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A relação entre a formação dos técnicos e o fortalecimento dos Sistemas Nacionais de Saúde é tema de encontro virtual da RETS

No encontro houve o lançamento da publicação “A formação e o trabalho dos técnicos em saúde no mundo pós-Covid” e uma mesa para discutir aspectos sobre a formação de técnicos em saúde
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 08/11/2023 10h31 - Atualizado em 08/11/2023 15h46

“Fortalecer a formação e o trabalho dos técnicos em saúde é fortalecer os Sistemas Nacionais de Saúde: as perspectivas de Opas/OMS e CPLP”. Esse foi o tema central do Encontro virtual da Rede Internacional de Educação de Técnicos de Saúde (RETS), sediada na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Realizado de forma on-line, no dia 7 de novembro, o evento contou com lançamento de uma publicação eletrônica, um debate e uma breve apresentação sobre projetos estratégicos.

No início do encontro, aconteceu o lançamento oficial da publicação eletrônica "A formação e o trabalho dos técnicos  em saúde no mundo pós-Covid: síntese e recomendações", que reúne conhecimentos e experiências acumulados no ciclo de oficinas realizado em 2022, com apoio do Programa Sub-regional da Opas para a América do Sul e do Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS) da Fiocruz. “Nossa ideia foi criar um espaço privilegiado para intercâmbio, reflexão, aprendizado e formulação de propostas sobre as experiências concretas de como diferentes instituições de formação de técnicos em saúde enfrentam seus desafios e buscam aprimorar sua atuação”, ressaltou o coordenador de Cooperação Internacional da EPSJV, Carlos Eduardo Batistella. O ciclo de oficinas foi uma iniciativa da EPSJV, em cooperação com a Rede Internacional de Educação de Técnicos em Saúde (RETS), a Rede Ibero-Americana de Educação de Técnicos em Saúde (RIETS) e a Rede de Escolas Técnicas de Saúde da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (RETS-CPLP).

A diretora da EPSJV, Anamaria Corbo, destacou que esse momento é de reafirmar um compromisso assumido pela Escola em conjunto com a Opas/OMS e celebrar a parceria estratégica com o Programa Sub-regional da Opas para a América do Sul na realização desse ciclo de oficinas, bem como em outros projetos prioritários para o fortalecimento da formação de trabalhadores técnicos em saúde. “Com a participação de membros ativos da rede, de representantes de organismos internacionais e de um vasto público de vários países, conseguimos reunir um grupo considerável de gestores, pesquisadores e trabalhadores da área de saúde e educação que puderam trazer experiências e compartilhar novas formas de lidar com o trabalho e a formação em saúde no âmbito da pandemia da covid-19", afirmou. E concluiu: “A publicação traz materialidade e perenidade aos conhecimentos e experiências que foram compartilhadas nesse ciclo. Nos demandou muito cuidado e respeito pelo que foi apresentado e uma fidelidade máxima ao que foi colocado”, disse Anamaria.

Para Silvia Cassiani, assessora regional de Enfermagem e Técnicos em Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), a EPSJV tem uma experiência acumulada que a coloca na liderança da discussão da educação dos técnicos em saúde nessa região. “O e-book deixa claro que sistemas de saúde resilientes requerem trabalhadores qualificados, inseridos no seu planejamento, com capacidade de decisão e com direito, segurança e formação respeitados. O trabalho de divulgação amplo dessa publicação, chegando aos governos, escolas técnicas e outros interessados é extremamente importante para que consigamos aumentar o investimento nos técnicos que tanto necessitam e merecem”, acrescentou.

Em seguida, María Dolores Pérez Rosales, diretora do Programa Sub-regional da Opas para a América do Sul, reafirmou a importância do papel dos técnicos no trabalho e na formação das redes de equipes interprofissionais na atenção primária e comentou sobre a relevância do e-book. “Temos certeza que essa publicação será uma grande contribuição para o conhecimento da formação de técnicos em saúde. Sabemos que os técnicos têm um papel central na gestão dessas equipes, principalmente, na melhoraria do acesso das populações mais vulneráveis na atenção primária”, comentou. E concluiu: “Reconhecemos a importância do papel da Escola Politécnica como um Centro colaborador da Opas/OMS para educação de técnicos em saúde e esse trabalho em parceria que temos desenvolvido. Ainda temos uma agenda de trabalho para continuar reforçando a formação dos técnicos em saúde”.

