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Entrevista: 
Luiz Inácio Lula da Silva

Luiz Inácio Lula da Silva

Conheça as propostas do candidato da coligação Brasil da Esperança (Federação Brasil da Esperança – PT / PC do B/ PV -, Federação PSOL REDE - PSOL/REDE -, PSB, AGIR, AVANTE e Solidariedade) nas áreas de saúde, educação e trabalho
Redação - EPSJV/Fiocruz | 06/09/2022 12h53 - Atualizado em 06/09/2022 15h46

O Brasil tem uma das taxas de desemprego mais altas entre os países do G20 e a média salarial alcançou a menor taxa nos últimos dez anos. Quais serão as políticas do seu governo para gerar empregos? São previstas estratégias para criação de empregos?

O modelo de desenvolvimento que propomos requer recuperar a ação do Estado como indutor e coordenador de políticas públicas de emprego, trabalho e renda, fortalecendo e ampliando a abrangência de atuação das instituições do mundo do trabalho. Para enfrentar o desemprego estrutural, o novo governo Lula atuará na regulação do mercado de trabalho, promovendo geração de trabalho decente e buscando a ampliação da renda dos trabalhadores. A partir de um amplo debate e negociação tripartite vamos propor uma nova legislação trabalhista, para construir um novo marco legal que assegure e restaure direitos e garantias dos trabalhadores, independentemente da natureza de suas ocupações.

Daremos atenção especial aos autônomos, aos que trabalham por conta própria, trabalhadoras domésticas, teletrabalho, e trabalhadores em home office e mediados por aplicativos e plataformas. A política de valorização do salário-mínimo será retomada de forma permanente e assegurará o aumento do valor real, visando à recuperação do poder de compra da população trabalhadora e beneficiária das políticas previdenciárias e assistenciais, essencial para dinamizar a economia, em especial dos pequenos municípios.Reativaremos as principais frentes de expansão da economia brasileira: o mercado interno de produção e consumo em massa; o gasto social e o investimento público; os investimentos em infraestruturas econômicas, urbanas e sociais; além do uso ambientalmente sustentável de recursos naturais estratégicos com inovações industriais e proteção dos bens de uso comum.

Os gastos sociais desempenharão um papel crucial na retomada do crescimento e do emprego, combinando os benefícios para as populações mais necessitadas com a transformação produtiva da estrutura produtiva brasileira, induzindo o surgimento de novos setores, incorporando tecnologia e fortalecendo atividades que produzam inovação. Asseguraremos ainda a retomada imediata dos investimentos para fortalecer a geração de empregos. Será absolutamente necessário termos um programa de investimentos públicos em parceira com o setor privado para reerguer a economia e gerar empregos e renda para a população.
No curto prazo, será urgente retomar as obras públicas paralisadas e acelerar as que estão em ritmo lento. No médio e longo prazo, a seleção dos projetos de infraestrutura deverá levar em conta a manutenção e ampliação da infraestrutura existente, e terá em vista o enfrentamento das desigualdades regionais e sociais, assim como as transições ecológica e energética.

Vamos socorrer as pequenas e médias empresas, responsáveis pela maior parte dos empregos no país, por meio da retomada do crédito, renegociação das dívidas e direcionamento do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]. A política de crédito para as pequenas empresas abrangerá também o microcrédito, incluindo pequenos negócios urbanos, a economia solidária e a economia da sociobiodiversidade. Por fim, iremos pavimentar o caminho para reverter a desindustrialização, viabilizar a atualização tecnológica do nosso parque industrial e aumentar a produtividade da nossa economia. A política industrial deve mobilizar os recursos e a grande capacidade empreendedora da indústria nacional, das micro e pequenas empresas familiares até os grandes conglomerados industriais, nacionais e estrangeiros, que produzem e criam riqueza e empregos no país.

Cálculos da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (Cofin/CNS) informam que a redução do orçamento para a Saúde foi de R$ 20 bilhões entre 2016 e 2019. O subfinanciamento histórico do Sistema Único de Saúde (SUS) se agravou com a pandemia do novo coronavírus, devido às demandas represadas e à Covid longa. Quais as suas propostas para fortalecer o SUS?

