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Caminhos para formação docente

Pesquisadores reivindicam valorização da licenciatura na formação de professores da Educação Básica
Juliana Passos - EPSJV/Fiocruz | 16/06/2025 13h24 - Atualizado em 17/06/2025 13h36
Foto: Educa/SP

Eles são responsáveis por formar, da creche ao ensino médio, boa parte da população brasileira. Os professores da educação básica somam um total de 2,3 milhões, em que 80% integram a rede pública, sendo as redes municipais, que legalmente têm a atribuição de oferecer o ensino infantil e o fundamental, as responsáveis por concentrar pouco mais da metade do total desses docentes. Nas redes estaduais, dedicadas majoritariamente ao ensino médio, esse número soma 659 mil. Nas escolas privadas existem 578 mil professores, enquanto o menor contingente está na rede federal, com 38 mil profissionais. Os dados são do painel do Censo Escolar elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Apesar da grande responsabilidade, a carreira na educação básica tem atraído cada vez menos interessados. No período de uma década, entre 2014 e 2024, o número total de professores cresceu apenas 7,5%. Na rede pública essa variação foi ainda menor: 6%. Esses dados refletem outras questões, como um alto índice de desistência nos cursos de licenciatura. Segundo o Censo da Educação Superior de 2023, essa taxa alcança uma média de 60% em todos os cursos. Na liderança estão as formações em física (73%) e matemática (70%). Outra implicação é uma realidade em que, em média, 30% dos professores do ensino médio são responsáveis por disciplinas para as quais não foram formados: para se ter uma ideia, 63% dos docentes que lecionam sociologia não são cientistas sociais, o que também acontece com 53% dos de língua estrangeira e 44% dos de física.

Em dados do Censo Escolar de 2024, 85% dos professores da educação básica têm licenciatura – uma formação complementar à graduação que prepara para o exercício da docência nas áreas que compõem as disciplinas da educação básica, como matemática, geografia e química. Dez anos antes, esse número era de apenas 71%. Os artigos 61 e 62 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) determinam que a formação para atuar na educação básica inclui curso superior e licenciatura plena ou formação complementar. No caso da educação infantil e dos primeiros cinco anos do ensino fundamental, a orientação é que se tenha graduação em pedagogia, embora haja a ressalva de que é possível ter apenas a formação de nível médio “na modalidade normal” – 150 mil professores brasileiros estão nesta situação. A LDB exige que os entes federados promovam processos de formação continuada, o que pode incluir desde cursos de atualização, extensão e especialização até mestrados e doutorados. De acordo com dados do Inep, em seu painel de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) vigente até 2025 (Lei nº 13.005/2014), apenas 41% realizaram algum curso de formação continuada em 2023 do total das redes.

Que formação é essa?
Ter diploma de ensino superior também não é garantia de ter tido acesso a um ensino de qualidade. Um dado preocupante no cenário brasileiro, por exemplo, é a quantidade de estudantes de graduação em licenciatura – que, portanto, serão os futuros professores das redes de ensino – formados em educação a distância (EaD). De acordo com informações do Censo Escolar 2024, cerca de um milhão de estudantes se matricularam em um curso de licenciatura em 2023 na modalidade de Ensino a Distância, sendo 90% deste total na rede privada. Essa quantidade é praticamente o dobro da modalidade presencial (557 mil), que predomina no ensino público, responsável pela oferta de 80% do total das vagas presenciais. Para a professora da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) Andreia Militão, essa é uma situação grave especialmente para os estudantes de graduação, já que essa formação é a base para  que o professor possa enfrentar a realidade de gerenciar uma sala de aula com diversas demandas sociais, culturais e econômicas durante 200 dias de um ano letivo. “A formação de professores tem uma necessidade da presencialidade porque ela não é conteudista. Como poderíamos formar professores e professoras se a gente não tem esse contato com outro ser? Nós trabalhamos com pessoas e essas relações são muito complexas”, diz.

A predominância da EaD, inclusive na formação dos professores da educação básica, acendeu o alerta no Ministério da Educação (MEC), que publicou um decreto de regulamentação desta modalidade (12.456/2025) no dia em que esta edição da Poli estava sendo fechada. Com a nova regra, os cursos de licenciatura não podem ser ofertados inteiramente à distância, apenas nas modalidades presencial ou semipresencial, criada com a nova regra. No primeiro caso, a oferta mínima de atividades presenciais é de 70%, enquanto no segundo é de 30% e outros 20% devem ser de atividades presenciais ou síncronas mediadas. Nesta situação, docentes e um grupo de até 70 estudantes utilizam uma plataforma online ao mesmo tempo, mas podem estar em locais diferentes. O decreto já era aguardado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que agora será responsável por revisar as diretrizes curriculares dos cursos que tenham previsão de modalidade EaD.

