A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) promoveu, no dia 1º de setembro, a live “Ventilação dos ambientes e covid-19: o que as escolas devem saber para o retorno presencial seguro?”. A atividade fez parte de uma série de iniciativas para ajudar no enfrentamento da Covid-19 no que diz respeito às instituições de educação. “Assumir que a transmissibilidade aérea é a principal forma de transmissão do vírus tem um impacto enorme na organização dos protocolos e, junto com isso, para mitigação dos riscos, a discussão da ventilação é fundamental”, ressaltou Anamaria Corbo, diretora da EPSJV.
Para a jornalista Raquel Torres, que atualmente trabalha no Observatório de Política e Gestão hospitalar da Fiocruz, hoje, em 18 meses de pandemia, ainda existem muitas escolas fechadas e muitas crianças sem acesso, na prática, à educação. E, mesmo nas escolas que abriram, têm relatos de protocolos ruins, que segundo ela, não protegem da melhor maneira nem as crianças e adolescentes e nem os trabalhadores. “Isso não acontece só em escolas. Acontece em mercados e até em instituições de saúde. E um dos motivos desses protocolos frágeis é o fato de muitos de nós ainda não compreendemos como o coronavírus se transmite”, apontou.
Na visão dela, o começo de pandemia foi confuso e com uma avalanche de notícias, pesquisas e artigos. “Desde o início, a grande preocupação era saber como se dava a transmissão. Tinham várias teorias de como seria a principal forma de contaminação, se eram por alimentos, superfícies. Algumas pesquisas mostravam que o coronavírus poderia permanecer nas superfícies por horas e essa mensagem ficou forte mesmo que depois tenham visto que essa possibilidade é bem remota”, lembrou.
Naquele momento, Raquel relembrou que a recomendação era ficar em casa e lavar as mãos o tempo inteiro e o uso de máscara, em geral, não era recomendado. Segundo ela, a Organização Mundial da Saúde (OMS) demorou e só deu essa recomendação em junho de 2020. “Foi quando passaram a acreditar que a transmissão se dava pelo contato direto pelas gotículas que saem quando a gente tosse e respira. Por isso o distanciamento era importante”, explicou.
Só que não é assim. Desde o começo, continuou Raquel na live, tinham muitos especialistas apontando que a principal forma não era as gotículas e sim os aerossóis, partículas pequenas que saem da boca e do nariz ao falar e respirar. Por serem pequenos e leves, ficam suspensos no ar. “Dessa forma, o perigo da contaminação estava em compartilhar o ar com alguém contaminado. Foi preciso uma pressão muito grande da comunidade científica para a OMS reconhecer a possibilidade desse tipo de transmissão para que, muito timidamente, revessem suas recomendações. Mas ainda assim negavam a necessidade de máscara quando tivesse distanciamento”, lamentou.
De acordo com a jornalista, foi somente há três meses que a OMS reconheceu sem reservas que existe a transmissão pelo ar. “Isso influencia os protocolos adotados por gestores locais e a percepção de risco da população”, alertou, completando que embora pareça simples, o reconhecimento traz o entendimento de que muitos ambientes não são seguros o suficiente. “Nem mesmo os serviços de saúde oferecem essa segurança”, exemplificou.
Por fim, Raquel reafirmou a necessidade de se pensar formas de proteger as pessoas enquanto a realidade da pandemia não muda. “Existem mudanças que podem ser feitas, existem maneiras de tornar os locais seguros. Isso é mais importante do que gastar dinheiro com coisas que não serve para muita coisa, como medir temperatura. A realidade concreta é que a maior parte das pessoas precisa se expor em ambientes que oferecem perigo”, concluiu.
