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Escola Politécnica realiza 1º Seminário do Comitê de Ética em Pesquisa

O objetivo do encontro foi discutir os desafios e possibilidades da Ética em Pesquisa frente às Tecnologias Digitais
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 17/09/2025 15h19 - Atualizado em 17/09/2025 15h29

As tecnologias digitais têm transformado profundamente a forma como o conhecimento científico é produzido, compartilhado e compreendido pela sociedade — e com essas mudanças, emergem novos e complexos desafios éticos. Atenta a essa realidade, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) realizou, no dia 11 de setembro, o 1º Seminário do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da EPSJV. O encontro teve como objetivo central discutir os desafios e possibilidades da Ética em Pesquisa frente às Tecnologias Digitais e reuniu Jennifer Salgueiro, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz) e coordenadora do Fórum de CEP da Fiocruz; e Simone Borges, integrante da Coordenação do Sistema de Integridade da Fiocruz, sob mediação de Laurinda Maciel, vice-coordenadora do CEP-EPSJV/Fiocruz.

Abertura

Na mesa de abertura, estiveram presentes representantes de diferentes unidades da Fiocruz: Érica Lopes, representando a Vice-direção de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da EPSJV; Renata Gracie, vice-diretora de Pesquisa do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict); Dominichi de Sá, vice-diretora de Pesquisa e Educação da Casa de Oswaldo Cruz (COC); e Sérgio Ricardo, coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da EPSJV.

Em sua fala, Dominichi de Sá destacou o papel das Ciências Humanas e Sociais, que se revela cada vez mais estratégico para compreender e orientar os rumos da produção científica na era digital. “O papel das Ciências Humanas e Sociais é absolutamente crucial no debate das transformações digitais. Nessas discussões tem muitos outros elementos, como a produção intelectual, a produção do conhecimento científico, autoria, reprodutibilidade, divulgação dos resultados, comunicação com a sociedade, linguagens utilizadas... é uma agenda muito robusta, que precisa de muita atenção”, disse.

Renata Gracie saudou a iniciativa do CEP de promover essa discussão, no momento de ampliação de aspectos da saúde digital: “Temos gerado muitos dados, muitas informações, e precisamos pensar sobre o quanto isso pode ter impactos positivos, mas também pode impactar, de forma ruim, a saúde das populações”.

Érica Lopes ressaltou que a velocidade das transformações tecnológicas tem tornado o processamento mais difícil. Segundo ela, a velocidade da informação, da construção do conhecimento e da geração de novas tecnologias é “cada vez mais rápida e assustadora”. “Quando partimos para as Tecnologias da Informação e da Comunicação, temos uma profusão de ferramentas de Inteligência Artificial, que funcionam a base de algoritmos. Nessa hora, precisamos fazer uma reflexão fundamental sobre o fato de que tecnologias não são neutras, são orientadas de acordo com quem desenvolveu", comentou. E acrescentou: “É preciso pensar de que forma e quais estratégias podemos utilizar para fazermos uma construção coletiva não somente da utilização dessas tecnologias, mas também da geração de tecnologias que sejam diversas e inclusivas. Dessa forma, podemos ter tecnologias que, de fato, vão auxiliar na prática em pesquisa sem entrar em conflito com as questões éticas”.

Por fim, Sérgio Ricardo falou sobre a importância do evento, que teve como propósito discutir o uso das novas tecnologias e de que forma as pessoas estão preparadas para dar transparência no processo ético e clareza para a população. “É essencial fazer com que as pessoas entendam o que é o universo da Ciência. Eu fico receoso do quanto vivemos numa bolha, num universo restrito, enquanto as pessoas vivem à margem desse grau de conhecimento. Então precisamos trabalhar mais para dar transparência a essa população”, disse. Ele também lançou o novo website do Comitê de Ética da EPSJV. “É um site mais interativo, com atualização dos documentos e novas áreas”, anunciou, convidando alunos e pesquisadores a acessarem o novo portal.

