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Evento debate a regulamentação profissional dos Técnicos em Histologia

Encontro na EPSJV mostrou o panorama da profissão no Brasil e em Portugal.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 19/11/2009 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


Com o objetivo de debater a formação e a regulamentação da profissão dos Técnicos em Histologia, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) realizou no dia 11 de novembro o ‘1º Encontro de Histotecnologia da EPSJV: Trabalho Técnico e Educação Profissional em Saúde’.



A conferência de abertura do encontro foi apresentada pela pesquisadora da EPSJV, Marise Ramos, que falou sobre ‘Perspectivas e Desafios na Formação dos Trabalhadores Técnicos em Saúde’. A pesquisadora iniciou sua fala fazendo um paralelo entre o conceito de trabalho em geral e o trabalho em saúde. Marise destacou que o trabalho deve ser visto como um processo pelo qual o ser humano é capaz de ampliar suas capacidades produzindo meios de bem-estar, e, nesse contexto, ele proporciona o acesso a uma série de bens que foram produzidos de acordo com as necessidades humanas. “O trabalho não é um fardo para ganhar um salário no fim do mês, o trabalho é o processo pelo qual elaboramos uma necessidade e produzimos para tal coisas ou conhecimentos. Essas coisas são os conhecimentos cristalizados em bens. A tecnologia que hoje faz parte da nossa vida é produto da produção humana”.



Dentro desse conceito, o trabalho em saúde é o processo pelo qual, mediante as necessidades das pessoas, são elaboradas formas de cuidado para garantir uma condição saudável para as pessoas. “O trabalho em geral tem como destinatários sujeitos humanos em sociedade. O trabalho em saúde tem como destinatários sujeitos em suas necessidades em saúde. É diferente do trabalho em uma linha de produção de sapatos, por exemplo, em que cada um faz a sua parte e ninguém sabe quem vai usar aquele sapato — isso é a alienação do processo de trabalho”.



Para Marise, o grande desafio é uma concepção do trabalho que compreenda a satisfação humana e supere a dimensão alienada, que é uma marca da sociedade capitalista. A pesquisadora destacou que o trabalhador técnico é um produto de uma alienação do trabalho e ocupa uma posição intermediária no processo de trabalho. “É uma divisão técnica que redunda em uma divisão hierárquica. Os conhecimentos a serem ensinados variam de acordo com o nível do trabalho. Pela lógica da alienação, ele não precisaria se apropriar de conhecimentos próprios do nível superior. Dessa maneira, a divisão do trabalho redunda na divisão do conhecimento”, explicou.



Marise lembrou que a divisão é necessária porque ninguém vai dar conta de fazer tudo, mas que é preciso superar a alienação. “Um técnico de saúde no laboratório não dá conta de fazer o diagnóstico, mas tem que compreender a relação entre a lâmina e o diagnóstico. Nosso desafio é sermos capazes de construir processos formativos que sejam compreendidos para além de suas especificidades. O desafio fundamental é uma formação técnica que se estruture de maneira a produzir relações entre os conhecimentos específicos e as relações humanas da vida em sociedade. Uma formação que ajude a superar o processo de alienação do trabalho. E o desafio final é o reconhecimento e a valorização do técnico em saúde, além do reconhecimento da complexidade do seu trabalho”.



Panorama no Brasil



O pesquisador Leandro Medrado, da EPSJV, apresentou um panorama da profissão no Brasil na conferência ‘Educação e Regulamentação Profissional dos Técnicos em Histologia no Brasil’. Segundo ele, no cenário atual, a maioria dos profissionais tem uma formação deficiente, muitas vezes feita em serviço, e não há regulamentação profissional. “São produzidos repetidores de técnicas, que não desenvolvem um olhar crítico sobre o processo de trabalho, além de impedir a melhoria dos serviços e a introdução de novas tecnologias”, disse Leandro. “Mas como essa é uma área com muita demanda de mão-de-obra, se o indivíduo é capaz de realizar tarefas da rotina histológica a contento, ele acaba sendo empregado devido à necessidade dos laboratórios e à falta de uma política de educação e regulação profissional”, disse.



Ele explicou que, como no Brasil não existe uma regulamentação profissional, que estabeleça um conjunto de regras e disposições legais que balizem a formação e a prática profissional de um técnico em Histologia, também não há a regulação, que é a fiscalização e o controle do exercício profissional, realizado majoritariamente por organizações dos próprios pares (conselhos profissionais).



