Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Inep

Criado em 1937, as atividades do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) estão divididas em três grandes áreas: a promoção de avaliações e exames, gestão do conhecimento e produção de pesquisas estatísticas e indicadores educacionais. Desde as últimas décadas, a divisão de avaliações é a mais conhecida, em especial por conta do Enem. No entanto, pesquisadores defendem a retomada da realização de pesquisas mais amplas.
Juliana Passos - EPSJV/Fiocruz | 09/05/2022 14h37 - Atualizado em 01/07/2022 09h40

O fiel depositário dos dados da educação no Brasil. Assim pode ser resumida a atuação do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que se desdobra em três grandes objetivos: a promoção de avaliações e exames, gestão do conhecimento e produção de pesquisas estatísticas e indicadores educacionais. Nas últimas décadas, o setor de Avaliações tem se tornado a face mais conhecida do Inep, principalmente em função do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), que se tornou caminho de acesso ao ensino superior. Mas quando o órgão nasceu, há mais de 80 anos, eram as outras duas funções que estavam no foco.

O Inep foi criado em 1937 com a proposta de produzir conhecimento e indicadores sobre a educação brasileira. Para escoar essa produção e estimular colaborações com outras instituições, em 1944, o órgão criou a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), periódico respeitado na área e até hoje em circulação. Ainda em 1938, o Decreto-lei nº 580 previa que o Inep tivesse uma seção de documentação e intercâmbio. A proposta foi concretizada em 1981, com a criação do Centro de Informação e Biblioteca em Educação (Cibec) e a fusão de 11 bibliotecas do Ministério da Educação (MEC). É nesse mesmo ano que o segundo periódico científico é lançado: o Em Aberto. Como se vê, todas essas atividades atendiam à área interna que hoje é denominada de Gestão do Conhecimento e Estudos Educacionais.

Atualmente, entre as principais atribuições desse setor está o monitoramento do Plano Nacional de Educação (PNE), encaminhado pelo MEC ao Congresso e regido pela lei 13.005/2014. Esse acompanhamento é feito com a produção de estudos, como o relatório produzido a cada dois anos sobre o estágio do cumprimento das 20 metas estipuladas pelo plano para todos os segmentos educacionais. Ainda que seus dados subsidiem não só as propostas inseridas no PNE como a formulação de programas educacionais, e que produza indicadores para acompanhar o cumprimento das metas, não é papel do Inep propor políticas públicas, de acordo com o Decreto nº 6.317/ 2007 que detalha as atribuições do órgão.

Na divisão de Pesquisas Estatísticas e Indicadores Educacionais, os trabalhos mais conhecidos são o do Censo Escolar e de aferição do Índice de Desenvolvimento Escolar da Educação Básica (Ideb). O Censo coleta informações sobre a infraestrutura das escolas, número de estudantes matriculados, taxa de distorção idade-série, aprovação, abandono, formação e salário dos docentes. “Essa contagem é extremamente importante, não só para alimentar futuras políticas, mas para avaliar o funcionamento das que já existem. Uma coisa que distingue o Brasil de outros países é que é a partir desses dados que o governo federal envia recursos para as escolas”, diz o professor da Universidade de São Paulo (USP) Ocimar Alavarse.

O Censo Escolar foi criado em 2008 e trouxe mudanças importantes na destinação de recursos para a educação. “O Censo é usado para fundamentar quase todas as políticas de financiamento do FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação] e do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação]. É a fonte primária, digamos assim, para distribuição de recursos e reverteu uma situação que a gente tinha nos anos 1990 de o FNDE ser um balcão de negócios”, avalia o professor da Universidade de Brasília (UnB) Luiz Araújo, que completa: “Quando não usa os critérios do censo, você constrói escolas onde não precisa, financia programas onde não é mais necessário e não melhora os indicadores porque não incide onde precisa de política pública”. Também a partir dos dados do Censo sobre aprovação escolar, em combinação com os dados de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que mede conhecimentos em português e matemática, é elaborado o Ideb. A meta do Inep para 2022 é que o país alcance nota 6, índice que, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), indica um ensino de qualidade comparável ao dos países desenvolvidos.

Certificação e o peso das avaliações No rol de responsabilidades do Inep está a realização do exame que atesta proficiência em português para estrangeiros (Celpe-Bras) e a certificação de alguns cursos de graduação para o reconhecimento de titulações no Sistema de Acreditação Regional de Cursos de Graduação do Mercosul e Estados Associados (Arcu-Sul). Esse sistema é regido pelas determinações da Rede de Agências Nacionais de Acreditação (Rana) e exige uma avaliação documental e presencial das instituições interessadas. Fora dessa área de cooperação, o Inep é também responsável, por exemplo, pelo Revalida, exame que valida (ou não) o diploma de médicos que se formaram fora do Brasil e que se tornou conhecido na polêmica nacional sobre o programa Mais Médicos. Isso porque o Conselho Federal de Medicina (CFM) reivindicava que ele deveria ser necessário para autorizar a cooperação com médicos cubanos mas, na época, para garantir a presença desses profissionais em regiões remotas do país, o governo brasileiro abriu mão dessa exigência.

Certificação e avaliação se confundem em algumas ações, como, por exemplo, o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) que, em parceria com as secretarias estaduais e municipais de educação, emite certificados de proficiência dos conteúdos do ensino fundamental e médio. Isso porque, embora o site institucional afirme que o exame também tem como objetivo “possibilitar o desenvolvimento de estudos e indicadores sobre educação brasileira”, para Alavarse o Encceja não consegue ir além da certificação.