Valorização das licenciaturas
Ricardo Stuckert/PREm meio ao déficit de formação de professores e à precarização da carreira, o Ministério da Educação lançou em janeiro o programa Mais Professores, que funciona como um guarda-chuva, com três eixos de atuação. O primeiro é a criação da Prova Nacional Docente (PND), que será realizada anualmente, e tem como objetivo fomentar a realização de concursos para professores por parte da União, estados e municípios, aumentando os ingressos na rede pública. A responsabilidade de aplicação da prova é do Inep e os entes federados podem escolher, mediante publicação de edital, se vão utilizar os resultados do exame para concursos públicos ou outras formas de seleção, inclusive as simplificadas. É ainda de responsabilidade do Inep produzir um relatório de desempenho individual dos candidatos. O investimento do Ministério para a aplicação desta prova é de R$ 212 milhões.

Já para incentivar o ingresso de estudantes em cursos que possuem licenciatura – aqueles das disciplinas que compõem a educação básica, como história, matemática, física, biologia e letras –, foi lançado o Pé de Meia Licenciatura. A iniciativa prevê a concessão de uma bolsa durante todo o período da graduação para aqueles que obtiverem uma nota mínima de 650 pontos no Enem – em que o máximo é 1000. O valor mensal é de R$ 1.050, sendo que parte desse valor, R$ 350, será automaticamente depositado em uma poupança. Podem participar do programa os estudantes aprovados em cursos presenciais pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), sistema de ingresso em instituições públicas, do Programa Universidade para Todos (Prouni) ou do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), estes dois últimos voltados para estudantes de instituições de ensino superior privadas. Em resposta enviada por meio da assessoria de imprensa, o MEC informa que o programa receberá um investimento de R$ 819,8 milhões até 2027.

Diante do diagnóstico exibido pelo Censo Escolar, de que cerca de 30% dos professores lecionam em disciplinas para as quais não são formados, e que essa situação é especialmente grave nas regiões norte e nordeste, o MEC anunciou o incentivo de até R$ 2.100 por até dois anos para aqueles profissionais com experiência nas disciplinas em que os estados e municípios identificaram ausências dessa oferta. Nesse caso, a partir da chamada do Ministério, as redes que aderirem ao programa devem formular edital próprio de seleção em que prevejam critérios de ingresso. Uma vez selecionado, o professor participará, durante dois anos, de forma obrigatória de uma especialização em docência na educação básica que poderá ser escolhida pela rede de ensino, desde que seja validada pelo MEC. O montante de recursos previstos está em R$ 900 milhões até 2027.
Esses programas recém-lançados estão focados em aumentar o número de docentes nas redes. Mas o Ministério da Educação informa que também possui mais de 20 iniciativas voltadas para a capacitação de professores que já atuam nessas redes. Para Militão, incentivar a formação docente é fundamental para garantir a valorização dos conhecimentos pedagógicos, muitas vezes deixados de lado, desde os cursos de licenciatura até a educação continuada. “Precisamos equalizar um pouco essa questão porque muitas vezes o professor e a professora dominam os conteúdos disciplinares [do curso de graduação no qual ingressaram], mas os conteúdos pedagógicos são secundarizados nos cursos de licenciatura”, avalia Militão.

Entre as iniciativas mais antigas que cumprem este papel estão o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) e o Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor). O Pibid foi criado em 2007 e prevê bolsas para faculdades de educação criarem projetos que incentivem alunos de licenciatura a lecionarem em escolas públicas e realizarem atividades de pesquisa e extensão relacionadas à docência. Para participar, as instituições interessadas devem apresentar um projeto mediante chamada de edital. Há previsão de bolsas não apenas para os alunos, mas também para o professor supervisor direto e para os coordenadores do projeto. Entre os objetivos do programa, estão o fortalecimento dos cursos de licenciatura, inserção dos estudantes no cotidiano das escolas públicas e incentivo à pesquisa e à extensão na área. Já o Parfor, criado em 2009, fomenta a oferta de cursos de licenciatura por parte de Instituições de Ensino Superior em que todas as vagas se destinam a professores que estejam atuando na educação básica da rede pública. Trata-se, portanto, de uma iniciativa que visa capacitar os professores da ativa que ainda não possuem curso superior ou que lecionam em áreas nas quais não possuem especialidade e que decidam, portanto, fazer uma segunda licenciatura na disciplina para a qual estão dando aula. Nesse programa, os recursos são destinados tanto para a manutenção dos cursos quanto para a oferta de bolsa para os professores da educação básica frequentarem a formação.

