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Soberania e cultura alimentar

Tema foi debatido na aula inaugural da primeira edição do Curso de Desenvolvimento de Agentes Populares de Alimentação e Saúde da EPSJV
Julia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 26/05/2025 15h21 - Atualizado em 26/05/2025 15h21

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) realizou, no dia 7 de maio, a Aula Inaugural da primeira edição do Curso de Desenvolvimento de Agentes Populares de Alimentação e Saúde (APAS) com o tema “Soberania e Cultura Alimentar”. O curso tem o objetivo de promover a soberania alimentar nos territórios das comunidades de Guararapes, Mangueira, Prazeres e São Carlos, todas do município do Rio de Janeiro (RJ), fortalecendo a luta pelo direito humano à alimentação adequada, por meio da organização popular e consolidação dos Comitês Populares de Alimentação.

A mesa de abertura do evento teve a participação de Anamaria Corbo, diretora da EPSJV; Marcelo De Luca, professor-pesquisador da EPSJV e coordenador do curso; Renata Souza, deputada estadual do Rio de Janeiro; Danúbia Gardenia, representante da Agenda de Saúde Agroecologia da VPAAPS/Fiocruz; Muriel Zerbetto, integrante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); e Richarlls Martins, coordenador executivo do Plano Integrado em Saúde nas Favelas.

A diretora da EPSJV falou sobre as principais atividades da Escola e destacou a formação de nível médio dos trabalhadores responsáveis pela Atenção à Saúde. “Essa unidade pensa há 40 anos na formação dos trabalhadores. Trabalhamos com uma parte importante da classe trabalhadora que são todas essas pessoas que não fizeram a formação ou estão empregadas em postos de trabalho de nível médio ou não estão empregadas, mas têm qualificação ou contribuem para diversas políticas de Atenção à Saúde”, ressaltou.

Anamaria lembrou ainda do curso das Cozinhas Solidárias, curso lançado em 2023 pela Escola, com o objetivo de desenvolver a soberania e segurança alimentar nutricional com base na agroecologia e responsável por iniciar o trabalho que está sendo continuado pelo novo curso. “Hoje temos um importante trabalho na formação, na área de alimentação e na área de boas práticas de alimentação para as cozinhas solidárias. E agora, vamos trabalhar na formação dos agentes populares de alimentação fechando esse ciclo”, disse e completou: “Pensar como distribuir a produção desse alimento e como trabalhar com questões fundamentais relacionadas ao combate à fome e à difusão de sistemas alimentares baseados na agroecologia”.

Para Marcelo De Luca, o curso também cumpre a função Institucional da Escola em basear o processo educativo na politecnia. “Se eu pudesse fazer um resumo sobre qual é essa perspectiva, eu diria que é garantir o direito a que todas as pessoas tenham acesso a desenvolver plenamente suas capacidades e potencialidades. Desde as potencialidades intelectuais e cognitivas, até as potencialidades técnico-operacionais, manuais. Então, esse curso foi construído com essa perspectiva”, destacou Marcelo, que coordena o curso juntamente com Ana Carolina Coelho, da Agenda de Agroecologia VPAAPS/FIOCRUZ; e Muriel Zerbetto de Assumpção, do MPA.

O coordenador do curso falou ainda sobre os principais desafios da formação. “Temos um grande desafio, para além do combate à fome no território, que é fortalecer a mobilização nesses locais e tentar ser uma semente de combate à fome na sociedade de uma maneira geral. Então, o curso também pretende fazer essa relação entre o território e a sociedade em geral”, afirmou.

A deputada federal Renata Souza ressaltou uma perspectiva diferente da educação alimentar, a importância do pensamento crítico. “Esse curso sobre segurança alimentar, nessa perspectiva, garante também que a gente possa chegar nos territórios com esse olhar mais crítico sobre essa construção do capitalismo e suas estratégias para continuar inviabilizando a vida da população, em especial da população mais pobre, negra e favelada, então, a gente tem que falar do racismo”, concluiu.

Aula Inaugural

Após a mesa de abertura, houve uma roda de conversa com a participação de Ana Santos, co-fundadora do Centro de Integração da Serra da Misericórdias; Andresa Paiva, integrante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); Juliana Casemiro, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN); e Maria Emília Pacheco, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Os participantes ressaltaram a importância da alimentação não só como direito, mas como elemento cultural e identitário da sociedade brasileira. E como a defesa de uma alimentação diversa garante a diversidade alimentar, como defendeu a representante da FBSSAN. “As práticas de agroecologia e a defesa da soberania alimentar são o direito dos povos produzirem e transformarem segundo as suas culturas. E quando a gente fala de cultura alimentar, estamos falando também de tradição, de identidade. Quando a gente diz: aquele povo gosta de Pato no Tucupi, lembramos logo do Pará. Quando a gente diz: aquele povo gosta de Acarajé, vamos lembrar da Bahia. Então, isso cria também identidades”, afirmou Juliana.

Para Andresa Paiva, a influência do sistema capitalista é um dos principais responsáveis pela diminuição da diversidade alimentar na mesa dos brasileiros. “É uma verdade, a escolha do que a gente vai se alimentar não é nossa, então, o que está disponível é o que alguém está escolhendo para colocar nas prateleiras, porque é mais fácil para o capitalismo. Se você come mais rápido, você tem mais tempo, você trabalha mais”, observou.

A integrante do MPA ainda falou sobre as consequências da falta do poder de escolha. “É uma coisa que vem nos tirando um pouco desse contato direto com a alimentação saudável e com nossos territórios, porque a gente vai perdendo, sutilmente, um pouco da nossa cultura alimentar”, complementou.

Ana Santos disse acreditar que a soberana alimentar não é plena sem o controle da produção do alimento. “Então, a gente fala que a soberania alimentar é um pouco de quem está na roça e quem está nas hortas, quem está em qualquer quintalzinho produtivo que possa decidir como quer produzir, mas, para produzir, essas pessoas precisam também ter acesso aos insumos. Então, a gente fala que um povo soberano é um povo que consegue, também, produzir seu próprio bioinsumo”, disse. 

A ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional destacou a importância da produção de alimentos não baseada na monocultura. “Eu fico bem indignada quando escuto assim: esse é um país que produz muito alimento, não podia ter fome. A gente tem que corrigir essa frase. A monocultura não é a produção do alimento, da comida de verdade. É produzir determinados grãos que servirão para os animais em outros países, a exemplo da soja”, concluiu Maria Emília.