A garantia da saúde como direito universal e responsabilidade do Estado exige mais investimento.  Para isso, vamos melhorar o padrão de financiamento do SUS, buscando regras mais estáveis para definição do mínimo federal, na perspectiva de elevar o gasto público em saúde.Será necessário um aporte emergencial para fazer jus às demandas reprimidas em função da pandemia, que precisará ser negociado com o Congresso, ainda no período de transição. Ao longo de 2023, o teto de gasto deverá ser revisto com definições de novas regras.

É importante, também, buscar novas receitas, como a taxação mais rigorosa sobre produtos maléficos à saúde, como ocorre com o cigarro. Ademais, gastar de maneira mais eficaz. Para isso, devemos mudar a lógica atual de remuneração do SUS, que ainda se baseia fundamentalmente em pagamento por procedimentos médico. Temos como desafio um novo modelo que dê prioridade a objetivos definidos conforme o perfil socioepidemiológico e as reais necessidades de saúde da população, em cada região ou município.É necessário ampliar e fortalecer a Atenção Básica, a partir da Estratégia Saúde da Família. Vamos reorganizar os Núcleos de Atenção à Saúde da Família com acolhimento humanizado e realizado por equipe multiprofissional. A organização da rede de Atenção Especializada e de Atenção às Urgências será priorizada para fazer frente às demandas represadas. Vamos intensificar a utilização da telessaúde para garantir e agilizar o acesso aos cuidados em saúde.

Apesar da eficiência da vacinação na redução do número de mortes, sucessivas ondas de Covid-19 mostram que a pandemia ainda não acabou. Na sua avaliação, qual o papel do governo federal no controle da pandemia? E quais as suas propostas para o combate à emergência sanitária e o amparo às vítimas?

O governo federal tem o papel constitucional de coordenar as ações de prevenção e controle da pandemia. Além disso, deve articular e cooperar com os demais entes da federação para que a resposta seja integrada, eficiente e eficaz. Isso requer a adoção de medidas sanitárias baseadas em evidências científicas e sintonizadas com as orientações da OMS [Organização Mundial da Saúde] e da OPAS [Organização Pan-Americana da Saúde].

Vamos retomar a gestão interfederativa do SUS, cooperativa e solidária, e desencadear um grande esforço para mobilizar toda a sociedade para adesão em massa ao processo de vacinação, para alcançar a meta de cobertura vacinal superior a 95%, em todas as faixas etárias, com esquema completo. Ao mesmo tempo, vamos capacitar e fortalecer as equipes de saúde multiprofissionais, organizar os serviços do SUS e incentivar estudos e pesquisas para garantir às pessoas com complicações e sequelas da Covid o cuidado adequado, inclusive o acompanhamento a pacientes e familiares. Outra ação será reorganizar o sistema de informações em saúde para que possa orientar o conjunto de ações, de forma confiável e transparente.

Vamos investir em pesquisas e na produção nacional de vacinas e insumos para garantir atendimento de forma oportuna e adequada, inclusive para oferecer, sempre que necessário, vacinas atualizadas contra novas variantes. Vamos fortalecer as ações de vigilância, alerta e resposta às emergências em Saúde Pública, em parceria e articulação com as demais esferas de governo, universidades e institutos de pesquisa e laboratórios públicos. Em respeito à memória das mais de 682 mil vítimas de Covid-19, estaremos preparados para as próximas emergências sanitárias.

Relatório divulgado em julho de 2022 pela ONU coloca o Brasil de volta ao “Mapa da Fome”. Considerando as diferenças desse cenário na cidade, no campo e nos territórios de populações vulnerabilizadas, como indígenas e quilombolas, como seu governo pretende combater a insegurança alimentar?

A volta do Brasil ao Mapa da Fome não se deu em decorrência da pandemia. Em 2018, dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] sobre já mostravam o crescimento do quadro de insegurança alimentar (IA). O aumento da pobreza e da fome se deve especialmente ao desmonte do conjunto das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional (SAN) e de emprego que foram responsáveis pela saída do mapa da Fome.

A primeira coisa a fazer é retomar essas políticas: 1) Dar prioridade ao combate à fome, destinando recursos a altura do desafio e reconstruindo junto com estados e municípios as ações de SAN; 2) recuperar a renda para a população, até porque o Brasil produz e tem capacidade de produção de alimentos suficientes para alimentar nosso povo mas o povo não tem renda suficiente para acessar esses alimentos. 3) A reconstrução de um programa amplo e eficiente de transferência de renda, nos moldes do Bolsa Família, mas fortalecido para dar conta dos atuais níveis de pobreza; 4) Fortalecer e ampliar o PNAE, Programa Nacional de Alimentação Escolar, levando comida de qualidade para os nossos estudantes da rede pública; 5) Fortalecer muito a produção de alimentos para o mercado interno, recuperando a área plantada de arroz, feijão, frutas, verduras etc.

