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Escola Politécnica promove evento para comemorar 23 anos do Observatório dos Técnicos em Saúde

Reunindo pesquisadores da EPSJV, da Fiocruz, do Ministério da Saúde e de outras instituições, o evento também contou com o lançamento do novo site do OTS
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 30/11/2023 12h20 - Atualizado em 30/11/2023 14h14

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) comemorou, no dia 27 de novembro, os 23 anos do Observatório dos Técnicos em Saúde (OTS) em um evento que apresentou o novo site do OTS e reuniu pesquisadores de diferentes instituições e representantes do Ministério da Saúde em uma manhã de debates sobre a formação técnica em saúde.

Na mesa de abertura, estiveram presentes a consultora nacional da Coordenação de Sistemas e Serviços de Saúde e Capacidades Humanas para a Saúde, do Escritório da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) no Brasil, Mônica Durães; a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), do Ministério da Saúde, Isabela Pinto; a vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Machado; a coordenadora do Programa de Políticas Públicas e Modelos de Atenção e Gestão à Saúde, representando a Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz, Isabela Santos; a diretora da Escola Politécnica, Anamaria Corbo; a coordenadora do OTS e professora-pesquisadora da EPSJV, Márcia Valéria Morosini; o vice-presidente do Sindicato Municipal dos Agentes Comunitários de Saúde do Rio de Janeiro (Sindacs-RJ), Wagner de Souza; e a diretora de Formação e Pesquisa da Associação de Doulas do Rio de Janeiro (Adoulas-RJ), Tarciane Ornelas, que também atua na coordenação do curso de doulas da EPSJV.

Em sua fala, Isabela Pinto reforçou o apoio e o compromisso da SGTES com a valorização da Educação e do Trabalho e, mais especificamente, na pauta da formação técnica. Ela destacou ainda que o Observatório dos Técnicos em Saúde tem um importante papel na produção, divulgação e disseminação de conhecimento sobre a formação de técnicos em saúde. “O OTS constitui uma estratégia importantíssima para essa capilarização do conjunto de formações que estão sendo produzidas em rede e para os diversos dispositivos que podemos utilizar por meio do Observatório, tanto no que tange à pesquisa, quanto ao ensino, à cooperação e ao fortalecimento dessa formação”, afirmou.

Márcia Valéria falou sobre a missão do OTS que, segundo ela, é a única estação de trabalho integrante da ObservaRH do Ministério da Saúde e Opas dedicada à formação de técnicos em saúde. “Nossa missão é produzir pesquisas e disseminar conhecimento sobre o trabalho e a formação dessas trabalhadoras e trabalhadores da saúde e o nosso compromisso ético-político é com essa importante fração da classe trabalhadora brasileira que é fundamental para que se realize o direto à saúde”, ressaltou e acrescentou: “Temos a consciência de que somos uma escola voltada para a educação de trabalhadores que são, na sua maioria, mulheres e mulheres negras. A nossa janela para a sociedade – que é o nosso site – quer expressar isso e quer expressar também o caminho que temos buscado trilhar de produzir conhecimento com e, não, somente para as trabalhadoras e os trabalhadores técnicos”, acrescentou.

Wagner enfatizou que a valorização dos profissionais perpassa pela formação e, justamente por isso, agradeceu à Escola Politécnica pelo respeito à categoria dos ACS. “Essa instituição trouxe ferramentas para que nós, agentes comunitários de saúde, nos sentíssemos como profissionais de saúde. É muito gratificante o reconhecimento que vocês têm com os agentes e com todos os outros técnicos”, disse.

Tarciane também falou sobre a importância da Escola Politécnica na formação de trabalhadores de nível médio, mais especificamente, na de doulas: “Quando apenas mulheres que têm dinheiro para pagar a sua formação se formam como doulas, elas saem e entram no mercado para atender mulheres que podem pagar pelo serviço delas. Quando formamos mulheres pretas, pobres e periféricas, elas voltam para os seus territórios e mudam a história do nascimento de muitas famílias. Precisamos que um parir digno e respeitoso seja acessível a todas as pessoas e que a saúde seja um direito de todo, desde a formação, vide o curso de doulas da EPSJV que é referência nacional”.

Anamaria destacou que a comemoração é mais que o lançamento do site novo, “é a retomada do trabalho do OTS”. “Estamos celebrando a importância e a retomada do trabalho desse observatório", apontou, relembrando que, nos últimos anos, a Rede de Observatórios ficou sem financiamento, o que trouxe, segundo ela, muitos prejuízos e dificuldades: “Sabemos que determinadas ações devem ser induzidas pelo Ministério da Saúde, porque são fundamentais para pensarmos em políticas de formação e nos últimos anos não tivemos esse incentivo”.

