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Palestra discute novas relações entre ciências sociais e biológicas

João Arriscado Nunes, da Universidade de Coimbra, apresentou conceitos como biossociabilidade e biocidadania e defendeu que é não é simples distinguir o natural do artificial.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 02/07/2009 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


João Arriscado Nunes“Não se pode pensar o social sem pensar o biológico”. Assim João Arriscado Nunes, professor associado da Faculdade de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, de Portugal, começou sua palestra na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), no último dia 23 de junho. O evento foi promovido pelo programa de pós-graduação da EPSJV e pela equipe da pesquisa ‘A inflexão dos organismos internacionais sobre a formação de trabalhadores de saúde: o caso da Organização Mundial da Saúde’, coordenado por Gustavo Matta, do Laboratório de Educação Profissional em Atenção à Saúde.



O pesquisador começou a palestra fazendo um histórico do que chamou de uma relação conturbada entre esses campos do conhecimento. Um ponto alto de confusão entre esses campos, segundo Arriscado, por um viés negativo foram as tentativas de se usar a biologia para legitimar intervenções políticas, dentre as quais a mais famosa foi o Nazismo.





Teorias e autores





O primeiro exemplo apresentado por ele como ‘corrente científica’ que lidou com o problema dessa realação foi o darwinismo social, inspirado principalmente em Herbert Spencer, autor do discurso de que apenas os mais aptos sobreviveriam. Um simplismo, na avaliação de Arriscado. O marco seguinte foi Durkheim, que defendia uma forte separação entre os objetos das ciências biológicas e sociais e, ao mesmo tempo, a adaptação do método de estudo da natureza para o estudo da sociedade. Dentre outros, ele passou ainda por Max Weber, que acreditava que a única dualidade ontológica existente era entre natureza e sociedade e, por isso, elas precisavam de epistemologias diferentes, e Marx, que, segundo o palestrante, sempre procurou pensar conjuntamente o social e o natural.

Entre os autores mais recentes, ele destacou Foucault, que classificou como um “exemplo precoce de interpelação da separação entre natureza e sociedade” e Bruno Latour, com sua teoria do ator-rede.





Seres indistintos





“Nós somos seres biológicos que nos identificamos, já a priori, pelas próteses tecnológicas das quais dependemos”, definiu o pesquisador, que usou o exemplo dos seus próprios óculos, para defender que já não é possível fazer a distinção entre o que temos de natural ou de social. “Nossa ideia de saúde é feita não só de natureza, mas também de expectativas quanto às ações de vigilância, ao uso de complementos alimentares, entre outros”, exemplificou.



Dois conceitos importantes, segundo ele, contribuem para essa discussão. O primeiro é o de biossociabilidade, que diz respeito a pessoas que, por serem portadoras de uma mesma doença ou síndrome genética, desenvolvem uma identidade de grupo e passam a ter uma ação política. O outro é o de biocidadania, que se refere à reivindicação de direitos de saúde, que, portanto, estão relacionados à sua condição biológica. Daqui saíram os principais pontos que mobilizaram o debate. Uma das intervenções exemplificou, de forma elogiosa, a aplicação desses conceitos com a situação do controle social no Brasil, que tem representantes de diversos grupos de portadores de doenças específicas. Outras questionaram se essa abordagem não fortaleceria uma postura individualista e uma relação de consumidor mais forte do que a de cidadão. Para o palestrante, que apresentou exemplos desses movimentos em diferentes países do mundo, esse é, de fato, um risco, mas não o único caminho possível.





Recuperando a relação





No final de sua apresentação, o pesquisador fez um convite para que discuta uma nova ontologia, que mude a relação historicamente construída entre natureza e cultura. E trouxe uma experiência brasileira como exemplo da superação necessária dessa dicotomia. “No Brasil, o projeto da Saúde Coletiva se baseia muito na não separação entre cultural e natural.