Ondas de calor, enchentes, secas e tempestades têm sido cada vez mais frequentes no mundo, impactando significativamente a vida e a saúde das populações. Diante do cenário de eventos extremos, torna-se essencial a implementação de políticas públicas que reduzam o aquecimento global e fortaleçam os sistemas de saúde para que respondam aos desafios novos e urgentes. Pensando nisso, a Rede Iberoamericana de Educação de Técnicos em Saúde (RIETS) organizou o Seminário Internacional “Emergências climáticas e seus impactos à saúde global, aos sistemas nacionais de saúde e à formação de técnicos”, no dia 9 de outubro, na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). O evento marcou o início da 2ª Reunião Ordinária da RIETS e contou com a participação dos pesquisadores Alexandre Pessoa, da EPSJV/Fiocruz, e Renata Gracie, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).
Mesa de abertura destaca a necessidade do fortalecimento do setor público
Antes do início da mesa temática, houve uma abertura com a presença de Julián Yunez, representante da Secretaria Geral Ibero-americana (Segib); Gabriel Listovsky, chefe do Programa Campus Virtual em Saúde Pública da Opas/OMS; Luciana Maria de Sousa, representante do Departamento de Gestão e Educação na Saúde (Deges), da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (Sgtes), do Ministério da Saúde; Eduarda Cesse, vice-presidente adjunta da Vice-presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz; e Anamaria Corbo, diretora da EPSJV.
Para Julián Yunez, desde a criação, a RIETS demonstrou ser um ator fundamental no âmbito Iberoamericano da Saúde, dedicando seus esforços à formação dos profissionais técnicos. “Não por coincidência essa rede surgiu como resposta à pandemia da covid-19, que teve um impacto tão grande em nossa sociedade, sendo um exemplo vivo de como a Iberoamérica se reconstruiu e se fortaleceu por meio da cooperação, do diálogo e da solidariedade para enfrentar os desafios do futuro”, ressaltou, acrescentando: “O trabalho em rede na RIETS nos mostra que esses modelos de cooperação fortalecem a coordenação entre vários atores e agentes, melhorando a efetividade das políticas públicas, assegurando que elas estejam alinhadas com as necessidades da sociedade. Cada vez mais, a cooperação é essencial para que tenhamos sistemas de saúde cada vez mais fortes”.
No contexto brasileiro, Luciana Maria de Sousa lembrou que a formação técnica é, majoritariamente, feita em instituições privadas. “Precisamos dialogar e pensar em estratégias para fortalecer a indução da formação técnica em nossas instituições públicas de ensino”, destacou. Ela comentou ainda que tem sido realizada, no âmbito do Ministério da Saúde, uma análise da força de trabalho no SUS: “E assim pensar a formação técnica a partir de um olhar direcionado para o que é necessidade não só de número de vagas, mas também necessidade da população brasileira e o que pode ser estratégico para que possamos induzir as políticas”.
Ao iniciar sua fala, Anamaria Corbo deu as boas-vindas aos novos membros da RIETS – Escuela de Gobierno en Salud Floreal Ferrara, do Ministério da Saúde da Argentina; e o Instituto Especializado Hospital El Salvador, de El Salvador. Em seguida, explicou como a rede se organiza, sendo composta por instituições e órgãos de governo que, em seus países de origem, fortalecem e são responsáveis pela formação dos trabalhadores técnicos. “Dependendo da configuração de cada país, vamos trabalhar para que essas formações estejam vinculadas às instituições públicas. A importância disso está na universalidade, na não exclusão, na horizontalidade e no atendimento de todas as necessidades e demandas que cada território e grupo populacional apresentam ao seu sistema nacional de saúde”, afirmou.
Anamaria lembrou ainda do início da Rede Internacional de Educação de Técnicos em Saúde (RETS), da qual a EPSJV também é secretaria executiva. Segundo ela, a grande questão que foi colocada, à época, era entender quem são os trabalhadores técnicos; as diferenças e semelhanças desses profissionais nos diversos países; e como pensar em estratégias de fortalecimento de formação e trabalho. “Como cooperamos e trabalhamos juntos? O trabalhador técnico — ou mesmo aquele que nem técnico é, como os agentes comunitários — sequer é citado nas grandes estratégias de formação, apesar de serem os profissionais que entram nas casas das pessoas e estão em contato mais íntimo com as necessidades de saúde das populações”, concluiu.
