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Interseccionalidades são tema de Seminário Discente do Mestrado Profissional da Escola Politécnica

Sétima edição do evento contou com mesas de debate e apresentação de trabalhos
Julia Neves e Julia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 26/11/2024 14h00 - Atualizado em 04/12/2024 15h45

 

Interseccionalidades: Trabalho, Educação e Saúde no SUS" foi o tema do 7º Seminário Discente do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). O evento aconteceu nos dias 12 e 13 de novembro, em formato presencial, no auditório da instituição, e foi transmitido ao vivo pelo canal da EPSJV no Youtube.

A mesa de abertura do evento contou com a participação da coordenadora adjunta da Coordenação de Equidade, Diversidade, Inclusão e Políticas Afirmativas da Fiocruz (Cedipa), Marina Maria; da vice-diretora de Ensino e Informação da EPSJV, Ingrid D’avilla; e da coordenadora da Pós-graduação da Escola Politécnica, Ialê Falleiros.

Segundo Marina Maria, o conceito de Interseccionalidade surge a partir da compreensão, de um movimento de mulheres negras, de que os estudos de gênero que vinham sendo desenvolvidos nos Estados Unidos precisavam considerar outras formas de opressão para além do gênero, da raça e da classe. “Começamos a perceber que há outras formas de opressão que violentam, potencializam os sofrimentos e ampliam questões de vulnerabilização. Então, pensar interseccionalidade nesse contexto é fundamental como compromisso político e ético de um outro paradigma de pensar a saúde e o trabalho. A Cedipa tem a perspectiva de fortalecer a equidade e é muito pautada na interseccionalidade”, ressaltou.

Para Ingrid D’avilla, quando se fala em interseccionalidade, também se está falando de um lugar de pertencimento e identificação. “Em que momento estaremos, de fato, preparados para enaltecer as potencialidades em trabalharmos em uma lógica das pedagogias de forma mais afrocentrada e menos desse lugar da denúncia? Temos que ampliar o sentimento de pertencimento e reparação histórica em relação a construção do pensamento intelectual negro e indígena, brasileiros ou afroamericanos”, destacou.

Ao encerrar a mesa de abertura, Ialê Falleiros falou da importância da interseccionalidade nas pesquisas e dissertações que o corpo discente do Mestrado da EPSJV vem desenvolvendo. “Algumas pesquisas em desenvolvimento tratam mais diretamente sobre questões relacionadas à importância da inclusão do tema da branquitude na formação de trabalhadores da saúde, mas há outras, que se dedicam a temas como o projeto de formação de monitores de saúde entre a população encarcerada do estado do Rio de Janeiro ou as cozinheiras escolares do município do Rio de Janeiro, por exemplo, que têm se tornado ainda mais potentes com a incorporação da discussão interseccional de raça, gênero e classe na interface trabalho, educação e saúde", concluiu.

Desafios e Perspectivas no SUS

A primeira mesa temática do evento - "Interseccionalidade, Saúde e Trabalho: Desafios e Perspectivas no SUS" - reuniu o professor adjunto do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Rogério Bittencourt; e o professor de Saúde Mental da Universidade Estácio de Sá e do Centro Universitário Gama e Souza, Diogo Jacintho Barbosa. O debate teve a mediação da mestranda em Educação Profissional em Saúde da Escola Politécnica; Beatriz Moreira.

Em sua fala, Beatriz afirmou que, ao trazer a discussão para o Sistema Único de Saúde (SUS), pensar interseccionalidade é pensar que as populações usuárias do sistema são atravessadas por questões que vão além do processo saúde-doença. “São questões que atravessam a experiência do ser e estar, questões de raça, de classe e de gênero, mas também situações de cunho social – como acesso à educação, à moradia, ao trabalho digno. Não dá para pensar saúde sem pensar em interseccionalidade”, afirmou.

Ao tratar sobre a interseccionalidade no campo da Saúde Mental, Diogo Jacintho afirmou que os transtornos e os sofrimentos mentais são a soma de fatores que não devem ser excluídos no momento do diagnóstico e do tratamento. “Temos marcadores biológicos, mas o que causa mais transtornos mentais é o ambiente. Cerca de 80% dos transtornos têm influência no território. Tem muitas outras questões que perpassam e atravessam esses transtornos. Mas quando vamos tratar, focamos nos 20%. Até que ponto essa pessoa vai conseguir sair dessa situação ou vai ficar sendo medicalizado para o resto da vida?”, questionou, acrescentando: “Precisamos pensar em saúde para além da doença. Temos uma incapacidade, enquanto profissionais da saúde, em pensar em interseccionalidade em Saúde Mental”.