Normativas de formação docente
As orientações gerais sobre como as formações de professores devem acontecer no Brasil são elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação e têm sofrido mudanças ao longo dos últimos anos. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica mais recentes foram aprovadas em 2015 e alteradas em 2019 e em 2024. Mas, embora com graus diferentes, tanto a versão atual quanto, principalmente, a de 2019, têm sido alvo de críticas de entidades e movimentos sociais da educação, que reivindicam a retomada dos princípios estabelecidos lá em 2015.
Um dos pontos muito valorizados das diretrizes de 2015 é a afirmação do “trabalho como princípio educativo”, numa concepção em que o processo de ensino e aprendizagem se dá não apenas a partir do conteúdo disciplinar, mas também na interação com a comunidade escolar, na pesquisa e em outras atividades sociais voltadas para a construção de sujeitos mais autônomos.

Acontece que, atendendo à determinação da LDB e da meta 7 do Plano Nacional de Educação (PNE) em vigor (lei nº 13.005/2014), logo após a aprovação das DCNs para a formação docente, iniciou-se um processo de formulação de uma base curricular comum para cada segmento da educação básica. A questão é que a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) construída prevê de forma mais detalhada o conteúdo a ser ensinado e, expressando concepções pedagógicas que várias entidades e movimentos sociais consideram contrárias às que orientavam as DCNs de 2015, valoriza “habilidades e competências” dos alunos, num currículo voltado para preparar os estudantes para variadas situações do mercado de trabalho. E foi com base nessa BNCC, tanto a do ensino fundamental quanto a do ensino médio, que foi aprovada a BNC-Formação, como ficaram conhecidas as diretrizes curriculares para formação dos professores publicadas em 2019.

Aprovadas em junho de 2024, as diretrizes curriculares nacionais para a formação docente atualmente em vigor (Resolução nº 4/2024) revogam a BNC-Formação e citam a BNCC da educação básica apenas duas vezes de forma indireta – inclusive recomendando, em uma delas, que o docente trabalhe com a Base de forma crítica. O presidente do CNE explica que a BNCC, tanto do ensino fundamental quanto do ensino médio, continua em vigência e deve ser respeitada, apesar da quase ausência de menção a ela nas diretrizes de formação docente atuais. “Não é uma nova posição, porque quando falamos a respeito da Base Nacional Comum Curricular, nós sempre colocamos com toda clareza que competências e habilidades são uma expressão dos direitos e objetivos de aprendizagem dos estudantes. A BNCC foi constituída dessa forma, uma enunciação de direitos e objetivos de aprendizagem traduzidos em competências e habilidades. Então, não há uma modificação conceitual, há apenas um cuidado de não tratar esses dois conceitos de maneira isolada ou como uma indicação de que sejam currículos relacionados apenas a uma parte instrumental para atender necessidades de mercado de trabalho”, afirma.

Em dezembro de 2023, o Fórum Nacional de Educação (FNE) publicou uma nota em que critica as diretrizes de 2024 pela manutenção da concepção tecnicista e pragmática prevista na Resolução de 2019, denunciando que  o professor se torna um mero aplicador de conceitos que não propõe ou elabora, ficando refém de manuais. Já a Resolução de 2015 é entendida pelas entidades como mais avançada por ser resultado de um amplo debate e consenso entre as entidades e os profissionais da educação superior. “A gente precisa retomar com urgência a Resolução de 2015 porque ali estão os princípios que orientarão realmente uma formação sólida, baseada na articulação entre teoria e prática, humanista, que não está posta nas demais resoluções [de 2019 e 2022]”, defende a professora da UEMS. Outro ponto de destaque da resolução mais antiga que os pesquisadores defendem que seja a base da normatização atual é a presença de itens sobre a valorização dos profissionais de educação como um conceito abrangente, que vá além do salário e envolva formação inicial e continuada, carreira, condições de trabalho e saúde.

Reconhecimento dos saberes pedagógicos
Como agentes fundamentais do processo educativo, pensar a formação docente significa ir além dos conteúdos próprios das disciplinas ensinadas no período de bacharelado, o que requer que se coloque ênfase também nos conhecimentos metodológicos e didáticos do processo de ensino-aprendizagem, defendem os dois professores ouvidos para esta reportagem. Isso significa, para Militão, “formar o professor em sua integralidade” para que haja domínio tanto do conteúdo em si quanto da maneira de ensinar. “Nós queremos formar profissionais com uma personalidade democrática e autônoma, intelectuais seguros para fazer proposições para melhoria da educação básica”, defende.