Emergências climáticas e seus impactos à saúde global, aos sistemas nacionais de saúde e à formação de técnicos
Renata Gracie, que é coordenadora do Laboratório de Informações em Saúde e uma das coordenadoras do Observatório do Clima e Saúde, ambos do Icict/Fiocruz, apresentou como se chega em uma emergência climática. Primeiramente, segundo ela, tem um aumento na emissão de gases poluentes que, somados a alterações naturais, leva a um aumento do efeito estufa e, em seguida, ao aquecimento global. “Com isso, temos as mudanças climáticas, que são alterações no padrão de longo prazo desse aquecimento. E aí sim vamos para as emergências climáticas, que são esses eventos extremos diretos e indiretos. O que acontece é que estamos chegando em uma crise climática”, alertou.
De acordo com Renata, a interação entre eventos extremos gera diferentes efeitos difusos na saúde da população. “Isso traz uma carga para o setor saúde. E, principalmente em países que temos políticas públicas com limitações, inclusive, por conta da falta de recursos, isso fica ainda mais intenso”, lamentou. E acrescentou: “As emergências acontecem em diferentes territórios, porém, quem mais sente os impactos são territórios indígenas, quilombolas, as favelas... Precisamos trabalhar na diminuição dessa emissão de gases poluentes e na adaptação para que consigamos viver minimamente nesses locais”.
A pesquisadora falou sobre a importância do trabalhador técnico nesse cenário. “É quem está atuando, muitas vezes, nesses territórios; trazendo um diagnóstico mais próximo da realidade para que tenhamos políticas públicas mais efetivas para esses territórios”, apontou.
Renata ainda explicou o que são os impactos difusos indiretos e diretos. Segundo ela, os diretos envolvem ondas de calor, inundações, enxurradas e secas; já os indiretos envolvem alterações de ecossistema, da biodiversidade e de ciclos biogeoquímicos. “As populações atingidas podem ser diferenciadas, mas todos esses efeitos podem gerar impactos na saúde, com várias doenças. Ainda podem causar impactos na saúde mental e nas migrações”, afirmou.
Para o professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz, Alexandre Pessoa, considerando a produção científica mundial, a emergência climática é o maior desafio da humanidade. “A palavra “emergente” nos coloca problemas novos e esses problemas não podem ser postergados. A variável tempo, para além do espaço, é muito importante. Estamos diante de uma grave crise ecológica, sem precedentes, que afeta todos os campos da área da saúde e mobiliza os diversos países e sistemas de saúde em escala mundial”, destacou.
Uma crise climática, de acordo com o professor-pesquisador, é antes de tudo uma crise sanitária. “É o maior problema de saúde pública. Não há como uma emergência climática se materializar nos territórios sem considerar os efeitos da saúde das populações desses territórios”, afirmou. Ele falou ainda sobre a importância de ações concretas, como o fortalecimento da formação técnica. “Essa ação se desdobra no fortalecimento dos sistemas de saúde, porque não há como fortalecer os sistemas sem fortalecer a formação dos seus profissionais. Mortes são evitáveis", observou.
Alexandre ainda ressaltou que, embora a crise ecológica seja mundial, a resposta deve ser global, regional e local. Nesse sentido, a atuação em redes por meio de intercâmbio entre as instituições de ensino e de pesquisa e de serviços em saúde é estratégica. “A rede, em sua potencialidade, é fundamental, na troca de experiências e no avanço científico que o campo da saúde exige. Os desastres climáticos ocorrerão com maior recorrência, intensidade e duração, portanto, os sistemas de saúde precisam ser fortalecidos, sendo fundamental a formação dos técnicos em saúde, inclusive considerando a nova gramática da emergência climática”, concluiu.
Assista ao evento completo em https://www.youtube.com/watch?v=BlmhwUoi0h4
Membros da rede debatem a qualidade de formação dos técnicos em saúde
A partir da tarde do dia 9 de outubro, os membros da Rede Ibero-Americana de Educação de Técnicos em Saúde debateram os principais objetivos e ações da RIETS, com o objetivo de definir o Plano de Trabalho para o próximo biênio (2026-2028). O evento, também contou com as apresentações do Campus Virtual de Saúde Pública, os resultados preliminares do Mapeio dos Técnicos em Saúde e do site da Iniciativa de Educação baseada em Simulação para formação de técnicos em saúde da RETS-SIM.
