Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras
Entrevista: 
Francisco de Oliveira

A crise financeira atual

Foi dele uma das 2 mil assinaturas do manifesto de fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). Vinte e quatro anos mais tarde, ele participou da fundação de outro partido, o PSOL. Em comum, sempre carregou a aposta no socialismo. Com uma formação em sociologia que vai da graduação até o pós-doutorado, Francisco de Oliveira é professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e tem mais de 15 livros publicados, além de artigos e uma ampla participação pública nas discussões políticas do país. Nesta entrevista, Chico de Oliveira, como é mais conhecido, fala sobre as causas e faz uma análise da crise financeira atual. Embora não ache que ela represente o fim do capitalismo, ele acredita que, desta vez, não serão só os pobres que pagarão a conta.
Sandra Pereira - EPSJV/Fiocruz | 15/03/2009 08h45 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

IHU-UnisinosNa sua opinião, qual a causa da crise econômica e financeira atual?

Essa é uma crise de crescimento do sistema capitalista. Ela se exprime em termos financeiros porque todo mundo aplica seus excedentes em letras do Tesouro dos Estados Unidos, que é o ativo financeiro de menor rendimento, mas é o mais seguro. Internamente, os bancos norte-americanos afrouxaram o crédito e disso veio a chamada crise das hipotecas subprimes (pessoas com menor poder aquisitivo). Na verdade, essa crise está sendo gestada há algum tempo e corresponde a um crescimento do sistema capitalista, que é espantoso. Nos últimos 20, 30 anos, a China e a Índia colocaram no mercado industrial de trabalho cerca de 800 milhões de operários: isso é uma revolução sem precedentes no sistema capitalista, gerou excedentes comerciais e financeiros espantosos. A China é a principal compradora de títulos do Tesouro Americano. Isso elevou o que os economistas chamam liquidez do mercado financeiro norte-americano. Daí todo mundo saiu para comprar casa, comprar carro. Acontece que a renda dos consumidores americanos não cresce no mesmo ritmo que os excedentes chineses. A economia da China vem crescendo numa média de 10% ao ano, enquanto a economia norte-americana cresce no máximo até 4% ao ano. Isso mostra uma forte assimetria entre a China, que produz a mercadoria mais barata do mundo hoje, e os Estados Unidos, que compram boa parte dessas mercadorias. Essa é a origem da crise. É uma crise do sistema capitalista como nunca houve. A raiz, portanto, da crise, está na economia real e não na economia financeira. Mas ela se transforma em crise financeira porque os excedentes chineses financiaram a expansão do crédito nos Estados Unidos.

Qual é a diferença entre crise e a de 1929?

A entrada da China e da Índia na economia de mercado é a principal diferença dessa crise para a de 1929, que nasceu e foi gestada no coração do centro do sistema econômico, que já eram os Estados Unidos. Ela nasceu ali e se espalhou pelo mundo todo. Essa nova crise, que não é tão repentina quanto se pensa, nasce na periferia do sistema. É projetada para dentro do lucro mais importante do sistema e daí é exportada para todo o mundo. Por quê? Porque todo mundo aplica em bônus do Tesouro Americano. Então, a crise financeira vai repercutir nos demais países sob duas formas: a primeira, na desvalorização dos títulos do tesouro americano. A segunda, na queda da economia real dos norte-americanos e da Europa porque se reflete na compra de produtos brasileiros, argentinos, enfim, de toda a periferia. As conseqüências serão bastante graves. É difícil avaliar a gravidade. E os remédios que estão sendo utilizados são de caráter financeiro e isso não resolve. Evita que o sistema afunde, mas não coloca dinamismo na economia.

É uma derrota do neoliberalismo?

Isso é uma tremenda expansão do capitalismo, mas uma derrota das concepções neoliberais, o que sempre ocorre. Na verdade, se não seguíssemos as concepções neoliberais, não chegaríamos a uma expansão desse porte no mundo. Podemos ver que uma pessoa que use tênis no Brasil provavelmente esteja usando um tênis produzido no vasto continente asiático. Enquanto a China e a Índia estiverem “bombando” a essa velocidade, a crise não vai passar. Ela não afundará porque o poder dos bancos centrais e dos governos hoje é muito mais direcionado. Ninguém vai fazer como o Bush (ex-presidente dos Estados Unidos George Bush), que não ligou para a crise e o resultado foi desastroso. É preciso não esquecer que, mesmo tendo ajuda do Keynesianismo, a verdade é que foi a segunda guerra mundial que tirou a economia norte-americana da crise.

A volta do keynesianismo seria uma saída?

O retorno ao Keynesianismo é insuficiente. John Keynes foi um teórico que mandou aplicar seus remédios em economia que tinham um dinheiro nacional controlado por poderes institucionais muito fortes. Não é o caso de uma economia globalizada, em que não há esse dinheiro mundial. Existe moeda forte como o dólar, mas isso não dá lugar para que políticas como a keynesiana sejam aplicadas mundialmente.

Quem pagará a conta?

Não acho que só os pobres irão pagar a conta, porque a crise não está acontecendo apenas nos países pobres como o Brasil, Argentina ou Chile. Quem vai pagar a conta mesmo são os norte-americanos e os Europeus. Se houver um enorme acordo que inclua a China e a Índia, haverá mais possibilidade de controle da crise. É bem provável que isso ocorra, porque esses dois países não querem tocar fogo no circo.