Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Conferência discute conjuntura da América Latina

Filósofo argentino defende a aproximação com os movimentos sociais e reflete sobre os distintos caminhos para o socialismo.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 29/10/2008 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


Lutar, ao mesmo tempo, contra o imperialismo e contra o capitalismo: esse é o caminho apontado por Néstor Kohan, filósofo e ensaísta argentino, para o início de um processo realmente revolucionário no continente latino-americano. “Não podemos lutar primeiro pela democracia e depois pelo socialismo. Não acredito em revolução por etapas assim definidas”, disse, durante a conferência ‘Conjuntura na América Latina e os movimentos sociais’, realizada na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, no dia 28 de outubro deste ano.



 Estudioso do marxismo latino-americano, Néstor acredita que esse continente está vivendo um momento histórico promissor, muito diferente da década de 90 quando, segundo ele, toda a esquerda esteve na defensiva. “Riam quando falávamos em imperialismo, luta de classes e socialismo”, lembrou. Hoje, a crise do neoliberalismo já ultrapassou os limites da América Latina, atingindo Estados Unidos e Europa, mas o problema, disse, é definir o que se quer colocar no lugar.



Segundo o conferencista, as alternativas não têm sido animadoras: capitalismo ‘uruguaio’ no Uruguai, capitalismo nacional na Argentina, capitalismo à moda brasileira no Brasil. “Esses países formam um bloco intermediário, que precisa falar contra o neoliberalismo, apelando a um imaginário progressista, mas que mantém uma política econômica conservadora, sem grandes mudanças”, explicou. Para Néstor, uma das estratégias da burguesia desses países é incentivar produções alternativas no campo da cultura para nublar o fato de que, no campo macroeconômico, tudo continua igual. Mas ele destacou que só o fato de esses governantes precisarem apelar para um discurso progressista é um sinal de mudança dos tempos. “Collor e Fugimori não precisaram disso”, exemplificou.



Outro bloco de países latino-americanos é formado, hoje, segundo Néstor, por Cuba, apesar de não estar no seu melhor momento, Venezuela, que ele acredita que tem em curso um programa de reformas realmente radicais, e Bolívia, que também estaria passando por mudanças profundas, embora com um movimento híbrido, que mais se aproxima da busca de um capitalismo autônomo.



Já o Paraguai, segundo ele, ainda tem muitas dificuldades porque o novo presidente eleito, de esquerda, convive com um Estado ainda tomado pelo partido conservador. “É melhor Fernando Lugo do que o que havia antes, mas ainda há muitos resquícios da tradição”, disse.



Dedicando o final da conferência aos movimentos sociais, ele destacou a Colômbia que, embora, na sua opinião, tenha o governo mais reacionário do continente, tem um forte movimento de luta armada, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Néstor ressaltou também o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), do Brasil, e as vias campesinas, ressaltando que esses movimentos praticam hoje o internacionalismo, pregado por Luiz Carlos Prestes. “Se o capitalismo funciona de forma internacional, a resistência a ele também deve ser internacional”, disse.





Via pacífica ou luta armada





Che Guevara e Salvador Allende foram identificados por Néstor Kohan como expoentes de duas diferentes estratégias de luta pelo socialismo. Enquanto o primeiro optou pela luta armada, o segundo teria apostado nas vias institucionais. “Allende morreu com um fuzil na mão defendendo a legalidade de não ter que usá-lo”, contou, destacando a enorme coerência entre discurso e ação no ex-presidente chileno. Trata-se, na opinião do conferencista, da idéia de que é possível chegar ao socialismo pacificamente. Segundo Néstor, essa é a reatualização da tese de Eduard Bernstein, um revisionista do marxismo, que teria influenciado o pensamento de vários movimentos do século XX, como o governo de Nikita Krushev, na União Soviética, e o eurocomunismo. “Respeitamos muito Allende. Mas, 35 anos depois da sua queda, precisamos rever essa experiência. Porque muito se fala do fracasso da estratégia armada de Che, mas pouco se analisam as conseqüências do caminho seguido por Allende”, disse.



Durante o debate, um chileno que estava na platéia discordou dessa análise que traçaria uma linha 'direta' entre Berstein e Allende. Depois de falar sobre o contexto chileno daquela época, ele defendeu que a principal opção de Allende não foi a via pacífica, mas sim a criação de uma via participativa.





Um convite





Defendendo que a esquerda política institucionalizada não pode se manter separada dos movimentos sociais, Néstor terminou a conferência com um convite: entre os dias 10 e 15 de janeiro de 2009, ele e os companheiros do coletivo Amauta, do qual ele faz parte, junto com vários movimentos organizados, vão fazer uma brigada às regiões que têm os governos mais reacionários da Bolívia, como Santa Cruz de la Sierra.