mais impactado, com 276 tiroteios e 45 escolas afetadas.

Nesse cenário de violência constante, a saúde mental de estudantes e trabalhadores é profundamente afetada. “Os processos de adoecimento são socialmente determinados e, nessa lógica, a violência e o medo impactam diretamente as condições de saúde e de vida das populações. A violência marca o cotidiano e a vida dessas pessoas desde o momento em que acordam e se deslocam até a escola, durante o tempo em que permanecem na escola e também no retorno para casa”, destaca Ingrid.

“Um dos princípios da Escola Politécnica é que a saúde vai além da simples ausência de doença”, relembra Marcus Vinicius. Nesse sentido, ele defende que “é necessário reparar os danos causados por essa violência, o que vai muito além da simples reposição de cada minuto de aula perdido”. Ingrid complementa: “As medidas de reparação envolvem garantir que essas escolas possam continuar funcionando e tenham suas atividades asseguradas — ou seja, que não convivam permanentemente com a violência — mas também identificar e atender às necessidades de saúde e de cuidado das populações que estão continuamente expostas a essas situações”.