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Formação de trabalhadores de saúde é tema de pesquisa coordenada pela EPSJV

Projeto investigou a influência dos organismos internacionais na elaboração das políticas de formação da força de trabalho em saúde
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 01/04/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


Uma política de formação de trabalhadores baseada em evidências científicas, mas que não atende as especificidades de cada país, nem visa a autonomia desses países para a formação de sua força de trabalho em saúde. Essa é uma das principais conclusões da pesquisa ‘A inflexão das agências internacionais sobre a formação de trabalhadores da saúde: um estudo de caso sobre a Organização Mundial de Saúde (OMS)’, que investigou as políticas de formação de trabalhadores de saúde propostas pelas agências internacionais e foi coordenada pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV). “Nosso objetivo era analisar essas políticas de formação tendo em vista dois cenários: a globalização em saúde e os sentidos de trabalho, educação e saúde da OMS”, explica o coordenador da pesquisa, Gustavo Matta.



De acordo com o pesquisador, desde 2003, com o fortalecimento de seu Departamento de Recursos Humanos, a OMS passou a fazer recomendações sobre a formação de trabalhadores em saúde em seus países membros. “Ao mesmo tempo, houve uma intensificação das ações de cooperação internacional para a qualificação de trabalhadores em saúde nos Países Africanos de Língua Portuguesa (Palops), intermediadas pela OMS, e uma multiplicação dos Observatórios de Recursos Humanos em Saúde”, acrescenta Gustavo.



Durante a investigação, os pesquisadores analisaram documentos produzidos pela OMS que geram um painel global sobre a força de trabalho em saúde no mundo, como o Atlas Global da Força de Trabalho da Saúde, que é atualizado anualmente. Também foram analisados dois relatórios mundiais de saúde - ‘Trabalhando juntos pela saúde’ (2006) e ‘Cuidados de Saúde Primários - Agora Mais Que Nunca’ (2008). Este último foi produzido em comemoração aos 30 anos da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma-Ata, em 1978. “Analisamos os documentos a partir de uma perspectiva construcionista, baseados na metodologia da nova retórica do filósofo Chaim Perelman e investigando as estratégias de argumentação usadas nos relatórios da OMS para influenciar os diferentes públicos”, diz Gustavo.



Com a análise, o grupo de pesquisa conclui que os documentos têm como estratégia metodológica a construção de políticas baseadas em evidências científicas, principalmente para os países pobres e em desenvolvimento. “As políticas baseadas em evidências acabam despolitizando e desnacionalizando os debates. Os países deixam suas especificidades de lado e a OMS impõe uma arena transnacional, com a construção de evidências científicas de abrangência universal e quantitativa. A OMS acabou se colocando em um lugar estratégico fazendo a mediação entre os organismos internacionais e os estados-nacionais”, aponta Gustavo.



O pesquisador explica que a OMS construiu um indicador - Densidade de Trabalhadores em Saúde - que procura estimar a quantidade de profissionais de saúde em relação à população de um país, mas que não leva em conta os sistemas nacionais de qualificação profissional e a distribuição desses profissionais. “Os países africanos, que realmente têm carência de trabalhadores, possuem uma baixa densidade. Mas, por esse indicador, países como o Brasil aparecem bem, porque o índice não considera a concentração geográfica, apenas o quantitativo geral”, observa Gustavo, acrescentando que, para a OMS, o conceito de trabalhador de saúde é muito amplo, pois também engloba de forma indiferenciada o cuidado. “São considerados trabalhadores em saúde desde o médico, que possui trabalho remunerado, até a mãe que cuida do filho doente”.



Nos documentos analisados, os pesquisadores também verificaram o incentivo à Educação a Distância, devido ao baixo custo dessa modalidade de ensino, a visão da saúde como um mercado e a formação de trabalhadores como mercadoria, dentro de um Estado com papel apenas de regulador no acesso à formação. “Outro fator a destacar é que, nos documentos, há um incentivo às parcerias público-privadas para produzir um quantitativo maior de trabalhadores, além de estimular o treinamento e a organização de currículos por competência”, diz Gustavo.



A pesquisa foi iniciada em 2009, com financiamento do CNPq (Papes V), e conta com a participação de professores-pesquisadores da EPSJV, do Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e da Faculdade de Enfermagem da Uerj.



Durante o trabalho, o grupo de pesquisa realizou duas oficinas para análise dos documentos preliminares produzidos pelos pesquisadores, além de colaborações com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, e a oferta de disciplinas específicas nos programas de pós-graduação da EPSJV e do IMS/Uerj. Ao final da investigação, que está em fase de conclusão, serão produzidos, inicialmente, três artigos e um relatório final. No segundo semestre de 2011, será realizado um seminário na EPSJV para divulgar os resultados do projeto.