E, sem produzir dados sobre a qualidade desse segmento e orientações sobre destinação de recursos, diz o pesquisador, ele não contribui, por exemplo, para um debate sobre a ampliação de investimentos nessa área. Entre os principais exames produzidos pelo Inep estão três voltados para a educação básica – Saeb, Enem, Encceja – e um voltado para o ensino superior, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Apesar de estar presente no Censo Escolar, a Educação Profissional não tem um sistema de avaliação. Em 2019, sob a portaria nº 1.953, o Inep designou uma comissão para a elaboração do primeiro Anuário Estatístico da Educação Profissional e Tecnológica e publicou os resultados em setembro de 2021.

A partir de provas aplicadas nacionalmente, o objetivo das avaliações promovidas pelo Inep é obter resultados que, combinados com outros indicadores, possam subsidiar as análises sobre cada segmento educacional. No entanto, o peso que essas avaliações ganharam para a orientação de políticas públicas e direcionamento das dinâmicas escolares tem sido alvo de críticas de especialistas. Talvez a face mais conhecida da tarefa avaliativa do Inep seja seu trabalho de elaboração do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que passou a ser o mecanismo de seleção para o ingresso nas universidades a partir da criação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). “Em contraste com o que nós tínhamos há 30 anos, o Inep concentrou em suas mãos essa tarefa de selecionar alunos para a educação superior. Com isso, ele acaba fazendo uma série de sinalizações, por exemplo, sobre como deve ser o ensino médio brasileiro”, avalia o professor da USP. Luiz Araújo concorda: “Há uma centralização de regras do governo federal e as avaliações acabaram servindo para você impor um determinado currículo sem negociações com os entes federados”. Em março, o governo federal anunciou que está em elaboração o novo Enem, que será implementado a partir de 2024, após a Reforma do Ensino Médio.

Antes de realizarem o Enem, os estudantes que cursaram o ensino fundamental e médio regular fazem a prova do Saeb, que também é elaborada pelo Inep. Aplicada a cada dois anos – para todos os alunos das escolas públicas e de forma amostral nas privadas –, a prova avalia os níveis de desempenho em português e matemática. A partir de 2019, por conta da implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), se iniciou a aplicação de uma prova com conteúdo de ciências da natureza e de humanidades para 9º ano de forma amostral. Para garantir um bom desempenho no Saeb, muitos estados e municípios passaram a realizar seus próprios exames estaduais como um preparatório e oferecem bonificação para as melhores escolas. Por focarem no desempenho, na opinião de Luiz Araújo, essas avaliações promovem rankings que acabam por isentar a responsabilidade da esfera federal nas deficiências encontradas. “As escolas se avaliam o tempo inteiro, conhecem bem as crianças. A avaliação em larga escala não capta todas as disparidades regionais e aspectos específicos dessa avaliação, então dá uma falsa impressão de uma homogeneidade sobre um problema mais complexo”, argumenta.

A demanda por avaliações mais abrangentes e integradas não é nova. A própria lei do PNE em vigor prevê que as avaliações na educação básica não se limitem a medir o desempenho dos alunos. “Indicadores de avaliação institucional, relativos a características como o perfil do alunado e do corpo dos (as) profissionais da educação, as relações entre dimensão do corpo docente, do corpo técnico e do corpo discente, a infraestrutura das escolas, os recursos pedagógicos disponíveis e os processos da gestão, entre outras relevantes”, diz a lei 13.005/2014 em seu artigo 11. E essa mudança viria com a ampliação do Saeb para além da prova, que ganharia até um novo nome: Sistema Nacional da Avaliação Básica (Sinaeb). Esse sistema chegou a ser criado por meio de uma portaria do MEC no final do governo de Dilma Rousseff, em 2016, mas foi revogado meses depois no governo Michel Temer. Em 2020, o Sinaeb foi novamente previsto pela Emenda Constitucional 108, que criou o novo Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação e Valorização dos Profissionais da Educação.

Em um balanço do das atividades de avaliação do Inep, Araújo argumenta que as avaliações realizam comparações que fortalecem as desigualdades já existentes. “É preciso ter políticas que não fiquem comparando coisas que não têm as mesmas condições para ter o mesmo desempenho, quando a porta de entrada [dos estudantes] não foi a mesma e as condições [de estudo] não são as mesmas. Se não, vou sempre concluir que os mais pobres são mais pobres, e são mais precários em atendimentos”. Para o pesquisador, o caminho seria diminuir o peso das avaliações e equilibrar com os outros setores do órgão. Ele considera que, por conta de orçamento e disponibilidade de servidores, o Inep virou uma “agência de aferição de resultados” com um certo papel de regulador. “O que nós precisamos é de um equilíbrio entre as áreas. Ter um órgão que gerencie as informações, que seja um banco protetor das informações, que lhes dê fidedignidade e que as ofereça para que a sociedade possa analisá-las, seja a comunidade científica, seja o pai de um aluno, qualquer cidadão. Essa seria a função original do Inep”, completa. João Horta Neto, pesquisador do Instituto, concorda com Luiz Araújo, mas pondera que o momento é outro. “Não faz sentido voltar à concepção inicial do Inep de órgão fomentador e financiador de pesquisas, porque as universidades já estão mais consolidadas, e também porque estamos seguindo um modelo já adotado em outros países que possuem órgão de fomento próprio. E seria importante que o Inep voltasse a realizar mais pesquisas uma vez que possui um corpo técnico em que mais de 90% tem pós-graduação”, comenta. A reportagem procurou o Inep por meio de sua assessoria de imprensa para conversar com um porta-voz do órgão, mas não obteve retorno.