Para o físico Vitor Mori, membro do Observatório da Covid-19 do Brasil, a evolução nessa compreensão foi a maior revolução científica que se teve no curso da pandemia. “Muitas evidências surgiam derrubando teses que se mantinham há décadas”, lembrou. Segundo ele, o período inicial da pandemia era um momento em que a sociedade estava muito preocupada e aberta em receber informações. “Naturalmente, era um momento mais propício para que as pessoas absorvessem informações e guardassem elas. Atualizar essa informação é mais difícil. O que mais pecamos no começo foi não comunicar as incertezas inerentes da ciência”, apontou, explicando que a ciência é um processo que evolui a partir de quando novas evidências surgem.
Na linha do tempo das descobertas em relação a como o vírus era transmitido, Vitor ressalta que só depois de um tempo descobriram que a transmissão acontecia mais prevalentemente em espaços internos e mal ventilados do que espaços abertos. A impressão que passou é que essa discussão não chegou muito forte no Brasil. Talvez porque tivemos que lidar com o negacionismo e tentar mostrar para as pessoas que a pandemia era uma coisa séria. Perdemos muito tempo discutindo coisas que fogem do consenso da ciência”, lamentou. E completou: “Naturalmente os protocolos vão refletir essas orientações e esse atraso no debate”.
Para explicar como ocorre a transmissão por aerossóis, o físico fez uma analogia com a fumaça do cigarro. “Uma pessoa infectada, simplesmente, transmite o vírus por falar, respirar... E quanto mais e mais alto fala, mais partículas contaminadas com o vírus se transmite. A gente pode pensar que uma pessoa infectada está fumando. Num espaço fechado, essa fumaça se acumula e se espalha por todo espaço, diferentemente dos espaços abertos”, elucidou.
Diante desse contexto, Vitor afirmou que o ponto fundamental é a ventilação dos ambientes internos e a preferência por ambientes abertos. “É preciso garantir troca de ar com o meio externo. Abrir bem as portas e janelas, colocar ventiladores próximos das portas. Mas, além disso, é muito importante o distanciamento físico e o uso de máscara de boa qualidade e bem ajustada ao rosto”, explicou.
Em seguida foi a vez do engenheiro mecânico Bruno Perazzo, da Coordenação-Geral de Infraestrutura dos Campi (Cogic/Fiocruz). Bruno tem ajudado a EPSJV a pensar soluções para melhorar a ventilação e a troca de ar nos ambientes da escola. “Nos ambientes com ventilação mecânica, existe instrumentação possível para que um técnico possa mensurar essa ventilação e comparar com os parâmetros recomendados. Mas muitos espaços têm ventilação natural e acho, inclusive, que essa é uma grande saída para o Brasil, porque a arquitetura das escolas brasileiras tem uma tradição de projetar ventilação natural adequada”, apontou.
Ele explica ainda como é feita a mediação nesses ambientes com ventilação natural. “Pode ser avaliada por uma forma indireta. A gente injeta um contaminante, tipo dióxido de carbono, e mede a concentração dele para avaliar como a ventilação pelas janelas abertas conseguia reduzir essa concentração ao longo do tempo”, disse.
Por fim, Bruno apontou que, na EPSJV, foi pensada em uma atuação em estágios em função de questões de custo e rapidez de resposta. “Começamos com uma ventilação emergencial, aplicando ventiladores e direcionando o ar das salas para serem expulsos para o exterior. Esse ar expulso acaba sendo substituído pelo ar que entra pelas portas e janelas abertas. Também estamos instalando ventiladores de teto operando em baixa rotação para evitar zonas de estagnação de ar. O que queremos é troca de ar com distribuição de ar adequada e com qualidade”, ressaltou. E completou afirmando que num segundo estágio poderão ser usados os ar-condicionados: “Teremos que agregar as técnicas de ventilação e filtragem em paralelo, complementando com purificadores de ar com filtro de alta resistência contra aerossóis”.
"Essa live vai ajudar muito. As instituições e os docentes têm que pressionar o poder público para que tomem medidas adequadas para o retorno seguro", finalizou Anamaria.
Assista na íntegra aqui: Ventilação dos ambientes e covid-19: o que as escolas devem saber para o retorno presencial seguro?