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Violência nas escolas é tema de audiência pública com participação da EPSJV

Encontro destacou como o cotidiano de confrontos e insegurança afeta diretamente a saúde, o aprendizado e a permanência de estudantes, bem como a necessidade de estratégias intersetoriais urgentes
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 03/10/2025 09h52 - Atualizado em 03/10/2025 11h22

A professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Ingrid D’avilla, participou, no dia 25 de setembro, de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) que discutiu os impactos da violência nas escolas e estratégias de cuidado voltadas à comunidade escolar. Promovido pela Comissão de Servidores Públicos, o encontro trouxe à tona dados alarmantes sobre as consequências da violência armada na educação pública. 

De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), cerca de 1.800 escolas estão localizadas em áreas controladas por grupos armados na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, afetando diretamente a vida de mais de 800 mil estudantes. Somente em 2022, foram registrados 4.400 tiroteios nas proximidades de instituições de ensino, resultando na suspensão de aulas, abandono escolar e até seis meses de defasagem na aprendizagem dos alunos dessas regiões.

Presidida pelo deputado estadual Flávio Serafini (PSOL), a audiência contou também com a participação de Flávia Antunes, representante do Unicef; Marcos Kalil, oficial de Proteção à Criança e consultor do escritório do Unicef; Maria Júlia Miranda, defensora pública; Mayalu Matos, pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (CLAVES/Fiocruz); Ivanete Silva, representante do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe-RJ); Andréia Martins, técnica em assuntos educacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e Ana Carolina Tavares, coordenadora do Programa Saúde na Escola (PSE) da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ).

Estratégias Intersetoriais

Na ocasião, Ingrid falou sobre como a violência tem afetado a saúde de estudantes e profissionais da educação, com sinais claros de adoecimento e sofrimento psíquico nas comunidades escolares; e sobre a urgência e emergência de se pensar as escolas como lugares de proteção e de promoção da saúde. “As questões de saúde são vistas como sintomas de um processo de deterioração das condições de vida, que é muito intensificado pelo contexto de violência armada”, afirmou a professora-pesquisadora, que coordena o projeto “Estratégias intersetoriais de produção do cuidado em escolas de territórios marcados por violência” na Escola Politécnica.

O estudo é realizado em três escolas nos territórios de Manguinhos e Maré (região na qual está localizada a Fiocruz, no Rio de Janeiro), marcados por uma expressiva violência cotidiana e com indicadores sociais, ambientais e econômicos que, segundo Ingrid, “fazem como se eles não existissem no campo das políticas públicas”. “Isso é muito evidente quando entramos nessas escolas e observamos impactos em relação ao abandono escolar. São escolas absolutamente esvaziadas, com frequência baixíssima, e com o entendimento de saúde mental como transtorno, o que requer laudos médicos que justifiquem rotinas adaptadas”, apontou. E acrescentou: “A inserção nessas escolas tem sido um convite para pensarmos que modelo de cuidado e de proteção à saúde nós queremos construir nessas instituições, em apoio aos profissionais que ali estão”.

Por fim, Ingrid destacou que a saúde, nesses casos, cumpre um papel para além do protocolar. “Contamos com uma boa aliança com as Clínicas da Família desses territórios, mas com insuficiência de recursos, a incompletude das equipes e a ausência de profissionais especializados, dentre eles, psicólogos e assistentes sociais, para podermos pensar uma dinâmica de reparação diante das iniquidades em saúde”, afirmou. “Esse não é um debate setorial”, continuou Ingrid: “É importante pensar em estratégias que envolvam diferentes setores e dimensões das políticas públicas. Essa discussão tem que ser objeto de políticas intersetoriais”.

Direitos básicos

Em sua fala, Flávio Serafini chamou atenção para a importância de discutir o tema da violência nas escolas que, segundo ele, é fundamental para se pensar na garantia de direitos básicos. “Temas como esse são centrais para garantir o direito à educação, à vida, à dignidade e à cidadania da nossa população, em especial, das nossas crianças e adolescentes”, afirmou. 

Serafini ainda falou sobre os impactos cotidianos e silenciosos que afetam a saúde física e mental de moradores de áreas vulnerabilizadas e apontou a carência de estudos aprofundados sobre os processos de adoecimento gerados por esse contexto. “Traz impactos sobre as nossas vidas, sobre nossa saúde e, principalmente, para quem está nesses territórios, morando, trabalhando, estudando”, disse, completando: “Temos a compreensão de que temos poucos estudos se desdobrando sobre isso, frente a gravidade que a violência representa e afeta à população. Falamos muito sobre o número de mortes diretamente por armas de fogo, mas falamos pouco dos processos de adoecimento que isso tem gerado”.

Após as contribuições dos participantes da mesa e demais presentes, Serafini indicou a criação de um Grupo de Trabalho (GT), que será responsável pela elaboração de um documento com análises sobre o tema. Esse material servirá de base para elaboração de um Projeto de Lei, com o objetivo de estabelecer diretrizes eficazes para enfrentar e mitigar os impactos da violência nas escolas.

Assista a audiência pública completa em https://www.youtube.com/watch?v=KTuHjpKtsi8