Nossa prioridade será garantir renda e políticas públicas. A população vulnerável e sujeita à fome chega a mais de 33 milhões. A maioria de mulheres e negras chefes de família.  Povos e comunidades indígenas e quilombolas vivenciam uma situação ainda mais severa, e devem ter acesso a políticas diferenciadas. O Programa de Aquisição de Alimentos voltará a ter cotas específicas para povos e comunidades tradicionais.

A fome e a pobreza são fenômenos complexos, que devem ser enfrentados com estratégia multidimensional que garanta direitos e medidas estruturais transformadoras.

O Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência até 2024, estipula que 25% das matrículas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no ensino fundamental e médio sejam ofertadas na modalidade integrada à educação profissional e que as matrículas da Educação Profissional Técnica de Nível Médio sejam triplicadas, com pelo menos 50% de expansão no setor público. O programa de seu governo possui ações voltadas para atingir as metas relativas à educação profissional do PNE? Quais são essas ações?

Temos muito orgulho do Plano Nacional de Educação 2014/2024, aprovado por unanimidade pelo Congresso, após ampla participação popular e sancionado sem vetos pela presidenta Dilma. O golpe de 2016 interditou uma trajetória virtuosa iniciada em 2003, ainda na vigência do PNE anterior. Em 2007, instituímos o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] – em que o aporte complementar federal se ampliou até o ensino médio, com valores maiores para o ensino técnico. Desde 2013, o ensino médio técnico profissional cresceu exclusivamente nas redes públicas – cerca de 40 mil novas matrículas ao ano. Seriam necessárias 296 mil novas matrículas/ano para cumprir a meta.

Retomar a pactuação com os estados, com os serviços de aprendizagem, os institutos e centros de formação profissional, articulados ao desenvolvimento territorial inclusivo, às políticas de emprego, renda, inovação e tecnologia social será imperativo. Além disso, recuperar a tarefa institucional do MEC [Ministério da Educação] de coordenador da educação nacional, capaz, também, de promover as ações intersetoriais com as áreas de desenvolvimento social e territorial, emprego e renda, juventudes, ciência e tecnologia, entre outros. Necessariamente, a imediata reversão das graves restrições orçamentárias na expansão da rede federal, da assistência estudantil, do enfrentamento à pobreza e ao desemprego mais agudo incidentes sobre essa mesma parcela da população estarão articulados na mesma direção.

Quais as propostas da sua candidatura para garantir o apoio do governo federal à oferta de educação básica pelos estados e municípios, principalmente tendo em vista o cenário de retorno das atividades presenciais depois do fechamento das escolas provocado pela pandemia, bem como os desafios trazidos pela necessidade de cumprimento do cronograma de implementação da Reforma do Ensino Médio?

O incremento dos aportes federais ao Fundeb, a retomada do fundo do pré-sal, a aplicação de recursos do Fust [Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações] para universalizar o acesso de banda larga e o avanço radical na oferta de escolas de tempo integral, associados a um amplo programa de recuperação das aprendizagens, estão no horizonte.

A implementação da reforma está permeada por fatores setoriais associados a fatores estruturais. Há uma descoordenação no âmbito nacional. A constituição urgente de instância de pactuação com os estados é indispensável para: organizar um diagnóstico, identificar os fatores de agravamento das desigualdades, as estratégias de recuperação do período de isolamento sanitário, o apoio estudantil, a busca ativa, a formação continuada de professores, as ações coordenadas com a assistência social e a saúde de modo a moldar a ação coordenadora e de assistência técnica e financeira da União referenciada na legislação.

Os efeitos recentes na queda da arrecadação dos estados e municípios terão de ser aferidos e resolvidos fora da curva provocada pelo estado de emergência, claramente eleitoreiro, que marcou este segundo semestre, desarranjando a base tributária do ICMS [Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação] bem além da redução do consumo popular. Não se fará sem um amplo acordo nacional com governadores e prefeitos em favor da garantia de direitos universais do povo brasileiro.

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