Desafios e possibilidades

“Há uma grande velocidade de novas tecnologias surgindo em diversas áreas do conhecimento e as reflexões éticas precisam acompanhar esses avanços”, afirmou Jennifer Salgueiro ao dar início a mesa “Ética em pesquisa na era digital: novos desafios". Segundo ela, a análise da ética em pesquisa é focada na relação de riscos e benefícios. “E, pensando nesse paradigma, muda um pouco o olhar que antes era focado aos danos físicos e psicológicos centrados na pessoa, para os riscos de violações à privacidade ou da discriminação algorítmica”, afirmou, acrescentando: “Se antes se fazia uma análise focada no risco do indivíduo, agora quando falamos de grandes bases de dados há um risco mais coletivo".

Ainda de acordo com a pesquisadora, a privacidade é um direito e o pesquisador tem o dever associado de confidencialidade desses dados. “Mesmo que a pessoa tenha disponibilizado a informação, por exemplo, porque colocou em uma rede social, isso não quer dizer que se perde o dever da confidencialidade”, explicou. 

Apesar de uma sociedade mais exposta, continuou Jennifer, existe uma ampliação de tecnologias para aumentar a privacidade, como a Privacy by Design que consiste, segundo ela, em pensar a proteção da privacidade e dos dados pessoais desde a concepção. “Com isso surgem novas profissões, como o engenheiro de privacidade, porque essas grandes bases de dados precisam ter uma maior eficiência nas suas camadas adicionais de privacidade que vão sendo colocadas, ou seja, quanto maior o número de dados que possam ser identificadores, mais ruídos têm que ser colocados naquela programação", destacou.

Para finalizar a sua apresentação, a pesquisadora falou sobre o cuidado que é necessário para armazenar dados de pesquisa e sobre os requisitos de uma análise ética feita por um Comitê de Ética. “Verificar se o tratamento é feito para as finalidades expressas no protocolo de pesquisa, que devem ser legítimas, específicas, explícitas e informadas ao titular; que esse tratamento dos dados seja feito evitando fins discriminatórios, ilícitos e abusivos; e que os dados pessoais dos participantes devem ser tratados o mínimo necessário para a realização da necessidade de pesquisa”, apontou.

Em seguida, Simone Borges falou sobre as implicações éticas do uso de inteligência artificial em pesquisas e na saúde. Segundo ela, há uma explosão no uso de plataformas dessa natureza, como o ChatGPT, que teve seu número de usuários quadruplicado de 2024 para 2025. “Esse tipo de IA generativa é uma das mais utilizadas no mundo, é um modelo de linguagem treinado a partir de um grande volume de dados e sua arquitetura opera por padrões linguísticos, o que significa que não cria ideias genuínas e nem compreende plenamente o contexto específico de cada usuário ou pesquisa”, explicou. Essa característica, na visão da pesquisadora, envolve riscos relevantes, como: “a produção de textos com baixa originalidade, que compromete a qualidade da pesquisa; a uniformização de ideias e argumentos, limitando a singularidade das reflexões; e semelhanças involuntárias, os chamados plágios acidentais que levantam questões de autoria e de integridade”.

Para Simone, plataformas como o ChatGPT podem ser valiosas como ferramentas de apoio e assistentes de escrita acadêmica, entretanto, existe um núcleo criativo e crítico que permanece humano. “É a reflexão singular do pesquisador que assegura a originalidade, a responsabilidade e qualidade intelectual. A escrita acadêmica está no núcleo formativo principal de um pesquisador, considerando o contexto do uso de IAs generativas; ela é o principal meio de comunicação formal do ambiente científico, portanto, adquirir sólidas competências nessa área constitui uma das conquistas mais relevantes na trajetória estudantil”, ressaltou.

A ascensão da IA generativa, continuou, “representa uma força disruptiva na academia, sobretudo, no campo da escrita acadêmica”. “Essas tecnologias estão transformando o engajamento dos estudantes, o que exige novas abordagens pedagógicas orientadas à preservação do pensamento crítico e ao desenvolvimento de habilidades de escrita”, completou.

Para concluir o evento, na parte da tarde, aconteceram três painéis temáticos sobre consentimento e assentimento, uso de dados em pesquisa e coparticipação institucional. Assista ao evento completo em https://www.youtube.com/watch?v=CQr7zuhznls

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