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EPSJV inicia formação inédita para doulas

Curso de Qualificação Profissional de Doula irá formar 35 profissionais para que possam dar suporte físico e emocional a mulheres grávidas antes, durante e no pós-parto
Portal EPSJV - EPSJV/Fiocruz | 25/10/2018 08h48 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

Em 2003, Denise Chatack, moradora do Mandela, comunidade localizada no entorno da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro (RJ), sofreu violência obstétrica durante o parto. O desejo de que outras mulheres não passem por esse sofrimento e a busca por conhecimento no cuidado e atenção a gestantes a motivou, 15 anos depois, a fazer o Curso de Qualificação Profissional de Doula. A iniciativa – uma parceria entre a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), o Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) e a Associação de Doulas do Rio de Janeiro (Adoulas-RJ) – irá formar 35 doulas para que possam dar suporte físico e emocional a mulheres grávidas antes, durante e no pós-parto. A formação, inédita no Brasil pelo caráter público e com práticas supervisionadas, foi viabilizada por meio de uma emenda parlamentar. "Engravidei aos 23 anos e, com sete meses de gravidez, entrei em trabalho de parto. Procurei mais de cinco hospitais antes de conseguir vaga. Quando consegui, sofri muito. A médica falou que eu não podia gritar e nem chorar de dor, que ela iria me cortar e que depois eu fizesse uma plástica", contou Denise, a primeira inscrita no curso, acrescentando: "Quando minha filha nasceu, algumas doulas me ajudaram na amamentação. Quero poder ajudar a minha comunidade, ajudar outras mulheres a terem um parto humanizado”. A aula inaugural do curso aconteceu dia 20 de outubro, com a presença de Silvana Granado, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), e Maria de Lourdes da Silva Teixeira , a Fadynha, primeira doula brasileira.

Na mesa de abertura, Carlos Maurício Barreto, vice-diretor de Ensino e Informação da EPSJV, ressaltou o protagonismo dos movimentos sociais que, segundo ele, são indispensáveis à confirmação de um tipo de país generoso e solidário, que nenhuma forma de totalitarismo conseguirá sufocar ou exterminar. E a importância de instituições e movimentos sociais estarem juntos na conjuntura atual. “Creio que temos uma coisa central em comum: a ideia de que a Escola, em um mundo que ainda apresenta tantas distorções em relação às possibilidades de desenvolvimento social, continua tendo um papel fundamental de existência. Nós, representantes da Fiocruz, queremos indicar o lugar da ciência e das instituições de ensino como patrimônio e proteção da vida social. Que continuemos a trabalhar pela educação universal, pública, laica e acolhedora das diversidades”, disse. “Contribuir para a saúde e empoderamento da mulher é uma oportunidade de consolidar a nossa missão institucional”, acrescentou Fábio Russomano, diretor do IFF.

Em 2013, o trabalho das doulas foi incluído na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). No estado do Rio de Janeiro, a entrada das doulas em todas as maternidades públicas e privadas passou a ser garantida em lei (nº 7.314) no ano de 2016. No município do Rio de Janeiro, isso foi regulado por lei em 2017. A partir da aprovação do direito às mulheres serem acompanhadas por doulas, Morgana Eneile, presidente da Adoulas-RJ, contou que a associação passou meses pensando em uma matriz curricular para uma formação, que depois recebeu contribuições da Escola Politécnica. “Pensamos na matriz a partir das nossas ausências, colocamos no papel tudo que nos fez falta como profissionais. Vocês terão os melhores especialistas nos seus ramos”, afirmou. Benedita da Silva (PT-RJ), deputada federal responsável pela emenda parlamentar que viabilizou o curso, reafirmou o compromisso de continuar mandando emendas para o projeto de formação de doulas. 

O Curso

O Curso de Qualificação Profissional de Doula, com carga horária de 240 horas, é divido em três módulos – A Doula e a Realidade Obstétrica Brasileira; Aspectos biopsicossociais do ciclo gravídico-puerperal e A atuação da Doula. O curso envolverá ainda três práticas supervisionadas que serão realizadas em parceria com o IFF/Fiocruz e com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

Com esta iniciativa, a expectativa é que a formação entre, em breve, para o Catálago de Cursos do Ministério da Educação (MEC), que, para incluir uma nova formação, exige que tenham sido realizadas, no mínimo, três experiências na rede pública, com carga horária mínima de 180 horas. Uma iniciativa semelhante já foi realizada pelo Instituto Federal de Brasília (IFB), mas sem o formato de práticas supervisionadas.