Perspectivas da Opas/OMS e CPLP

Seguindo a programação, Eduardo Benjamín Puertas, chefe da unidade de Recursos Humanos em Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) e Manuel Clarote Lapão, diretor de Cooperação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), apresentaram os principais pontos de dois documentos aprovados em 2023, respetivamente pela Opas/OMS e pela CPLP: “Política sobre a força de trabalho em saúde para 2030: fortalecendo os recursos humanos em saúde para alcançar sistemas de saúde resilientes”  e o “Plano Estratégico de Cooperação em Saúde (PECS 2023-2027)”.

Na mediação da mesa de debate, Carlos Eduardo Batistella lembrou que, em março de 2023, os ministros da Saúde da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) aprovaram a versão mais recente do Plano Estratégico de Cooperação em Saúde (PECS 2023-2027), que destaca seis eixos de intervenção a serem priorizados, para que os países da Comunidade possam, de forma coordenada e em cooperação, prosseguir a implementação de políticas e estratégias que visem consolidar o desenvolvimento sustentável, a boa governação dos respectivos sistemas nacionais de saúde e da saúde global.

Em setembro, segundo o coordenador de Cooperação Internacional da EPSJV, foi a vez de o Conselho Diretivo da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) endossar a “Política sobre a força de trabalho em saúde para 2030: fortalecendo os recursos humanos em saúde para alcançar sistemas de saúde resilientes (Documento CD60/6)”, que propõe cinco linhas de ação estratégicas para o fortalecimento dos recursos humanos em saúde (RHS) e construção de sistemas de saúde mais fortes e resilientes, capazes de recuperar as conquistas de saúde pública afetadas pela pandemia e de retomar o caminho rumo ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030.

“Guardadas suas peculiaridades, os dois documentos ressaltam a necessidade de fortalecer os Sistemas Nacionais de Saúde para alcance dos ODS e de preparar esses sistemas para o enfrentamento de novas emergências sanitárias. Outro aspecto comum a ambos é o reconhecimento de que a formação adequada de recursos humanos para o setor e a melhoria de suas condições de trabalho, bem como a centralidade da Atenção Primária à Saúde (APS) nesse processo são fundamentais”, apontou Batistella.

Eduardo Benjamín Puertas destacou alguns pontos da “Política sobre a força de trabalho em saúde para 2030: fortalecendo os recursos humanos em saúde para alcançar sistemas de saúde resilientes”. Segundo ele, o contexto do documento é uma crise mundial que acontece pelo menos desde 2014, relacionada à falta grave e má distribuição dos profissionais de saúde. “Estima-se que até 2023 teremos um déficit de 600 mil profissionais de saúde na América Latina e no Caribe. Se fizermos uma análise mais recente, veríamos que esse déficit poderia chegar a 2 milhões de recursos humanos em saúde na mesma região. Cada vez mais se reconhece a urgência de centrar-se não somente na transformação dos sistemas de saúde, mas também na necessidade de investir em trabalhadores da saúde”, comentou.

Ainda segundo o representante da Opas/OMS, existem muitos desafios na questão dos recursos humanos em relação à governança e liderança, educação e formação, acesso e qualidade e sistemas de informação de RH. "Na governança e liderança, existem, por exemplo, limitações de regulação profissional e acadêmica e a garantia de qualidade dos profissionais, além de uma capacidade insuficiente para planejamento, previsão e gestão que foi muito visto durante a pandemia, mas que continua sendo um grande desafio”, definiu.

Já na área de educação e formação, Eduardo apontou a questão de recursos humanos mal equipados ou não capacitados para uma APS centrada nas pessoas e nas comunidades, o fato de as instituições acadêmicas não terem um alinhamento com os sistemas nacionais de saúde e também a falta de investimento em pesquisas. Sobre acesso e qualidade, ele citou as desigualdades da disponibilidade e distribuição dos recursos humanos, altas taxas de migração desses trabalhadores, disparidades persistentes nas condições de trabalho e diferenças salariais, especialmente, para as mulheres; bem como a falta de apoio psicossocial e baixa atração e retenção de pessoal nas zonas ruais e desassistidas. "Um outro desafio muito pendente em toda a região é a necessidade de sistemas de informação que sejam melhor integrados”, acrescentou.

