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Condições de trabalho e saúde dos cuidadores de idosos na pandemia

Resultados da pesquisa “Cuida-Covid” retratam um aumento das desigualdades de gênero, raça e classe social, que perpassam o trabalho de cuidados, no período da pandemia
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 01/10/2021 12h14 - Atualizado em 01/07/2022 09h41

Os pesquisadores Daniel Groisman, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), e Dalia Romero, do Instituto de Informação e Comunicação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/Fiocruz), realizaram um webinário para apresentação dos resultados da “Cuida-Covid: Pesquisa nacional sobre as condições de trabalho e saúde das pessoas cuidadoras de idosos na pandemia”, no dia 30 de setembro. O evento foi transmitido pelo canal da EPSJV no Youtube, na semana em que se comemora o Dia Internacional do Idoso (1º de outubro), data em que foi aprovada a Lei 10.741/2003, que institui o Estatuto do Idoso no Brasil. O relatório da pesquisa pode ser acessado neste link.  

A pesquisa faz parte do projeto “Cuidando de quem cuida: educação continuada e avaliação das condições de trabalho e saúde de cuidadores de pessoas idosas em tempos de Covid-19", aprovado, em maio de 2020, no edital ‘Ideias e Produtos Inovadores - Covid-19 - Encomendas Estratégicas’, do Programa Fiocruz de Fomento à Inovação (Inova Fiocruz). 

Principais resultados

Segundo Groisman,  que coordenou o estudo junto com a pesquisadora Dalia Romero, a iniciativa se propôs a investigar as condições de trabalho e saúde das pessoas cuidadoras de idosos, abrangendo tanto o cuidado realizado por familiares quanto aquele exercido de forma remunerada, por terceiros. A pesquisa coletou informações sobre o perfil sociodemográfico, situação de saúde, acesso a atendimento médico durante a pandemia e características da rotina de cuidados no período. 

A coleta de dados foi realizada através de questionário online de autopreenchimento, de agosto a novembro de 2020. Ao todo, participaram do estudo 5.786 pessoas. Após o tratamento do banco de dados, foram selecionadas para pesquisa 4.820 pessoas cuidadoras, das quais 51,2% eram cuidadoras não remuneradas ou familiares e 48,8% eram cuidadoras remuneradas de pessoa idosa. No webinário, os resultados referentes às cuidadoras familiares foram apresentados pela Profa. Dalia e os referentes às cuidadoras remuneradas, pelo Prof. Daniel. 

O panorama captado pelo estudo retrata um aumento das desigualdades de gênero, raça e classe social, que perpassam o trabalho de cuidados, no período da pandemia. De acordo com Daniel, 92% das pessoas que cuidam são mulheres. Isso, na visão dele, é um retrato da desigualdade de gênero, já que a responsabilidade pelo cuidado das pessoas idosas está sendo depositada sobre a parcela feminina da população. “No caso das cuidadoras familiares, esse trabalho é feito de forma não remunerada. Elas não têm esse trabalho nem contabilizado, nem reconhecido pela sociedade e pelo Estado. É como se elas fossem uma parcela invisibilizada da população”, aponta o coordenador. 

Outro aspecto apontado pelo estudo  é que se trata de um contingente envelhecido, em sua maioria, com idades superiores a 50 anos, sendo que um em cada seis cuidadoras familiares são idosas. Além disso, uma em cada três não recebe ajuda de mais ninguém para esse cuidado e somente 16,7% possui uma cuidadora contratada. “Ou seja, são idosos cuidando de outros idosos”, explica Daniel.. 

O tempo dedicado às atividades de cuidado também chama atenção 73,6% das cuidadoras familiares atuam nessa função todos os dias da semana, com jornadas de oito a 12 ou mais horas. “Nas perguntas mais específicas sobre os efeitos da pandemia, 77,5% das cuidadoras familiares disseram que o tempo de dedicação aos cuidados aumentou e 75% responderam que a quantidade de esforço também aumentou nesse período”, afirma, explicando que isso se reflete na saúde física e mental dessas mulheres. “Quase que uma em cada duas tem algum problema crônico de coluna que se agravou na pandemia. E os sentimentos de isolamento, tristeza e ansiedade por parte dessas cuidadoras familiares também foram muito aumentados”.

Já em relação às cuidadoras remuneradas, Daniel destaca que um dado que chama atenção é a reprodução de características que são históricas em relação à exploração do trabalho doméstico no Brasil. “É uma atividade realizada, em 60% dos casos, por pessoas negras, de baixa renda e com menor acesso a escolarização. Além disso, o grau de informalidade no trabalho é muito grande. Somente uma a cada três trabalha com a carteira assinada e 88% recebem menos que dois salários-mínimos”, apontou. 

De acordo com Daniel, muitas cuidadoras relataram que precisam acumular a realização de tarefas de cuidado com a pessoa, conjuntamente com o cuidado com a casa, o que é um elemento de evidente sobrecarga e sobreposição de atribuições. Além disso, a duração da jornada de trabalho, segundo Daniel, é muito extensa. “Sete em cada dez cuidadoras remuneradas têm jornadas de 12 a 24 horas diárias, um número elevado delas não têm intervalo de descanso entre um dia de trabalho e outro, como prevê a legislação. E acrescentou: “30,8% relataram que o tempo de dedicação aumentou na pandemia e 58% informaram que a quantidade de esforço dedicado aos cuidados também teve um enorme aumento. Assim como as cuidadoras familiares, 30% das remuneradas relataram que tem problemas crônicos de coluna e aumento de sentimentos como ansiedade e solidão durante a pandemia”.

As conclusões do estudo apontam para a necessidade de fortalecimento das políticas públicas voltadas para a população idosa e suas cuidadoras e cuidadores, nos seus diferentes âmbitos. Para Daniel, o estudo revela um pouco dos impactos da pandemia para a população idosa, porque aquilo que afeta quem cuida, afeta também quem é cuidado. “A gente tem que se perguntar por que não temos no país políticas mais robustas de cuidado à pessoa idosa, para que essa responsabilidade não fique inteiramente depositada nas famílias e nos indivíduos, de forma a prevenir essas situações de sobrecarga, exaustão, exploração do trabalho, danos para saúde e desigualdades”, pontua. 

O objetivo agora, segundo Daniel, é que os dados do estudo sirvam para que se planejem ações, principalmente, em relação às políticas públicas voltadas para a questão do cuidado. “Que possamos ser uma sociedade cuidadora e comprometida com a redução das injustiças e desigualdades”, finaliza.

Cuidando de quem cuida

Desde maio de 2020, o projeto “Cuidando de quem cuida: educação continuada e avaliação das condições de trabalho e saúde de cuidadores de pessoas idosas em tempos de Covid-19" já desenvolveu diversos materiais audiovisuais de acesso aberto sobre o cuidado de pessoas idosas na pandemia, como cartilhas e vídeos; e realizou um curso remoto de atualização para cuidadores de pessoa idosa na pandemia.

Além de pesquisadores da EPSJV, o projeto conta com profissionais de outras unidades da Fiocruz - o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict) e a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) -, além de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Associação dos Cuidadores do Estado do Rio de Janeiro (Acierj).