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Documento da Rio+20 foi um retrocesso, diz representante da organização da Cúpula dos Povos

Para Iara Pietricovsky,resolução enfatizou mecanismos de mercado como resposta à  crise capitalista, emdetrimento dos direitos humanos.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 23/06/2012 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Fraco. Insosso. Esses foram alguns dos adjetivos usados por Iara Pietricovsky, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e da Comissão Organizadora da Cúpula dos Povos para se referir ao documento oficial da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - Rio+20, divulgado no início dessa semana, antes mesmo do início oficial do evento. Para Iara, o documento carece do peso e da profundidade necessárias para enfrentar os desafios colocados pela atual crise do modo de produção capitalista. "O documento fala de tudo, mas em uma linguagem de baixíssima ambição. Ele não coloca aquilo que seria fundamental para questionar o sistema de produção e consumo dos países ricos, que são as responsabilidades comuns porém diferenciadas", afirma Iara.

Segundo ela, esse aspecto não foi contemplado por pressão dos países desenvolvidos como os Estados Unidos e o Japão. "Nem os países europeus, que sempre defenderam os direitos humanos afirmaram nesse momento a ideia de que é preciso mudar o padrão de consumo nos países ricos.  Eles não querem ser obrigados a mudar a sua maneira de viver para poder compor uma maneira de viver melhor para todo o planeta, essa é a realidade. Lamentavelmente, a ideia de solidariedade esta sendo vencida pela ideia do individualismo, do consumismo e de uma economia de mercado que sabemos que não vai levar o mundo a lugar nenhum", criticou. Segundo ela, o documento oficial reafirma a ideia de uma economia verde, baseada em mecanismos de mercado. "Na proposta da economia verde, os governos perdem capacidade de regular e mediar mercados e prioriza a atuação do setor privado através das chamadas parcerias público-privadas".

Para Iara, além de não avançar no sentido de oferecer respostas para a crise, o documento trouxe inúmeros retrocessos no âmbito dos acordos internacionais na área dos direitos humanos. "Só para citar um exemplo, o direito reprodutivo das mulheres foi retirado do documento oficial por pressão do Vaticano, o que demonstra uma incapacidade de 193 países reagirem contra apenas um. Em pleno século 21 nós mulheres não somos reconhecidas como sujeitos de direito na visão do Vaticano, o que eu acho no mínimo pré-histórico", opina. Segundo ela, a Rio+20 também retrocedeu em relação à Rio 92. "A Rio 92 foi um marco que trouxe uma agenda extremamente importante, já com essa ideia de afirmação de direitos e e de sustentabilidade, onde o pilar econômico era um pilar que deveria estar submetido à logica da necessidade de justiça social e ambiental", explica Iara, complementando em seguida: "Agora, passados 20 anos, nos confrontamos com um documento que desrespeita o que foi assinado pelos países, volta atrás e opta por um caminho que diz que o mercado é o único capaz de dar resposta ao desenvolvimento sustentável".

Iara não poupou críticas à atuação do governo brasileiro na conferência e ao que chamou de "déficit democrático" no interior das Nações Unidas. "Para poder ter um documento a qualquer custo o governo brasileiro retirou tudo aquilo que era conflitante e baixou a ambição de tudo. Então o que acabou saindo foi insosso, não responde a emergência de nosso tempo e não dá respostas concretas efetivas". Segundo Iara, alguns países, como Bolívia, Venezuela e Cuba posicionaram de forma crítica frente ao rumo das discussões, mas acabaram sendo atropelados no processo de construção do texto. "Há um problema de déficit democratico na maneira com que as regras da ONU funcionam. Quem manda em ultima instância são aqueles que tem mais poder econômico e poder militar.Essa lógica tem que mudar, o mundo não pode estar baseado em relações de força e de peso econômico. Cabe aos povos do mundo que se opõem a essa logica se unirem para mudá-la", avalia.

De acordo com Iara, os movimentos e entidades reunidos na coordenação da Cúpula não tinham, desde o início, nenhuma expectativa de modificar o documento da  Rio+20, justamente por não acreditar na democracia do processo ONU e perceber a captura corporativa das Nações Unidas. Ela destaca que a reunião de representantes da Cúpula com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a ser realizada no ultimo dia do evento, foi uma demanda do próprio secretário e não da organização da Cúpula. "Vamos falar para ele tudo o que os povos discutiram aqui, mas sem nenhuma expectativa", reforça.

Para Iara, os movimentos sociais e entidades da sociedade civil reunidos na Cúpula dos Povos devem agora se organizar para pressionar por mudanças efetivas. "Os movimentos sociais precisam se unificar em torno de pelo menos alguns pontos para que possamos ser força politica real. Nossa luta política é para fazer com que os governos sejam de fato reguladores e capazes de submeter a economia a uma lógica que seja baseada nos direitos humanos e numa economia efetivamente verde, sustentável e diversa, construída a partir das experiências dos movimentos camponeses, indigenas e todos aqueles que demonstraram que são capazes de criar uma relação entre natureza e seres humanos  de forma sustentavel".

 

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