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Cuba: desafios atuais

Professor cubano faz palestra na EPSJV e fala sobre o contexto atual de seu país.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 02/04/2015 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

 Um panorama atual da situação de Cuba foi o tema da palestra “Cuba: desafios atuais”, apresentada por Jesus Pastor Garcia Brigos, professor do Instituto de Filosofia de Havana e coordenador da Conferência Internacional Karl Marx e os desafios do Século XXI. O evento aconteceu no dia 30 de março, na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV).

Num momento em que os Estados Unidos sinalizam com a possibilidade de normalizar as relações com Cuba, Jesus destacou como um desafio permanente os problemas econômicos causados pelo bloqueio norte-americano, que têm reflexos em setores essenciais como a indústria e a agricultura. Segundo ele, Cuba não produz alimentos suficientes para alimentar sua população e precisa importar alguns alimentos. “Por causa do bloqueio econômico, não conseguimos comprar equipamentos para manter a fertilidade da terra e isso nos fez perder parte da terra”, exemplificou.

Os efeitos principais do bloqueio se fizeram sentir nos anos 1990, com o fim da União Soviética, gerando o que o professor classificou como a maior crise enfrentada pelo país desde a revolução, e que ainda hoje provoca instabilidade econômica. De acordo com Jesus, durante o pior período da crise, o consumo de calorias dos cubanos era igual dos moradores do Haiti, um dos países mais pobres do mundo. A diferença, ressaltou, é que no Haiti alguns comiam muito e a maioria comia pouco, enquanto em Cuba todos comiam pouco. “Todos comiam poucos alimentos, o que nos trouxe problemas de saúde e econômicos. O processo de saída da crise é lento e complexo, mas estamos saindo e nos recuperando”, contou.

Jesus explicou como se dá o processo de participação social em Cuba onde, segundo ele, ao contrário do que diz a propaganda antissocialista, a existência de um único partido não torna o país menos democrático, já que todo cidadão cubano participa das discussões políticas desde seu local de trabalho e moradia, por exemplo. Mas, passados mais de 50 anos da revolução, ele reconhece que esse processo precisa ser aperfeiçoado para garantir uma participação mais efetiva. “Queremos que a sociedade seja cada vez mais dona de sua vida. Todos têm que fazer, não só um grupo eleito para isso. O socialismo é um processo emancipatório social, econômico e político. O conceito de revolução é vital. Se Cuba desaparecer, o socialismo desaparece como nação e uma opção real de mudança, por isso, temos que defender o socialismo cubano”, disse.

O professor contou que, atualmente, o governo cubano está permitindo a criação de negócios privados de cubanos, mas controlando de forma a garantir que essas pequenas empresas não reproduzam formas capitalistas de produção. “O que podemos fazer é mudar a forma de organizar nossa produção sem que isso fique como no capitalismo, mas temos que fazer isso com cuidado porque precisaremos inventar essa forma. Não podem ser relações de exploração como nos países capitalistas. No capitalismo, sempre vai haver pobres e ricos e no socialismo não. Se perdermos o socialismo, perdemos Cuba”, alertou.

Relação com os EUA

Para Jesus, a intenção dos Estados Unidos de normalizar as relações com Cuba é uma vitória para o país socialista. “Mesmo com 57 anos de guerra econômica, os Estados Unidos não conseguiram derrubar a revolução cubana e agora estão tentando de outro jeito, normalizando as relações com Cuba. Mas não podemos achar que vai ser fácil, temos carências e dificuldades. Os cubanos estão convencidos que não podem renunciar ao socialismo”, observou ele.

Entre as vantagens da aproximação com os Estados Unidos, Jesus cita a volta das relações diplomáticas. “É mais fácil discutir alguma coisa quando há alguma relação diplomática e uma comunicação direta. Com isso, podemos ter relações civilizadas. Outra vantagem é econômica. No caso da importação de alimentos, por exemplo, compramos arroz da China, mas o navio que entra em Cuba, não pode ir para os Estados Unidos por seis meses. Com isso, tem que voltar vazio para o seu país e nós temos que pagar em dobro, a vinda e a volta. E Cuba já perdeu milhões de dólares com isso”, contou o professor.

Na área de saúde, ele aponta como vantagem ter acesso a equipamentos médicos de alta tecnologia. “É benéfico inclusive para os Estados Unidos, que também poderão vender para Cuba”, destacou Jesus.

Poder popular

Segundo Jesus, em Cuba, tudo é debatido com a população. “Chamam nosso regime de totalitário porque só temos um partido, mas tudo é discutido com a população. O que nos une está acima do que nos diferencia. Na crise dos anos 1990, por exemplo, em vez de o governo anunciar um pacote de medidas, o governo debateu com a população que medidas seriam tomadas”, contou.

De acordo com o professor, o poder popular é a forma como está organizado o sistema estatal cubano, que é estruturado em três níveis – municipal, provincial (correspondente ao estadual) e nacional. “Todos os representantes são eleitos. “Hoje, o presidente é Raúl Castro, mas ele não tem poder pessoal. As decisões são tomadas pelo Conselho de Estado, que é formado por 31 deputados”.

Questionado sobre a liberdade de expressão e imprensa em Cuba, Jesus afirmou que o país tem um grande número de publicações e rádios e que ninguém está impedido de publicar críticas à sociedade cubana. “A blogueira Yoani Sánchez, por exemplo, entra e sai do país a hora que quer. Vai a todos os países falar mal de Cuba e vive sem trabalhar porque recebe dinheiro dos Estados Unidos”, explicou.

Sobre o acesso à internet, Jesus disse que o país tem dificuldades pelo fato de os cabos e satélites existentes não poderem ser usados por Cuba por serem de propriedade dos Estados Unidos. “Queremos que todos tenham acesso à internet, mas precisamos ter recursos para isso. Se acabar o bloqueio americano, poderíamos ter acesso melhor à internet. Nas universidades, por exemplo, os alunos têm acesso, mas não é tão rápida como aqui. Queremos que todos tenham acesso, mas não a uma internet de alienação, que as pessoas não se comunicam mais pessoalmente”, ressaltou o professor.

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