A interseccionalidade, na visão de Rogério Bittencourt, tem que ser pensada dentro dos serviços de saúde que, segundo ele, deveriam ser reorganizados de acordo com o que a sociedade necessita, junto com os profissionais de saúde, para que se tenha uma saúde de qualidade. “Mas, normalmente, ele já é organizado por alguém e os profissionais vão seguindo. Apesar disso, na nossa constituição cidadã está escrito que precisamos ter participação popular, ouvir as pessoas para organização e avaliação dos serviços de saúde. Será que estamos ouvindo as pessoas para mudar o que precisamos nos serviços de saúde? Temos que entender as necessidades reais para ver o que é possível fazer", refletiu.

Ainda na parte da manhã, aconteceu o painel “Interseccionalidade, Saúde e Trabalho: Uma Visão Ampla para o SUS”, com apresentações de trabalhos dos estudantes do Mestrado da Escola; e uma prática de Yoga como atividade cultural.

Educação e Interseccionalidade

Na parte da tarde do primeiro dia, o coordenador geral do Ensino Técnico de Nível Médio em Saúde da EPSJV, Jonathan Ribeiro, e o mestrando da instituição, Nilomar Jr., falaram sobre “Educação e Interseccionalidade: Desafios de uma Escola Antirracista na Formação em Saúde”, com mediação da também mestranda Joseane Oliveira.

Jonathan contou um pouco de sua experiência na coordenação do Ensino Técnico na Escola Politécnica. Segundo ele, quando assumiu essa função, acreditava que faltava um olhar para as questões étnico-raciais no campo educacional. “Mas faltava mais. Embora as questões étnico-raciais sejam importantes e, talvez no Brasil, isso seja algo estruturante, não é o suficiente. Questões de saúde mental, de diagnóstico de alguns alunos, de adaptação, de diversidade de gênero, são fundamentais. E isso não tem um manual. Estamos lidando com sujeitos, com individualidades”, comentou.
O coordenador trouxe ainda dados do Censo Escolar referentes a 2020 e 2021. Segundo o documento, os indicadores de repetência e evasão escolar atingem, principalmente, às populações mais vulneráveis. “46% dos estudantes mais pobres concluem o ensino médio, em comparação com 94% dos estudantes mais ricos. A evasão escolar é uma tragédia silenciosa que amplifica as desigualdades sociais e impacta a economia brasileira", lamentou.

Por fim, Jonathan apresentou estratégias que a EPSJV tem utilizado para manter um público diversificado. “A adoção de um currículo antirracista; a criação de auxílio permanência; de banheiros não binários; de projetos institucionais, como o Sankofa; de painéis de acesso aberto que disponibilizam os dados socioeconômicos dos ingressantes da instituição. E tantas outras”, finalizou.

Nilomar Jr. seguiu na mesma linha: “Falamos muito sobre criar uma escola antirracista, trabalhar diversidade e inclusão, mas, às vezes, não entendemos que existem incentivos objetivos e subjetivos para fazer com que essa pessoa permaneça na escola. Saúde e Educação se entrelaçam nesse processo e ainda mais somando-se ao trabalho”.

O mestrando falou ainda sobre a relação da educação antirracista com a interseccionalidade, em um contexto de pensar a construção de uma formação antirracista em saúde. “O racismo estrutural afeta estudantes e professores. Pensamos em quem estamos formando, mas também em quem está formando os estudantes. São duas vias de mesma corrente. Estudantes negros, mulheres, pessoas com deficiência, LGBTQIA+ enfrentam barreiras além dos desafios objetivos da educação. Desafios subjetivos como estigmas, discriminação institucional e preconceitos que afetam a permanência e o sucesso”, comentou.
Para encerrar o primeiro dia, o painel “Educação em Saúde: Promovendo uma Abordagem Antirracista e Interseccional” reuniu mais apresentações de trabalhos dos estudantes.

Raça e Saúde pela ótica da interseccionalidade

A mesa de abertura do segundo dia do evento, “Raça, Gênero, Classe e Território: Enfrentando Desigualdades na Saúde, Educação e Trabalho”, contou com a participação da professora-pesquisadora da EPSJV, Gianne Reis, e da mestranda e assistente social da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro; Larissa Gomes. A mesa foi mediada pela mestranda Amanda Linhares, militante e ativista da luta Antimanicomial.

Amanda começou a palestra destacando como não é possível falar sobre interseccionalidade sem falar sobre o racismo. “Eu acho que tem uma questão central sobre o racismo e sobre a colonialidade que é uma ferida aberta, é um processo histórico dentro da nossa sociedade, porque quando a gente fala dessas pessoas, especialmente as de pele mais retinta, e do racismo como uma questão central, a gente está falando de pessoas em termos de dados, de pesquisa, de vivência, de prática, são as que mais sofrem com as violências cotidianas”, disse Amanda.

