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EPSJV e ENSP lançam manual para atendimento de indígenas contaminados por mercúrio

Publicação inédita traz diretrizes para equipes de saúde em territórios afetados pelo garimpo
Giulia Escuri - EPSJV/Fiocruz | 19/05/2025 13h47 - Atualizado em 19/05/2025 13h48

Um manual técnico voltado ao atendimento de indígenas expostos ao mercúrio no Brasil será lançado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), em parceria com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI/MS). A cerimônia de lançamento acontece no próximo dia 28 de maio, na Casa Civil, em Brasília, e será transmitida on-line para quem se inscrever previamente. O documento já está disponível gratuitamente na Biblioteca Virtual do Ministério da Saúde.

Coordenado por Ana Claudia de Vasconcellos, professora-pesquisadora da EPSJV, o projeto foi desenvolvido ao longo de dois anos e contou com a coordenação adjunta de Paulo Cesar Basta (ENSP/Fiocruz) e a participação de outros pesquisadores. O manual tem como objetivo orientar o trabalho das Equipes Multiprofissionais de Saúde Indígena (Emsi) do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), em territórios afetados pelo garimpo.

Além da distribuição de mil exemplares impressos, estão previstos treinamentos para esses profissionais de saúde. Nessa fase inicial, serão priorizados quatro Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs): Yanomami; Rio Tapajós, que atende à população Munduruku; Caiapó; Amapá e Norte do Pará.

Orientação técnica

A coordenadora do projeto destaca que, “apesar de a contaminação por mercúrio decorrente do garimpo ser antiga, o manual é inédito”. Ela complementa: “Esse manual técnico é um protocolo bem abrangente, porque inclui todos os profissionais que trabalham em unidades básicas de saúde indígena, desde o médico ao Agente Indígena de Saúde”, diz Ana Claudia.

O documento também aborda dois públicos afetados pela substância: os indígenas, que ingerem mercúrio principalmente por meio do consumo de peixes contaminados, e os trabalhadores do garimpo. “Estamos contemplando no manual dois tipos principais de contaminação: a via pescado, contaminado por mercúrio, que abrange toda a comunidade indígena, e os profissionais que trabalham no garimpo de ouro, que podem se contaminar ao inalar vapores de mercúrio durante o processo de extração”, explica Ana Claudia.

Nesse sentido, o manual orienta os profissionais de saúde sobre como agir ao identificar casos de contaminação. “Acolher as pessoas, dosar os níveis de mercúrio em biomarcadores humanos — que podem ser cabelo, sangue ou urina — e garantir que recebam um tratamento adequado, que vai desde a orientação nutricional, indicando quais tipos de peixe podem ser consumidos e quais devem ser evitados, até o estímulo ao consumo de castanha-do-pará, rica em selênio, um elemento com efeito protetor contra os efeitos tóxicos do mercúrio”, explica Ana Claudia. A pesquisadora também alerta que, nos casos mais graves, essas pessoas devem ser encaminhadas ao hospital para que recebam atendimento especializado.

Devolutiva da pesquisa

O garimpo, que consiste na extração de pedras e metais preciosos, como ouro e diamante, é uma prática que causa fortes impactos ambientais. “O garimpo de ouro na Amazônia começou nas décadas de 1960 e 1970. Mas, quando passei a trabalhar em terras indígenas da região e tive contato com a comunidade indígena e com os profissionais de saúde que atuavam ali, percebi que as pessoas não tinham consciência do problema da contaminação por mercúrio”, relembra Ana Claudia.

A partir da vivência da coordenadora do projeto, surgiu a ideia de elaborar o manual. “Tanto a comunidade indígena desconhecia o problema e suas consequências quanto os próprios profissionais de saúde, inclusive médicos da região, não reconheciam os sinais e sintomas da contaminação humana por mercúrio”, relata Ana Claudia.

O manual também representa uma forma de devolutiva às populações que participam de pesquisas sobre o tema desde 2018. “Não adianta ir ao território, fazer um trabalho de investigação e depois não dar um retorno à comunidade, não explicar o que ela está enfrentando”, afirma.

Ana Claudia acrescenta: “Não conseguimos reduzir os efeitos práticos da contaminação, mas podemos apoiar os profissionais de saúde por meio de treinamentos, ajudar os professores indígenas a entenderem a questão e trabalharem com seus alunos. Porque, levando informação, as pessoas conseguem lutar pelos seus direitos”.