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Entrevista: 
Fernando Cândido

'É um desmonte da Estratégia de Saúde da Família'

Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Agentes de Combate às Endemias (ACE) de todo o Brasil se reuniram em Brasília nos dias 8 e 9 de junho para participarem de manifestações e uma audiência pública contra as portarias 958 e 959 do Ministério da Saúde. As portarias, por enquanto suspensas, mas não revogadas, retiram a obrigatoriedade da presença dos ACS nas equipes de Saúde da Família. Nesta entrevista, Fernando Cândido, presidente da Federação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias (Fenasce), entidade ligada à CUT, critica a falta de diálogo com os trabalhadores na definição da medida, classificada como nociva para a população.
Maíra Mathias (Enviada à Brasília) - EPSJV/Fiocruz | 09/06/2016 15h53 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Como vocês recebram a notícia da publicação da portaria? Vocês tinham alguma informação de bastidor de que essa discussão estava acontecendo na tripartite?

Na verdade, nós fomos comunicados de que havia ocorrido a aprovação na Comissão Intergestores Tripartite de uma resolução de inclusão do técnico de enfermagem na equipe de Saúde da Família. Mas nós deixamos muito claro, quando estávamos reunidos no Ministério da Saúde, que queríamos debater os efeitos dessa decisão. Pois bem. Só isso. No entanto nos supreendeu a publicação das portarias sem haver o diálogo com os representantes da categoria dos agentes comunitários e agentes de combate às endemias. É extremamente nociva essa portaria para a saúde da população. É um desmonte da Estratégia de Saúde da Família. Nós vamos combatê-la, vamos exigir a todo momento a sua revogação.

Vocês sabiam de uma discussão da inclusão do técnico na equipe, mas não da exclusão do agente comunitário de saúde?

Exatamente. Nos repassaram que a tripartite discutiu a possibilidade de inclusão de mais um profissional, que seria o técnico de enfermagem. Para a gente seria ótimo. No entanto, nos surpreendemos quando da publicação da portaria, que propõe justamente a substituição.

E vocês foram informados quando e por quem?

Vimos através da publicação no Diário Oficial.

Mas dessa discussão?

Isso foi dado pelo próprio Hêider Pinto, que era o secretário de Gestão do Trabalho, o Angelo D'Agostin, que era o diretor de Gestão do Trabalho. Eles haviam nos advertido, mas inclusive tinham orientado a gente a procurar o Depatamento de Atenção Básica porque isso fugia da competência deles. E havia o compromisso que na reunião seguinte, já do Grupo de Trabalho que seria criado através de portaria [211], pautar esse assunto. Mas o ministro teve pressa em publicar essa portaria e nos pegou de surpresa.

A que a Fenacs atribui essa pressa em publicar essa portaria, que foi um dos últimos atos do ministro interino Algenor Álvares no apagar do afastamento da presidente Dilma Rousseff?

Eu acho que houve um conjunto de fatores. Primeiro, o próprio interesse do governo ou compactuação do governo com esse lobby que o Conselho Federal de Enfermagem estava fazendo e a anuência dos secretários por entender que para eles é melhor um técnico de enfermagem do que os agentes comunitários. Do ponto de vista do gestor, vemos o interesse de permanecer um trabalho precarizado porque 90% dos técnicos de enfermagem que são contratados nas prefeituras são contratados de forma precária. Terceirizados, Organizações Sociais, enfim. Outra coisa importante é que não há um piso salarial para esses profissionais. Então, certamente os gestores pagariam um salário mínimo para eles. E também na visão de alguns gestores isso traria dividendos políticos por uma concepção de que o atendimento clínico, o trabalho curativo é melhor do que o trabalho preventivo feito pelo agente comunitário.

E qual é o papel do Conselho Federal de Enfermagem, que publicou no site uma carta no site comemorando as portarias sem nenhum viés crítico?

Eu tenho certeza que tudo isso foi articulado com o Conselho Federal de Enfermagem. Não tenho dúvida que o Conselho fez lobby junto com o Conasems para que essa portaria fosse aprovada. Então é importante que a gente convença o Conasens a mudar de ideia. É importante que o próprio ministro [interino] da saúde entenda que ele não precisa dar necessariamente continuidade a um desatino desse que foi cometido pelo ex-ministro interino. Mas se nós não conseguirmos através do diálogo, a gente vai se utilizar além do PDC que é um instrumento jurídico aqui da Casa, vamos fazer manifestações, mobilizações a nível nacional. Não está descartada a hipótese de promover uma greve geral, seguida ou acompanhada de ocupações nas sedes dos Conselhos Municipais de Secretários.

Você é de uma Federação ligada à CUT que historicamente é ligada ao Partido dos Trabalhadores. É de conhecimento geral que os governos do PT investiram no trabalho do agente comunitário de saúde, na atenção básica, mas como último ato do governo afastado ficou o desmonte através dessas portarias. Como avalia isso?

É extremamente lamentável. Porque eu costumo dizer que todas as conquistas dos agentes comunitários e dos agentes de combate às endemias, sem exceção, se deram nos governos do PT, de Lula e da Dilma. Isso eu falo do incentivo que aumentou de um salário mínimo para um salário mínimo mais 50%, o aumento das equipes de Saúde da Família, a implementação de ações de combate as endemias, a própria efetivação da Emenda 51, o PMAQ. Várias conquistas se deram nesse governo. Infelizmente, ao invés desse governo que passou ter reavivado a memória da categoria para esse legado através do reajuste do piso cometeu essa tragédia de publicar essa portaria que deixou a categoria toda em pânico. São as contradições da vida.

O que você avalia da posição do Conselho Nacional de Saúde que não compareceu à audiência e enviou ofício dizendo que não realizou debate sobre o tema até agora, embora tenha se reunido ordinariamente na semana passada durante o Congresso do Conasems?

Eu não tenho elementos suficientes para fazer um juízo de valor nesse momento. Mas uma coisa é certa: nós vamos procurar o Conselho Nacional de Saúde através das entidades que nós, inclusive, somos filiados, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social é uma confederação a qual nos somos filiados. Vamos entrar em contato com ela para saber as razões que levaram o Conselho não fazer esse debate e se omitir de estar hoje aqui presente nesta audiência tão importante.

E em relação a bandeira do reajuste do piso?

Nós não vamos em momento algum perder de vista a necessidade de lutar pelo reajuste do piso. O reajuste concedido ao Poder Judiciário e aos membros do Ministério Público vai causar um impacto de aproximadamente R$ 58 bilhões, enquanto o reajuste do psio dos agentes comunitários e dos agentes de endemias pelo IPCA dos últimos 24 meses não custaria R$ 800 milhões. A diferença é bruca, é um disparete. Se o governo demonstrou que tem condições de reajustar o piso desse contingente de trabalhadores, eu acho que seria coerente promover o nosso reajuste. Essas duas bandeiras de luta serão priorizadas.