O presidente Michel Temer publicará nos próximos dias um decreto por meio do qual reativa o Conselho de Saúde Suplementar (Consu). O que essa medida significa?
O Consu foi criado logo depois da aprovação da Lei 9.656 [que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde], em 1998. Foi uma instância importante até a existência da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar]. Precisamos observar com atenção tudo isso, pois o Consu está sendo retomado no momento em que a ANS está enfraquecida técnica e politicamente. A proposta de retomada do conselho vem em um momento de sucessivas derrotas do governo e das operadoras na Justiça, após sucessivas tentativas das operadoras e do governo de fazer mudanças na legislação, como as propostas de coparticipação e de planos de saúde acessíveis. Esperava-se avançar com essas mudanças no âmbito da ANS, mas a Justiça brasileira, após pressão social, barrou todas elas. A proposta de plano de saúde acessível, por exemplo, que implica diminuição de direitos, foi apresentada pelo ex-ministro da Saúde, Ricardo Barros. Foi também pauta do Congresso Nacional, que chegou a criar uma comissão especial para discutir a questão. Felizmente a proposta não foi colocada em votação, nem na comissão, nem no Plenário, e certamente, nesse momento eleitoral, não há viabilidade de algo tão impopular passar. Muitas dessas demandas foram barradas na Justiça, apesar do ambiente favorável ao governo e operadoras, pelo fato de cargos estratégicos da ANS serem ocupados por indicações políticas, o que significa a agência estar sempre absorvendo as demandas do setor privado em detrimento de sua missão. Pela primeira vez, o reajuste dos planos de saúde proposto pela ANS foi contestado pelo Tribunal de Contas da União. A regra de coparticipação, por sua vez, foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal. É uma sucessão de derrotas na Justiça, depois de muita mobilização da sociedade, que demonstrou que a ANS deixou de ser ambiente favorável à agenda do setor privado. O Consu ressurge, talvez, para se tentar adotar todas as medidas barradas pela Justiça, que não foram bem-sucedidas para as operadoras, nem para o Ministério da Saúde. Lógico que há, ainda, muita dúvida em relação ao alcance e à intenção do Consu. Desconfiamos bastante de todas as intenções, principalmente porque a regulação do setor é deslocada para a Casa Civil. Isso não cheira bem.
Podendo propor políticas e rever decisões já tomadas, o Consu se sobreporia à ANS?
Sim, há uma sobreposição de funções. Mas, como já dito, isso só acontece porque a ANS está enfraquecida tecnicamente e desmoralizada politicamente, seja pelas sucessivas contestações judiciais sobre suas decisões, seja pelas indicações políticas por parte do atual governo para compor a diretoria. Quando o TCU [Tribunal de Contas da União], por exemplo, apresenta problemas quanto à política de reajuste dos planos individuais, ele está questionando a capacidade técnica da agência. A ANS vive hoje em declínio. Isso é reflexo de suas escolhas e decisões tomadas ao longo do tempo, que estão mais próximas das operadoras que de suas atividades. Trata-se de uma última tentativa do governo para aprovação da agenda dos planos de saúde.
A matéria publicada pelo 'O Globo' (28/8) informa que o regimento do Consu foi alterado: passa a contar com duas câmaras técnicas, uma dedicada à análise das resoluções pretéritas do Conselho e outra com o escopo de estudar e propor diretrizes gerais para o setor. O que isso significa na prática? Qual será a diferença entre o Consu e a ANS?
Não sabemos ainda o que significará na prática. Avaliamos apenas o risco de sobreposição de funções. O Consu servirá, talvez, para substituir a ANS em algumas questões que ela não deu conta, que faziam parta da agenda dos planos de saúde e do governo. Do ponto de vista jurídico, isso é inédito. O Consu era uma instância provisória, que funcionaria nos dois anos entre a lei e a criação da ANS, mas ele continuou, propôs resoluções importantes para regulamentar o setor naquele momento.
A medida é anunciada às vésperas da audiência pública para tratar dos temas da franquia e coparticipação, convocada pela ANS para o dia 4 de setembro. O que podemos esperar dessa audiência?
A audiência é o melhor caminho para apresentarmos nossas críticas a essas proposições. Ela irá expressar muito mais as divergências que os consensos. Mas isso não quer dizer que a ANS, de novo, não vai fazer o que ela queira. Temos que estar atentos.