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Reforma Psiquiátrica é tema de palestra na Escola Politécnica

Conferência foi proferida pelo sanitarista Domingos Sávio Alves.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 11/12/2009 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


Os ‘Desafios da Reforma Psiquiátrica’ foram o tema da conferência proferida por Domingos Sávio Nascimento Alves, na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), no dia 4 de dezembro. “A reforma psiquiátrica é complexa e difícil porque envolve muitas questões. Os principais desafios são estabelecer diretrizes claras para definir o sentido do processo, aglutinar em torno destes princípios o maior contingente de atores e dar visibilidade ao processo para gerar confiança, principalmente nas famílias. É um desafio do gestor e dos profissionais”, afirmou Domingos, que é médico sanitarista, ex-coordenador da área técnica de saúde mental do Ministério da Saúde e primeiro secretário do Instituto Franco Basaglia. “O conceito de reforma inclui três fatores: a assistência, a cultura e a lei. A mudança na assistência gera mudanças culturais (nas famílias, na sociedade e nos trabalhadores) e é baseada na lei”, disse.



Ele contou que a mudança no modelo do atendimento psiquiátrico no Brasil começou a partir de 1987, após a 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental. Até então, a internação psiquiátrica era o segundo procedimento mais praticado no Sistema Único de Saúde (SUS), atrás apenas do parto normal. Além disso o número de hospitais psiquiátricos no país vinha crescendo, passando de 62 em 1940 e chegando a 430 em 1980. Na década de 1990, esse número começou a cair, chegando a 313 hospitais.



Após a Conferência de Caracas, em 1990, iniciou-se uma reestruturação do atendimento psiquiátrico na América Latina. “Destaco três pontos no documento final da Conferência: diversificar as possibilidades de ofertas de serviços, superando a crença no hospital psiquiátrico; oferecer tratamento e não confinamento e martírio nos hospitais psiquiátricos, enquanto esses ainda existirem; e respeitar e ampliar os direitos das pessoas com transtornos mentais”.



Por sua vez, segundo ele, o Ministério da Saúde  do Brasil promoveu algumas mudanças visando à reforma psiquiátrica. A primeira delas foi alterar o financiamento da área de saúde mental, com a adoção da Portaria SNAS/MS 189/91, que modificou a tabela de procedimentos do SUS. Outra mudança foi a regulamentação do funcionamento dos serviços de saúde (Portaria SNAS/MS 224/92), que estabeleceu regras a serem cumpridas em todo país, e a constituição de um colegiado permanente dos coordenadores estaduais de saúde mental. Outra iniciativa foi a convocação da 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em dezembro de 1992, para pactuar com a sociedade o processo de mudança.



Domingos lembrou que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o serviço deve ser a expressão da política. “Não adianta falar uma coisa e fazer outra”, observou, acrescentando ainda que os principais indicadores de qualidade de um serviço são a acessibilidade, turnos de funcionamento que atendam bem as necessidades dos usuários e um ‘menu’ diversificado de programas, que ofereça assistência e hospitalidade.



Para Domingos, o serviço de atendimento psiquiátrico deve primar pela integralidade, complexidade e a autonomia. “A integralidade tem que fazer parte da organização do serviço e não adianta querer simplificar. Outra coisa que deve ser garantida é a autonomia do doente. A cura é um conceito forte, que deve ser esquecido porque nem sempre é possível. O importante é ter autonomia e isso deve ser explicado para a família para que entendam que as condições de vida do doente serão melhoradas com o tratamento”, disse.



Legislação



A lei que redireciona o modelo assistencial em saúde mental no Brasil, Lei 10.216, de 6 de abril de 2001, possui 13 artigos e dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. “A lei brasileira é muito boa, é moderna, dá um sentido e uma direção para a assistência psiquiátrica. A lei não proíbe a internação, mas indica que seja usada como o último recurso. Essa legislação consagra direitos como, por exemplo, o de a família ter acesso ao prontuário do paciente e também estabelece o poder concorrente, ou seja, a obrigação de comunicar ao Ministério Público uma internação não voluntária”.



Desafios



No campo da atenção psiquiátrica, Domingos aponta diversos desafios. “Para os profissionais, o desafio é o cuidado no acolhimento, que deve ser o mais adequado possível”, disse Domingos. No caso dos hospitais, o desafio é o papel que deve ser cumprido por essas unidades de saúde. “Os hospitais têm papéis táticos de passagem e superação, estão tratando das pessoas e não podem ser um lugar de martírio, têm que acolher”. Já os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) são um serviço que tem um conceito operacional, de organizador de redes e indutor de práticas. “O Caps é o serviço mais potente da rede porque tem uma equipe multiprofissional e faz oficinas e práticas mais adequadas”, explicou.



Desde quando os Caps foram criados, em 1991, houve uma redução no número de leitos nos hospitais psiquiátricos, que caíram de 85 mil para 35 mil em 2009. Enquanto isso, o número de unidades de Caps passou de 15 para 1.467, sendo que cada Caps atende cerca de 200 pacientes. “Os Caps triplicaram o acesso das pessoas e melhoraram o tratamento aos doentes. Antes dos Caps, 70% dos pacientes atendidos nas unidades já tinham passado por internações em hospitais psiquiátricos. Após os Caps, 70% dos doentes atendidos nas unidades, nunca tiveram internações em hospitais psiquiátricos”, comparou.



A Saúde Mental, na avaliação de Domingos, também enfrenta desafios na Atenção Básica. “Devem ser tomados cuidados com a atitude, é preciso ter responsabilidade territorial e agenciamento, para detectar os casos e tratar no início”, alertou. Outros desafios são o conhecimento do processo de trabalho, o modelo de formação e a massificação de estratégias. Temos que ser criativos em relação a ofertas para substituir o hospital psiquiátrico. “Também têm que ser levados em consideração os novos atores, como familiares e amigos. Os familiares são os primeiros cuidadores e não adversários, como eram vistos antes. Por isso, precisam ser instruídos e orientados para que tenham condições de cuidar e ser acompanhantes dos seus doentes”, defendeu. E completou: “Ainda temos desafios a enfrentar como o financiamento da saúde mental, o uso de novas substâncias, como o crack, a disponibilização de mais leitos em hospitais gerais e a repactuação com a sociedade, que vai acontecer com 4ª Conferência Nacional de Saúde Mental, que está convocada para 2010”.



Especialização Técnica



A conferência foi proferida durante a cerimônia de encerramento do Curso de Especialização Técnica de Nível Médio em Saúde Mental da EPSJV, que teve a participação de 30 alunos. O objetivo do curso é formar especialistas técnicos de Nível Médio em Saúde Mental para atuar nas equipes de saúde, junto a portadores de transtornos mentais, na área de serviços, na família e na comunidade. O programa do curso inclui conhecimentos sobre a constituição do campo da saúde mental; gestão e organização dos serviços de saúde mental; políticas de saúde mental; relações humanas; quadros clínicos e terapêuticas em psiquiatria.