A falta de regulamentação é comum na área da saúde. De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho e Emprego (TEM), existem cerca de 40 ocupações na área de saúde, sendo que a maioria demanda regulamentação. Das regulamentadas, muitas se deram por meio de pareceres do Conselho Federal de Educação (CFE), que foi extinto e, com isso, também extinguiu os pareceres. É o caso dos Técnicos em Histologia, que foram regulamentados pelo parecer CFE nº2934/75 que estabelecia currículos e cargas horárias mínimas, níveis de escolaridade e titulação.



Segundo Leandro, desde 1970, três projetos para a regulamentação da profissão foram enviados ao Congresso Nacional. Destes, dois foram arquivados e um foi aprovado em 2003, a Lei 2090/91. O projeto regulamenta o trabalho dos Técnicos em Laboratório (patologia clínica, histologia, citologia e hemoterapia) e está na Coordenadoria de Comissões Especiais aguardando aprovação final.



Leandro ressaltou que há uma divergência entre o MTE e o Ministério da Educação (MEC). “Enquanto a Citotecnologia não consta da CBO, mas está incluída no Catálogo de Cursos do MEC, a Histotecnologia é reconhecida como uma ocupação, mas não está no catálogo, nem como conhecimento integrante das formações em Análises Clínicas ou Citotecnologia”, explicou.



Devido ao atual cenário da profissão no Brasil são observados problemas como o enfraquecimento da formação e a perpetuação de um currículo básico. “É essencial uma formação de caráter politécnico, modificando as bases formativas apontadas pelo MTE e criando uma regulação que garanta a qualidade e a segurança dos serviços prestados à população”, disse.



Panorama em Portugal



Na conferência ‘Educação e Regulamentação Profissional dos Técnicos de Anatomia Patológica, Citologia e Tanatologia em Portugal’, a vice-presidente da Associação Portuguesa de Técnicos em Anatomia Patológica (APTAP), Carina Ladeira, apresentou um panorama da profissão em seu país.



Segundo ela, em Portugal, os técnicos de Anatomia Patológica, Citologia e Tanatologia são profissionais de nível superior, que recebem quatro anos de formação. O curso inclui aulas práticas, teóricas e estágio. A profissão é reconhecida pela legislação e a carreira é regulamentada. “A situação de hoje no Brasil é a mesma que enfrentamos em 1970 em Portugal. Para mudar isso, os profissionais devem lutar e formar uma associação profissional que busque os direitos desses técnicos”, disse Carina.



Em 1977, foi criada em Portugal a carreira de Técnico Auxiliar e, em 1985, a carreira de Técnico de Diagnóstico e Terapêutica (TDT), na qual estão inseridos os técnicos de anatomia. Em 1999, a legislação definiu que a carreira dos TDTs exigia formação especializada e nível superior e, em 2000, o exercício da profissão foi regulamentado. “Os TDT atuam integrados em uma equipe de saúde e cada um dá sua contribuição. Não fazemos tudo porque quem faz tudo, não faz bem. Em Portugal todos são técnicos de saúde, inclusive os médicos”.



Carina destacou ainda que no processo de profissionalização, não basta apenas ter uma boa formação, mas também ter união para lutar por seus direitos, com a criação de uma associação profissional para representar e defender os direitos de seus associados. Em Portugal, a APTAP promove o desenvolvimento da profissão e a atualização de seus membros, intervém na definição da política de ensino da profissão, além de promover eventos e outras ações de integração e qualificação profissional.



Painel



Na segunda parte do evento, os participantes puderam conhecer um pouco sobre quatro cursos na área de histotecnologia, durante o painel ‘Experiências e Perspectivas na Educação Profissional em Histotecnologia’. Foram apresentados o Curso de Qualificação em Técnicas de Serviço de Anatomia Patológica, oferecido pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA-RJ) pela coordenadora do curso, Priscila Valverde; o Curso Superior de Anatomia Patológica, Citológica e Tanatológica, da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, apresentado pela assistente da área cientifica de anatomia patológica da Escola, Carina Ladeira; o Curso Técnico de Nível Médio em Análises Clínicas, da EPSJV, pelo pesquisador Leandro Medrado; e o Curso Técnico de Pesquisa em Biologia Parasitária, oferecido pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC), apresentado pela supervisora do Setor de Histotecnologia e coordenadora da disciplina de Histotecnologia do curso, Luzia Caputo.