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NOTA DE REPÚDIO À REFORMA DO ENSINO MÉDIO

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz vem a público repudiar a edição da Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016, que impõe uma reforma do ensino médio. De uma só vez, a medida ataca duas questões fundamentais para a educação pública: estabelece um currículo mínimo, que orientará uma formação dual e desigual para a juventude brasileira e amplia o acesso da iniciativa privada aos recursos do Fundo Nacional de Educação - FNE. Essa reforma pelo alto representa um ataque à concepção de formação integrada e integral que marca a experiência da EPSJV/Fiocruz há 30 anos. Por isso, nos unimos aos movimentos sociais e entidades progressistas do campo da educação na luta pela derrubada da Medida Provisória que a instituiu.

A implementação de mudanças desse porte por meio de Medida Provisória traz claro viés autoritário e fere os princípios constitucionais que garantem a educação como direito social, que deve ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Trata-se, assim, de uma afronta a todo o processo histórico de construção da educação pública brasileira.

Segundo seus formuladores, a urgência de uma reforma no ensino médio viria responder a um diagnóstico marcado por baixas notas em avaliações internacionais e alta evasão nesse segmento de ensino. Além de rechaçar a naturalidade com que se adotam parâmetros ditados por instituições como o Banco Mundial para medir a qualidade da educação brasileira, é preciso destacar também a necessidade de se buscar fora da escola as razões estruturais para esses e outros problemas. Colocar na atual composição do currículo a responsabilidade por essas questões é desconsiderar que, antes de tudo, a educação pública brasileira precisa ser impulsionada por meio de um financiamento digno - que permita melhorar a infraestrutura da escola e valorizar seus profissionais - e da ampliação dos espaços de participação social. É preciso ainda ter em conta que os problemas do ensino médio não podem ser isolados da realidade socioeconômica do país, que só tem feito aprofundar a precariedade em todas as dimensões da vida, principalmente para os mais vulnerabilizados. 

Ao contrário disso, a MP amplia as possibilidades de repasse dos recursos do fundo público para a iniciativa privada, fazendo da discussão do currículo uma cortina de fumaça.

O que o discurso de valorização da liberdade de escolha dos jovens esconde é a naturalização das desigualdades que marcam a sociedade brasileira, trazidas agora também para o espaço da escola e, mais particularmente, do currículo. Aos que, como nós, militam por uma escola pública de qualidade, já há muito parece claro que os “interesses” dos filhos da classe trabalhadora são limitados pelas suas necessidades e carências concretas, o que os direcionará para a “escolha” de uma formação menos plena, que os insira o mais rapidamente possível no  mercado de trabalho. Trata-se, assim, de uma reforma que tem como principal objetivo restringir a educação básica pública, hoje voltada principalmente para as populações mais pobres, a uma formação mínima, marcadamente desigual em relação ao que continuará podendo ser ofertado nas redes privadas, aos filhos de quem pode pagar. A abertura para formação através de itinerário formativo, via reconhecimento de saberes, habilidades e competências mediante diferentes formas de comprovação, reforçará ainda mais esse caráter de formação mínima e desigual. Todo o histórico de lutas do campo da educação profissional crítica se opõe ao que é proposto pela MP, marcadamente alinhada com as demandas de mercado, que requer apenas a apreensão de determinadas habilidades para execução de tarefas específicas, negando o acesso da classe trabalhadora ao conhecimento científico socialmente produzido pela humanidade.

Nesse sentido, a MP aprofunda e perpetua, desde a formação básica, a reprodução do lugar social destinado tanto aos filhos e filhas da classe trabalhadora, quanto reproduz o lugar de dominação dos filhos e filhas das classes dominantes e, nesse mesmo processo, dificulta e restringe o potencial de crítica e de desnaturalização dessa forma hegemônica de produzir a existência social.

Cabe ressaltar que tais imposições trazidas pela MP se coadunam com outras medidas já aprovadas ou em tramitação que visam reduzir direitos sociais, restringir o orçamento do setor público e abrir ao setor privado de forma mais direta o acesso aos recursos do Estado. É fundamental nos posicionarmos contra essas medidas como forma de resistir ao desmonte do Estado e das políticas públicas, que têm a clara intenção de manutenção do projeto de sociedade hegemônico, na medida em que trazem como elemento central o aprofundamento da tentativa histórica das classes dominantes de subjulgar os interesses das classes trabalhadoras aos do mercado. Mutilar intelectualmente a classe trabalhadora, restringir seu potencial de leitura problematizadora, ampla e crítica da realidade social em todas as suas dimensões - políticas, científicas, técnicas, ideológicas, estéticas - é, sem dúvida, parte desse processo.