Larissa destacou a importância de racializar discursos e, a partir dessa ótica, conseguir enxergar e entender um público específico. Para ilustrar essa situação, ela comentou sobre o estudante preto no processo de educação. “Hoje, quando você pergunta a qualquer estudante preto, ele vai trazer as experiências de como a educação é um espaço muito difícil e dolorido. Então, se falarmos da dificuldade dos alunos no ensino público e generalizar isso sem racializar, não estamos sendo fiéis às experiências que, de fato, essas pessoas sofrem nesses espaços”.

Gianne destacou a relação entre território, saúde e raça. Ela ressaltou que, embora no Brasil nunca tenha existido uma política de segregação espacial estatal, ela sempre existiu de forma sistêmica e cotidiana. “Estamos vivenciando a segregação socioespacial e ela tem um impacto profundo na saúde e na qualidade de vida das pessoas. Será que podemos falar em saúde em contextos tão diversos?”, questionou a professora.

Para Gianne, pensar em saúde significa analisar os dados em saúde em diferentes grupos socias “É preciso analisar as barreiras impostas pela raça, classe, gênero, idade, capacitismo ou limitações físicas e mentais ou pelas condições socioeconômicas, que vão interferir diretamente nas condições de saúde dos indivíduos, para que se promova uma saúde para a população que discuta o racismo estrutural, institucional e ambiental, além das questões quanto ao sexismo, misoginia, população LGBTQIA+ e o lugar da branquitude na manutenção das desigualdades”.

Para encerrar a parte da manhã do segundo dia do evento, foram apresentados os trabalhos de estudantes durante o painel “Desafios Interseccionais no SUS: Raça, Gênero, Classe e Território em Foco”.

Interseccionalidade na inclusão educacional

Na parte da tarde, o tema do debate foi “Inclusão e Equidade em Educação em Saúde: Desafios e Perspectivas”, com a mediação da mestranda Karla Travaglia e a participação de Anderson Boanafina, professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, e Nathália Santos, mestranda da (EPSJV/Fiocruz).
Em sua fala, Anderson, ao mostrar importantes personalidades da ciência, destacou como a sociedade enxerga as pessoas. “Na realidade, a nossa sociedade tem um olhar muito mais para o que a pessoa produz do que para a própria pessoa. Isso tem tudo a ver com a nossa formação como sociedade”.

Segundo dados do IBGE apresentados por Anderson, do total de pessoas com deficiência, 10% são mulheres e, dentro desse percentual, 9,5% são mulheres pretas e 8,7% são pardas. Para o professor, esses números representam uma diferença de oportunidade e acesso à educação. “Quais são as pessoas mais prejudicadas nesse processo de escolarização? São aquelas que mesmo após o acesso têm dificuldade na permanência na instituição de educação. “No ensino superior, na faixa etária entre 18 a 24 anos, entre as pessoas com deficiência, 24% concluem sua formação; enquanto, entre as pessoas sem deficiência, 31% conseguem concluir o ensino superior. Sem escolarização, sem acesso educação, ao trabalho e ao emprego, as taxas de desigualdade no Brasil só aumentam.”

Nathália apresentou seu trabalho “Educação profissional inclusiva antirracista – Intersecções”. Durante sua fala, ela destacou as consequências da teoria do mito da democracia racial para a sociedade. “Nós temos uma construção no Brasil que é muito remota, mas que perpetuou por muito tempo, que é o mito da democracia racial. Achamos que todos somos iguais e temos as mesmas oportunidades, mas não é, a teoria tem como objetivo apagar essas ideias.

Para a professora, é importante problematizar os diferentes nichos sociais que existem dentro da diversa sociedade brasileira para que não se reproduzam tipos de opressão como a do mito de democracia racial, que apagam as diversidades que existem na sociedade. Nathália ainda falou sobre a inclusão de pessoas com deficiência no processo educacional. “Que formação é essa que a gente quer incluir pessoas com deficiência? É uma formação tecnicista, porque essas pessoas com deficiência não estão em uma universidade pública, porque elas não estão na pós-graduação, essas pessoas também têm direito a uma educação que não é somente tecnicista”.

Após o debate, aconteceu uma atividade cultural com a Prática Terapêutica Integrativa Biodanza, realizada pela professora Karla da Silva Mero; e as apresentações de trabalhos dos estudantes, no Painel “Inclusão Social e Diversidade: Desafios no Atendimento à População Vulnerável”.