Anamaria falou ainda sobre a importância do OTS: “É um fundamental um observatório que se dedique a produzir conhecimento sobre a maior parcela de trabalhadores da saúde do país. Por isso, ficamos felizes com o apoio do SGTES e do Ministério da Saúde no fortalecimento da Educação Profissional. E o nosso papel é trazer subsídios para que a políticas voltadas para a formação desses trabalhadores deem conta do desafio histórico colocado para todos nós”.

Para Cristiani, os técnicos em saúde são a base do funcionamento dos sistemas de saúde. “Eles são o alicerce do trabalho de cuidado que oferecemos à população. Não adianta termos médicos e enfermeiros bem formados, se não tivermos os técnicos na base dando sustentação e provendo cuidado no cotidiano”, afirmou. Ainda na visão dela, o OTS tem relevância por dar visibilidade ao trabalho desses técnicos e ajudar a identificar lacunas, desafios e questões que tragam subsídios para promoção de políticas públicas. “Para fortalecermos os processos de formação, de valorização e incentivo à pesquisa em parceria com as escolas técnicas e as escolas de saúde pública e para dar respostas às necessidades do SUS”, acrescentou.

Para Isabela Santos, relançar o site do OTS no momento de reconstrução do país é a prova do Estado brasileiro investindo no que é público. “O OTS fala do trabalho do técnico, que é a maior parte dos trabalhadores do SUS e que, no Brasil, são pessoas que, de fato, representam a maior parte da população. Não é para os 4% mais rico, é feito para a maioria da população, para esse público e com esse público”, ressaltou.

Encerrando a mesa de abertura, Mônica Durães falou sobre a importância da Escola Politécnica na formação dos técnicos. “A Escola é centro colaborador da OMS para a educação de técnicos em saúde e conduz a Rede Internacional de Educação de Técnicos em Saúde. É a nossa referência”, afirmou e acrescentou: “Estamos juntos com vocês e com a SGTES na retomada da agenda da educação profissional, que estava adormecida. Mais do que pensar em grandes estruturas, precisamos pensar na qualidade da formação”.

Desafios e agenda política

Na sequência, aconteceu a mesa temática “Desafios e agenda política da educação e do trabalho das(os) técnicas(os) no SUS”, que contou com a mediação da vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da EPSJV, Mônica Vieira. “Hoje é muito mais do que o lançamento de um site, que por si só é muito importante, mas é um (re)observar, observar de um outro jeito a complexidade da vida, do que é ser trabalhador técnico no país e tentar perseguir as grandes questões que esses trabalhadores nos diziam, mas que talvez não tivéssemos lentes suficientemente sensíveis para captar e acompanhar. Então, esse acompanhamento firme das trajetórias e lutas é algo que já nos era dito, mas que o OTS veio caminhando para assumir a centralidade do que esses trabalhadores nos diziam”, afirmou Mônica, ao iniciar a mesa.

Em seguida, a professora-pesquisadora da EPSJV, Ialê Falleiros Braga, apresentou dados do OTS sobre a formação e o trabalho das(os) técnicas(os) em saúde no Brasil. “Entendemos que o universo de trabalhadores técnicos é mais abrangente do que simplesmente trabalhadores que possuem o nível técnico. Apoiamos uma concepção ampliada. São trabalhadores com escolaridade variada - ensino fundamental, médio e superior - e formação profissional técnica ou Superior em Tecnologia, ou ainda com saberes adquiridos no e pelo trabalho”, apontou.

Ainda segundo Ialê, o compromisso ético-político do OTS é “dar visibilidade a uma força de trabalho pouco vista, menos valorizada, mas que cumpre um papel fundamental nas várias frentes da saúde: atenção, vigilância, diagnóstico, manutenção, dentre outros”. “No Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos são 31 habilitações técnicas do eixo Ambiente e Saúde. Em relação aos vínculos de trabalho desses profissionais, 86% dos técnicos atuam no SUS, enquanto 14% atendem em estabelecimentos não SUS. Já em relação à formação desses trabalhadores, contraditoriamente, 80% das matrículas estão na rede privada, enquanto apenas 20% na rede pública”, ressaltou.