Josimar da Silveira, professor do campus Sertão do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), ressalta ainda a necessidade de que os professores não se limitem a ensinar apenas a partir de sua experiência pessoal. De acordo com o professor do IF, é preciso conhecer as formas didáticas e metodologias de ensino, saber conduzir processos avaliativos e fazer um planejamento da dinâmica das aulas. Ele explica ainda que a formação docente deve contribuir para que o professor seja capaz de ensinar orientado por práticas pedagógicas voltadas para a emancipação dos estudantes, “entendendo-os como sujeitos de direito e da palavra”. E isso, diz, passa pelo conhecimento de conteúdos relacionados à filosofia da educação, às diferentes perspectivas educacionais e às políticas públicas existentes.

Militão defende que deve haver liberdade para que cada instituição elabore o currículo dos seus cursos de formação de professores, respeitando as diferenças. “Cada instituição de ensino superior deve ter um projeto próprio de formação de professores. Isso é muito importante do nosso ponto de vista porque nós temos uma diversidade cultural, regional, econômica e também de concepções pedagógicas entre os profissionais que atuam na educação superior”, avalia.

Essa formação também passa por cursos de especialização, mestrado e doutorado, o que é inclusive parte da meta 16 do Plano Nacional de Educação, que previa alcançar 50% de professores com pós-graduação em todas as redes até 2025, com a extensão do prazo de vigência do plano. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o país alcançou essa meta em quase todas as redes, com exceção da privada, em que a média é de cerca de 30%. Nas redes estadual e municipal, essa marca foi atingida com cursos de especialização, embora o índice de professores com mestrado ou doutorado esteja na faixa de 5%. Já na rede federal, a meta foi superada com folga: 93% dos professores possuem mestrado ou doutorado.

Militão avalia que para aumentar estes percentuais na rede estadual e municipal, incentivando-os a cursar especialmente o mestrado e o doutorado, é preciso facilitar a licença remunerada para qualificação desses profissionais. “Um professor e uma professora bem formados, como qualquer trabalhador que atua numa instituição de educação básica, vão poder, de fato, provocar processos de melhoria na oferta de educação básica pública”, defende. Ela acrescenta que as especializações com carga horária mínima de 360 horas têm um papel importante na formação continuada, mas coloca ênfase no mestrado e doutorado por entender que são formações mais completas.

Outro fator que dificulta a formação docente é o alto percentual de contratos temporários por todo o Brasil, um dos dados mais surpreendentes do Censo Escolar. Para se ter uma ideia, em 2024, apenas dez redes estaduais tinham mais efetivos do que temporários. Os estados do Acre (79%), Santa Catarina (76%) e Mato Grosso (74%) estão na liderança da precarização. Na outra ponta, estão Rio de Janeiro e Bahia, com apenas 1% e 4,5% de docentes nessa situação, respectivamente. Em dados do monitoramento feito pelo Inep para a meta 16 do PNE referentes a 2023, a taxa média de professores efetivos em todas as redes é de 60%. No entanto, há uma grande variação por rede. O índice mais baixo está na estadual, com apenas 48% de efetivos, seguida pela municipal com 66%. Já a rede federal alcança 87% e mesmo assim não atinge a meta estipulada pelo PNE em vigor, em que 90% dos docentes devem ter vínculo permanente. No entanto, no Projeto de Lei enviado pelo MEC ao Congresso para o novo PNE (PL 2614/2024) a previsão para docentes efetivos foi reduzida para 70%, contrariando a Conferência Nacional de Educação (Conae) realizada em 2024, que em seu documento final recomendou a manutenção desse índice em 90% para o novo Plano Nacional de Educação que deveria começar a valer em 2025. (Leia mais na Poli 93).

“Esse é um fator extremamente prejudicial para a atuação desses profissionais.  Para além das questões trabalhistas, [com a contratação temporária] não há possibilidade de construção de vínculo com a comunidade e elaboração de um projeto pedagógico de forma coletiva”, reflete Militão, acrescentando que a alta rotatividade também prejudica a capacidade de formação desses professores. O presidente do CNE concorda: “A precarização da contratação de professores hoje no Brasil é um problema gravíssimo e que precisa ser combatido. Nós temos que criar mecanismos de indução para que haja internalização numa carreira com previsibilidade, degraus de desenvolvimento bem claros”, defende.