E qual o papel da Opas/OMS para lidar com esses desafios e necessidades futuras? Eduardo respondeu: “Temos uma série de resoluções e políticas que têm apoiado o esforço dos países. A mais recente delas, ‘Política sobre a força de trabalho em saúde para 2030’, foi aprovada em setembro e tem cinco linhas estratégicas como: fortalecer a governança e impulsar políticas e planos nacionais; desenvolver e consolidar mecanismos regulatórios; fortalecer a conformação e integração de equipes interprofissionais, potencializar o desenvolvimento e as capacidades dos profissionais da saúde; bem como promover condições de trabalho decentes e proteção física e mental dos trabalhadores”. Essa forma, segundo ele, seria o caminho para fortalecer os recursos humanos na busca por sistemas de saúde resilientes.

O “Plano Estratégico de Cooperação em Saúde (PECS 2023-2027)”, da CPLP, foi apresentado por Manuel Clarote Lapão. Segundo ele, o PECS-CPLP foi aprovado pela primeira vez na 2ª Reunião dos Ministros da Saúde da CPLP (RMSCPLP), em 2009, com outras edições em 2014, 2018 e o atual em março de 2023. ““O Plano representa um compromisso coletivo de cooperação horizontal e estruturante entre os Estados-Membros da CPLP no setor da saúde, um mecanismo inovador, abrangente e integrador de sinergias, um instrumento que tem contribuído para incrementar uma ação multilateral da CPLP em matéria de partilha de experiências, iniciativas em rede, desenvolvimento de parcerias e promoção de respostas coletivas, de curto, médio e longo prazo para o combate a emergências de saúde pública e o alcance de todas as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, definiu.

De acordo com Manuel, o PECS 2023-2027 reitera a vontade política dos Estados-Membros da CPLP para, de forma coordenada e em cooperação, prosseguirem a implementação de políticas e estratégias que visem consolidar o desenvolvimento sustentável, a boa governança dos respetivos sistemas nacionais de saúde e da saúde global. “Como objetivos específicos, buscaremos orientar a cooperação em saúde da CPLP; fomentar o relacionamento da Comunidade com diferentes parceiros de desenvolvimento no setor da saúde; reforçar a capacidade de diálogo e liderança das estruturas de operacionalização do PECS-CPLP, e melhorar a eficiência e eficácia dos sistemas nacionais de saúde dos Estados-Membros", acrescentou.

O representante da CPLP apresentou ainda os seis eixos de intervenção, que segundo ele, são: (1) Sistemas Nacionais de Saúde (SNS); (2) Formação e Desenvolvimento da Força de Trabalho em Saúde (FTS); (3) Informação e Comunicação em Saúde (ICS); (4) Investigação e Bioética em Saúde; (5) Monitorização dos ODS; e (6) Prontidão para Emergências em Saúde Pública. A partir disso, Manuel destacou os resultados esperados com o Plano: “Esperamos uma cooperação em saúde da CPLP claramente definida, com um relacionamento da Comunidade com diferentes parceiros de desenvolvimento no setor da saúde fomentada e aumentada; com uma capacidade de diálogo e liderança das estruturas de operacionalização do PECS-CPLP reforçada; e uma eficiência e eficácia dos sistemas nacionais de saúde dos Estados-Membros melhorada”.

Projetos estratégicos

Por fim, foram apresentados os dois projetos estratégicos que representam o esforço de articulação das redes (RIETS, RETS e RETS-CPLP) para qualificar as intervenções no campo da formação de técnicos em saúde: o Mapeio dos trabalhadores técnicos que atuam na APS de países da América do Sul, elaborado para atender a um edital interno da EPSJV; e o Seminário sobre Simulação Clínica na Formação de Técnicos em Saúde: desafios e perspectivas, apresentado à Secretaria Geral Ibero-Americana (Segib) no âmbito do 1º Concurso de projetos para Redes inscritas no Registro de Redes Ibero-Americanas. O projeto foi aprovado em julho de 2023, reforçando a decisão, expressa no 3º Plano de Ação Quadrienal da Cooperação Ibero-Americana 2023-2026, de incorporar a saúde como um novo campo de ação, incluindo a articulação e coordenação com as diferentes iniciativas nesse campo na região.

