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Despesa estatal e a PEC 241: o campo de batalha dos interesses de classe

Assunto foi tema da aula inaugural da segunda turma do Mestrado em Educação Profissional em Saúde da EPSJV, voltado para trabalhadores das ETSUS
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 01/12/2016 12h57 - Atualizado em 01/07/2022 09h45
Foto: Maycon Gomes

‘Despesa estatal e a PEC 241: o campo de batalha dos interesses de classe’ foi o tema da aula inaugural do Mestrado Profissional em Educação Profissional em Saúde, no dia 28 de novembro, na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). A nova turma é formada por trabalhadores de Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (ETSUS) das regiões Norte, Centro-Oeste e São Paulo.

A aula foi apresentada por Carlos Otávio Ocké Reis, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres), que lembrou que a Constituição Federal de 1988 foi desenhada para colaborar com o combate à desigualdade social. “Depois da Ditadura Militar, em que o Brasil conseguiu taxas de crescimento elevadas, naquele modelo autoritário, ainda assim, persistia um alto grau de desigualdade na sociedade brasileira. Então, a Constituição foi desenhada para atacar a desigualdade, por meio do crescimento econômico e dos gastos e políticas sociais. A Constituição cidadã tinha como pressuposto o alargamento dos direitos sociais na sociedade brasileira”, destacou ele e acrescentou: “Mas, a partir de 2018, infelizmente, se aprovada a PEC 55 (ex-241), isso vai ter impacto direto sobre o desenho definido na Constituição de 1988, contra a desigualdade e em favor do direito de inclusão à saúde”.

Do ponto de vista da saúde, segundo Carlos Ocké, outro elemento fundamental foi escrever na Constituição que a saúde é um direito de todos. “Esse avanço não é uma questão menor! Ainda hoje, o modelo norte-americano, basicamente organizado pelo mercado, tinha, antes do Obama care, 50 milhões de pessoas que estavam fora do sistema porque não tinham renda suficiente. O Brasil, um país de capitalismo periférico, ainda assim, produz uma lei que garante saúde para todos, independentemente da condição de renda das pessoas. E essa ideia, extremamente avançada, está em jogo hoje com a PEC 55”, disse.

Outro aspecto importante da Constituição Federal apontado por Carlos Ocké é que a base de financiamento da seguridade social foi definida em cima do lucro líquido das empresas e sobre a folha de salário, que era a base do financiamento do modelo do Inamps. Mas, nos anos 1990, com a ascensão de um governo de orientação social democrática e com uma política neoliberal, aconteceram dois fatos importantes. Segundo Carlos Ocké, os 30% do Orçamento da Seguridade Social que seriam canalizados para a saúde nunca foram e, em 1993, com a crise da Previdência, uma das fontes de financiamento que era fundamental para o SUS, a folha de salários, ficou exclusivamente para a Previdência. “Boa parte dos problemas de gestão do SUS, hoje, decorrem de seus problemas de financiamento. A garantia de um sistema universal de saúde de qualidade precisa de financiamento. Se o sistema de saúde é subfinanciado, é claro que ele vai apresentar problemas. O problema do subfinanciamento é um problema estrutural do SUS”, destacou.

Dando um salto para o ano 2000, Carlos Ocké falou sobre os modelos de financiamento do SUS. Segundo ele, o Brasil aplica 4% do PIB em Saúde e 8% do PIB considerando gasto público e gasto privado. “Varia entre 55% setor privado e 45% setor público. Esse mix de gasto total de saúde pública e privada é característico de países que têm o poder privado, como é o caso do norte-americano. Então, na verdade, a nossa imagem-objetivo seria fortalecer o gasto público em detrimento do gasto privado, que estabelece uma relação parasitária com o SUS, que socializa os custos do funcionamento do setor privado”.
Ele explicou que, no ano 2000, foi definido que o investimento do Governo Federal em saúde seria a despesa empenhada no ano anterior atualizada pela variação nominal do PIB. “Então, você teve um avanço porque se tentou jogar o gasto público em saúde para frente, regulamentando o que não foi regulamentado na Constituição de 1988. Definiu-se melhor o esforço das ações de serviço público de saúde mas, por outro lado, não houve, digamos assim, uma prioridade que levasse o apoio à radicalização dos pressupostos funcionais do SUS”, disse.

Já em 2014, começa a ser discutida uma proposta de mudança na Emenda Constitucional 29 (EC 29), que aumentaria a participação da União saindo do modelo de variação nominal do PIB para 10% da receita corrente bruta. Essa proposta não foi aprovada e, em seu lugar, foi votada, em 2015, a EC 86. “Em 2000, nós vinculamos o financiamento do SUS ao PIB. Em 2015, vinculamos à receita corrente líquida. E, com a PEC 55, quer se vincular, entre aspas, o financiamento do SUS à taxa de inflação oficial medida pelo IPCA. A PEC 55 dialoga com a EC 86, que foi aprovada em 2015 e mudou a base de cálculo do PIB para a receita corrente líquida”, explicou.

Segundo Carlos Ocké, o principal objetivo da PEC 55 é desvincular o orçamento da saúde e da educação do PIB. “A longo prazo, a população vai crescer. Então há uma tendência de o gasto público per capita, portanto, diminuir em relação ao PIB. Você tem crescimento populacional, envelhecimento populacional, que vai aumentar a pressão sobre o serviço de saúde. A gente já está num quadro de sub financiamento do SUS. A PEC 55 tem como pressuposto o desmonte do SUS, a privatização do sistema, e a piora das condições de saúde da população”, concluiu.

Turma RET-SUS

A segunda turma do Mestrado Profissional em Educação Profissional em Saúde é formada por 23 trabalhadores de Escolas Técnicas do SUS. O objetivo é formar trabalhadores docentes para o fortalecimento do SUS.

Assim como aconteceu com a primeira turma, formada por trabalhadores das ETSUS do Nordeste, o mestrado será realizado na modalidade concentração e dispersão, com aulas na sede da EPSJV, no Rio de Janeiro. Cada bloco de aulas terá 15 dias de duração, seguido de um período de dispersão, no qual os trabalhadores voltam para suas escolas e realizam os trabalhos propostos durante o período de concentração. A previsão é que o curso seja concluído em 2018, quando os estudantes apresentarão suas dissertações.

As despesas com deslocamento e diárias dos alunos da Turma RET-SUS, durante o período do curso, serão custeadas com recursos provenientes da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (SGTES).

Comentários

Oportuna, exposição excelente.