Educação Profissional
Na educação profissional e tecnológica, existem hoje no Brasil 181 mil professores. Desse total, 58% trabalham na rede estadual e o restante se divide entre a rede privada e a rede federal, com ligeira vantagem para esta última, com 23%, segundo dados do Censo Escolar. Para o professor Josimar Vieira, um problema para todas as redes é que faltam professores com licenciatura, em especial para aqueles que ministram as disciplinas técnicas. Nas redes estaduais também faltam licenciados, diz o professor do IFRS. No entanto, diferente da rede federal, esses professores frequentemente não possuem mestrado ou doutorado, uma vez que não há incentivo para essa formação, além de os estados terem uma maior proporção de contratos temporários, o que dificulta a atração e permanência desses professores. “Historicamente, não existe uma política permanente de formação de professores para essa modalidade. Embora houvesse programas emergenciais temporários, nunca houve uma política contínua”, diz o professor.

E não foi por falta de tentativa. Em 2008, por iniciativa da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec/MEC) foi montado um Grupo de Trabalho para a criação de diretrizes para a formação de professores da educação profissional para ser apresentado ao CNE. Em entrevista à Poli 79, Lucília Machado, professora aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), informou, à época, que a proposta era a criação de um curso de licenciatura com variações para os diferentes públicos que pudessem seguir na carreira docente. No entanto, o CNE decidiu não seguir em frente com a empreitada com o argumento de que era preciso primeiro construir novas diretrizes para a formação docente da educação básica como um todo, conforme declarou Francisco Cordão, ex-conselheiro do CNE que relatou a proposta das DCN para a educação profissional, na mesma reportagem. Atualmente, a resolução de 2024 que trata da formação docente da educação básica como um todo tem uma orientação específica para os cursos de licenciatura para graduados não licenciados na educação profissional e neste caso, estabelecendo uma carga horária mínima de 1.600 horas, com duração de dois anos.

O momento em que se tentou elaborar as primeiras diretrizes para a formação de professores da educação profissional coincidiu com a expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, marcada pela criação dos Institutos Federais, em 2008, que aumentou exponencialmente o número de professores nesse segmento. “Para se ter uma ideia, a escola agrotécnica em que eu atuo [IFRS - Campus Sertão] passou de 30 para 100 professores em um curto intervalo, um fenômeno generalizado no Brasil”, recorda Vieira, que há 15 anos é responsável por ministrar um curso de formação de professores no Instituto Federal do Rio Grande do Sul, com duração de um ano e meio e em formato híbrido.

O professor considera que a formação docente muitas vezes é insuficiente e pouco cobrada pelas instituições e, por exemplo, não aparece nos editais como exigência dos concursos. Uma das particularidades da Rede Federal nesse sentido é sua estrutura verticalizada, ou seja, que prevê que os professores ministrem aulas para alunos do ensino médio à pós-graduação, o que exige conhecimentos diferentes. “Muitos profissionais com bacharelado, mestrado e doutorado em suas áreas técnicas nunca tiveram contato com os saberes da docência em sua formação acadêmica”, diz Vieira. Ele explica que frequentemente os profissionais que ministram disciplinas da área técnica – engenheiros, enfermeiras, administradores etc – se tornam professores após passarem em concursos públicos, sem terem planejado a carreira docente. E ele avalia que essa falta de preparo pedagógico pode levar a dificuldades em sala de aula, especialmente com estudantes mais jovens do ensino médio.  “Em geral, os professores acabam moldando suas práticas a partir da experiência pessoal que tiveram com seus orientadores e ignoram os conhecimentos da pedagogia”, diz.

Para suprir esta lacuna, os Institutos Federais estão investindo em formação docente. Essas iniciativas, no entanto, têm se dado majoritariamente nas modalidades híbrida e à distância. Um dos principais exemplos é o Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT), que reúne 400 professores responsáveis pelas aulas espalhados em 38 polos no país. Dado que um dos aspectos críticos do cenário docente no Brasil hoje é o fato de a maioria dos professores serem formados por cursos a distância, Vieira argumenta que é preciso distinguir os cursos de graduação da formação continuada. Ele defende a obrigatoriedade do formato presencial no primeiro por entender que, além dos conhecimentos pedagógicos, é preciso aprender a interagir, escutar e ouvir. Mas entende que é possível adotar modalidades híbridas ou àdistância para aqueles que já passaram pela graduação e possuem uma maior autonomia nos estudos. Ainda assim, ele pondera que mesmo nesses casos é preciso uma regulamentação para limitar o número de alunos por turma e garantir uma estrutura de bibliotecas online e acompanhamento próximo, entre outras medidas que preservem a qualidade dos cursos.