O assessor da Coordenação de Cooperação Internacional da EPSJV/Fiocruz, Helifrancis Ruela, destacou os principais objetivos conquistados pela Rede, a partir dos documentos do 1º Plano de Ações Regionalizadas – América Latina, produzido em 2018, e o Plano de trabalho da RIETS, aprovado em 2021.
Apesar dos avanços com a realização de dois webinários, o 1º Encontro Ibero-americano de Educação Baseada em Simulação e outras ações, que atendem o objetivo geral do Plano de Trabalho de expandir, disseminar e fortalecer a rede, o assessor ressaltou que é preciso realizar mais. “A nova fase da rede é fazer um plano mais dinâmico, mais ativo, que possa ser construído em conjunto com os recursos disponíveis, que as pessoas possam apoiar. Acho que a avaliação que estamos fazendo agora nos aponta um bom caminho a seguir”, concluiu.
Em seguida, Gabriel Listovsky, coordenador Regional do Campus Virtual de Saúde Pública (CVSP), plataforma educacional da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), na qual são disponibilizados cursos online e recursos de aprendizagem; e Isabel Duré, assessora do CVSP, apresentaram o espaço online, que tem como principal objetivo contribuir para o desenvolvimento das habilidades e capacidades daqueles que trabalham em serviços de saúde.
Segundo Gabriel, em julho de 2025, a plataforma ultrapassou 4 milhões de usuários no campus virtual e mais de 10 milhões de matrículas nos cursos disponíveis. “Estamos focados em uma educação continuada, com uma aprendizagem ao longo da vida, baseada no trabalho e que nos ajude a enfrentar a realidade. Trabalhamos com plataformas livres e abertas para que os recursos circulem, sejam abertos e interoperáveis", ressaltou o coordenador.
Ainda no primeiro dia da reunião, a professora-pesquisadora da EPSJV, Isabella Koster, apresentou a pesquisa, em conjunto com Gabriel Muntaabski - Mapeamentos dos trabalhadores técnicos que atuam na Atenção Primária à Saúde em países da América Latina. O trabalho é fruto do Programa de Fomento ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Educação Profissional em Saúde da EPSJV, e tem o objetivo não só de entender quem são os técnicos em saúde baseado na concepção ampliada desses profissionais, “mas também pensar um dimensionamento frente à necessidade de saúde real”, observou Isabella.
A professora falou ainda sobre a diversidade de perfis dos técnicos analisados e a invisibilização desses profissionais. “Ao mesmo tempo, a gente percebe as similaridades e as diferenças do que fazem, das atribuições, da trajetória da formação ou da trajetória dos saberes, que são construídos no próprio trabalho. E é nessa perspectiva que a gente vem trabalhando de uma forma que seja o mais inclusiva possível para captar justamente essa capilaridade, a diversidade e a similaridade das forças de trabalho”, complementou.
Novo plano de trabalho e site da rede
No segundo dia, as discussões foram direcionadas à elaboração do Plano de Trabalho da RIETS para o próximo biênio (2026-2028) e a apresentação do site da iniciativa de Educação baseada em Simulação para a formação de técnicos em saúde, que deve ser lançado em novembro.
Ana Beatriz de Noronha, assessora da Coordenação de Cooperação Internacional da EPSJV, ao apresentar o site destacou a importância da iniciativa como meio de aproveitamento da diversidade da rede. “Criar uma plataforma para o intercâmbio de conhecimentos, experiências e materiais educativos que possibilite a cooperação técnica entre as instituições para a formação de técnicos”, completou. O site engloba diversas áreas como notícias e informação, busca de membros e biblioteca.
Em seguida, o evento continuou com as principais propostas acerca da nova proposta do Plano de Trabalho. Carlos Batistella, coordenador da Cooperação Internacional da EPSJV, enfatizou a importância do Plano ser pensado de forma factível. O novo documento, segue quatro objetivos: Fortalecer a rede e sua capacidade de atuação integrada no âmbito da educação de técnicos em saúde; Promover estratégias de disseminação e inserção curricular da Educação Baseada em Simulação na formação e qualificação de técnicos em saúde no contexto Iberoamericano; Fortalecer a capacidade de atuação das instituições da rede em áreas estratégicas para os Sistemas Nacionais de Saúde; e Promover articulação entre a RIETS, o CVSP/Opas e outras instituições que administram recursos vinculados com a educação virtual.