‘Nascer no Brasil’

Silvana Granado, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), falou sobre a pesquisa ‘Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre o parto e nascimento’, um estudo nacional de base epidemiológica que buscou mostrar a decisão das mulheres pelo tipo de parto, revelando dados como o número excessivo de cesarianas feitas em território nacional, o percentual de mulheres que desejaram parto normal no início da gestação e o tipo de parto mais realizado em adolescentes. A pesquisa foi realizada em 2012, em 266 hospitais de 191 diferentes municípios e quase 24 mil puérperas foram entrevistadas.

Do total de 23.894 partos estudados na pesquisa, 52% foram cesarianas, sendo 46% no setor público e 54% no setor suplementar. Segundo Silvana, já está bem estabelecido na literatura científica que a cesariana aumenta o risco de morbidade respiratória leve e grave, aumenta também o risco de internação em unidades de terapia intensiva e óbito. “Para a mulher, a cesariana também é um fator de risco bem estabelecido para ocorrência de hemorragia, infecção e óbito materno e nas gestações subsequentes para o desenvolvimento de uma placentação anormal e ocorrência de óbito fetal”, destacou.

Silvana apontou que o excesso de cesarianas sem indicação, além de intervenções desnecessárias no parto vaginal, tem transformado o nascimento no Brasil muito pouco natural. “Isso tira da mulher seu protagonismo, gerando o medo de parir. Temos um modelo de atenção ao parto vaginal extremamente medicalizado. No parto, ainda fazemos corte cirúrgico e a manobra de Kristeller, que consiste na aplicação de pressão na parte superior do útero com o objetivo de facilitar a saída do bebê. Esses procedimentos sem indicação causam dores e sofrimentos desnecessários”, lamentou.

História da Doula

Pioneira no trabalho de doula no Brasil, Maria de Lourdes da Silva Teixeira, a Fadynha, prepara grupos de casais grávidos com método próprio de Yoga desde 1978, com trabalho corporal-respiratório, acompanhado toda a parte informativa. Ela já acompanhou centenas de partos particulares, domiciliares, hospitalares e não-hospitalares, dando assistência à grávida no trabalho de parto com técnicas do yoga, respiração, cromoterapia, musicoterapia, hidroterapia, florais, fitoterapia e outras técnicas não farmacológicas. “A doula sempre existiu, mas no início era a amiga, a vizinha...”, contou, falando sobre sua experiência: “Comecei com a yoga para gestantes, depois veio o trabalho de preparação para o parto. Daí, as grávidas começaram a me procurar e pedir que eu acompanhasse o parto delas. Nessa época, eu divulgava meu trabalho como ’acompanhante de parto’. Atuávamos eu e um obstetra e tínhamos muitos partos domiciliares. Além disso, eu promovia seminários, palestras e congressos que contavam com a participação de pessoas do Brasil inteiro”.

Fadynha relembrou que foi na década de 1990 que ela se deu conta de que era uma doula: “Nos Estados Unidos, começaram a chamar a mulher que acompanha o parto de doula. E a maior parte do mundo começou a adotar o nome. Uma vez um médico me disse: ’Você é doula’. Eu nunca tinha ouvido essa palavra, mas eu disse: ’Então tá, sou doula’”.

Segundo Fadynha, foi também nos anos de 1990 que a massificação dos planos de saúde mudou o cenário. “A população em geral aderiu aos planos e houve um ’boom’ das cesarianas nesse período. Foi em um processo de enfrentamento que criamos, em 1993, a Rede pela humanização do parto e do nascimento – a Rehuna. E muitas leis foram aprovadas através dessa rede, como a lei que permite a presença de um acompanhante durante o parto”, comemorou e concluiu: “A função da doula é estar ali no momento mais especial da vida de uma mulher, criando condições e apoiando-a para que ela tenha um parto bom e humanizado. A doula faz com que a memória do parto seja a melhor possível para a mãe”.

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