“A precarização se distribui desigualmente, incidindo de modo pior para as frações da classe trabalhadora mais empobrecidas. Não existe capitalismo sem precarização do trabalho. É condição de sustentação e desenvolvimento dessa formação social”, comentou Márcia Valéria Morosini ao mostrar os resultados parciais da pesquisa “Desafios do Trabalho na Atenção Primária à Saúde na Perspectiva dos Trabalhadores”. “Nos cinco municípios que estudamos – Porto Alegre (RS), Palmas (TO), Rio de Janeiro (RJ), Recife (PE) e Salvador (BA) - , constatamos uma grande variedade de modalidades de contratação, de estatutários a autônomos e bolsistas, e níveis diferentes de estabilidade e segurança. A diversidade é maior entre categorias profissionais de nível superior - médicas(os) e enfermeiras(os) - e varia também entre os tipos de equipe, com maior variação nas equipes de Saúde da Família”, relatou. Márcia Valéria seguiu apontando algumas constatações: “O mercado descobriu a Atenção Básica e ela tem se convertido em nova frente de expansão do capital, tornando-se alvo de medidas que buscam viabilizar a ampliação das práticas mercantis na APS brasileira”.

Lívia Mello, da Coordenação-Geral de Ações Estratégias de Educação na Saúde, falou sobre a agenda política do Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DEGES/SGTES) para o campo da educação profissional em saúde no SUS. “Está em disputa uma concepção de educação em que recolocamos a educação popular, a educação permanente, de trabalhadores do SUS não nos marcos de 1920, do Relatório Flexner, mas sim no marco de uma educação crítica. União e reconstrução passam por reconstruir a democracia e por uma concepção de trabalho, de educação e de saúde imbricadas nessa concepção de democracia”, ponderou.

Ainda na visão de Lívia, o OTS cumpre um papel de reorientação de políticas públicas: “Temos uma agenda intensa e desafiadora para ser construída com o Ministério da Educação. Retomamos a comissão interministerial e negociamos de abrir ainda esse mês um caminho para retomada da Subcomissão para discutir a formação técnica junto ao MEC e esperamos contar com vocês do OTS e dessa instituição que tem muito a contribuir conosco”.

Érica Cristina Silva Bowes, coordenadora-geral de Gestão e Valorização do Trabalho na Saúde do Departamento de Gestão e Regulação do Trabalho em Saúde (Degerts/SGTES), falou sobre as iniciativas da área sobre a qual é responsável. “É necessário que a gente saiba que o processo de educação deve olhar as necessidades do trabalho na saúde. Uma educação que seja voltada para o fortalecimento do SUS, de uma saúde pública e universal. É por isso que apontamos a necessidade de construir uma Política Nacional de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde de forma articulada. É preciso pensar essas áreas de forma articulada para produção de sentidos e reencantamento do concreto dos trabalhadores da saúde”, adiantou, complementando: “A saúde é feita por gestores, trabalhadores, controle social e instituições de ensino. Estamos abertos para o processo de construção, articulados com as instituições formadoras e acadêmicas, faremos isso juntos”.

Compartilhando experiências

A diretora de Formação e Pesquisa da Associação de Doulas do Rio de Janeiro (Adoulas-RJ), Tarciane Ornelas, que também atua na coordenação do curso de doulas da EPSJV, contou sua experiência como doula. “Nós, doulas, por não termos uma regulamentação, somos autônomas, ou seja, vamos de um a um pedindo ’por favor, me contrate’. Isso gera uma confusão com o empreendedorismo e é assim que a maioria dos cursos privados vendem a formação das doulas. Eles pregam ’venham ser doulas, para ganhar uma renda extra, dona do seu próprio tempo’”, comentou.

Tarciane falou ainda sobre a importância da doula: “Pesquisas evidenciam que mulheres pobres, pretas e periféricas sofrem mais violências e estão sujeitas à mortalidade materna e neonatal. E nós temos uma trabalhadora que pode ser agente de transformação para esse cenário: a doula. A EPSJV tem um curso de qualificação e atualização profissional para doulas. Estamos atentas, fortes e organizadas para levar uma formação de qualidade”.

O vice-presidente do Sindicato Municipal dos Agentes Comunitários de Saúde do Rio de Janeiro (Sindacs-RJ), Wagner de Souza, concluiu a mesa falando sobre sua categoria. “O ACS luta para sobreviver dentro de uma equipe de família. Muitas das vezes, ele não tem voz. E quando ele tem uma boa formação, ele consegue ter voz, porque ele sabe seus direitos, seu lugar, sabe o que é ser um profissional de saúde. Mas muitos não têm a bagagem que uma formação técnica pode trazer”, lamentou.

Por fim, Wagner comentou sobre a falta de trabalhadores críticos que tenham passado por uma formação de qualidade: “A formação técnica é importante para que o trabalhador possa se entender no meio, para que compreenda que é possível ser um profissional com pensamento crítico e que pode mudar a realidade de onde mora e atua. Um profissional pensante”.