“Essas iniciativas não esgotam as possibilidades de cooperação que podemos fazer no âmbito das redes, mas se articulam com algumas proposições e desafios que foram colocados aqui hoje. Uma delas diz respeito a pensarmos processos de formação que levem em consideração a formação interprofissional e a proposta do Seminário de simulação caminha nesse sentido. E a outra sobre a necessidade, para poder pensar e subsidiar uma política pública, de nos basearmos em informação sobre a situação que essa política pretende responder. Nesse sentido, o mapeio apresenta subsídios fundamentais para que a partir desses resultados, possamos inflexionar políticas públicas para a região”, reforçou a diretora da EPSJV/Fiocruz.

Sobre o Seminário sobre Simulação Clínica na Formação de Técnicos em Saúde, Batistella afirmou que ele irá acontecer nos dias 4 e 5 de dezembro de 2023, na Escola Politécnica, com expositores e convidados de diferentes instituições e países com mesas de debate e oficinas. O primeiro dia será aberto ao público e o segundo dia apenas para convidados. “Ao fim, esperamos ter um documento que seja como uma chamada à ação, identificando as áreas e categorias profissionais cuja formação poderia se beneficiar da inclusão da simulação como estratégia de ensino-aprendizagem; instituições que já tenham incorporado simulação clínica e experiências de simulação na APS”, afirmou.

Por fim, a professora-pesquisadora da EPSJV, Isabella Koster, apresentou o “Mapeio dos trabalhadores técnicos que atuam na APS de países da América do Sul” que, segundo ela, tem como objetivo contribuir para o fortalecimento da pesquisa, por meio de uma produção e disseminação dos seus resultados de forma compartilhada e ajustado às necessidades das práticas e saberes em Educação Profissional em Saúde. “Para isso, visa a integração entre laboratórios e setores da EPSJV e tem a disseminação científica como aporte, para que as pesquisas não fiquem somente como frutos acadêmicos, mas que possam fazer articulações e fazer parte do campo da tomada de decisão”, explicou.

Uma das hipóteses do mapeio, de acordo com Isabella, é que há uma grande diversidade de trabalhadores técnicos em saúde entre os países da América Latina, que mesmo representando a maior parcela da força de trabalho em saúde, persiste a invisibilidade e o desconhecimento sobre quem são, o que fazem e onde atuam. "Ao mesmo tempo, existem similaridades e diferenças entre os técnicos nesses países. Ao analisar e promover estratégias de disseminação articuladas entre os potenciais interlocutores no campo da cooperação internacional, poderá produzir o fortalecimento em prol do desenvolvimento dessas categorias profissionais e consequentemente da APS”, delineou Isabella.

A professora-pesquisadora apontou ainda alguns objetivos do mapeio, como analisar os aspectos históricos e político-institucionais que configuram a organização da APS em cada país; identificar as categorias profissionais, formação, atribuições e práticas, formas de vínculo e grau de institucionalização desses trabalhadores; descrever as características gerais da organização do trabalho dos técnicos da APS nos países; identificar as principais normativas que definem o contexto de atuação e compõem a regulação do trabalho e da educação dos técnicos em saúde na APS; mobilizar interlocutores estratégicos da pesquisa para o fortalecimento da capacidade de trabalho colaborativo e produção do conhecimento compartilhado, bem como para a difusão dos produtos e resultados alcançados. “Metodologicamente, é um estudo de natureza qualitativa e exploratória, no qual foram incluídos países da América do Sul que falam espanhol e português e que possuem histórico de parceria com a RETS, como Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela”, enumerou.

Para finalizar, Isabella adiantou os resultados esperados com o mapeio.  “Espera-se que os resultados desse estudo possam potencializar a capacidade de trabalho colaborativo e produção do conhecimento compartilhado de cooperação e integração regional na América do Sul”, afirmou.

Assista o encontro virtual completo em https://www.youtube.com/watch?v=9JmfOWQBkvw