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Entrevista: 
Jairo Nicolau

‘Nós não sabíamos que um presidente da Câmara tinha capacidade de desorganizar tanto um sistema político’

Jairo Nicolau é cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em sistemas eleitorais. Nesta entrevista, concedida poucos dias depois da votação da admissibilidade do impeachment pela Câmara dos Deputados, ele analisa o movimento do PMDB na direção do impeachment, destacando o papel que o presidente da Câmara Eduardo Cunha teve ao longo de todo esse processo, caracteriza o momento difícil do PT e comenta a imprevisibilidade da situação política do país num eventual governo Temer.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 03/05/2016 13h59 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

O PMDB é um partido com características muito particulares, que está sempre como base de apoio dos governos pós-redemocratização e já chegou algumas vezes ao Executivo sem ter sido eleito. Marcos Nobre costuma caracterizá-lo como um partido que negocia base parlamentar, sem unidade para ocupar o Executivo. Como o sr. define o papel do PMDB na política brasileira recente?

Se alguém perguntasse — não só a mim mas a qualquer pessoa que se dedica a estudar o sistema partidário brasileiro — se imaginava que um dia o PMDB iria fazer um movimento no sentido de afastar um presidente eleito para ocupar o governo por via indireta como a gente está assistindo, eu diria que essa não é a vocação do PMDB. É difícil falar que um partido não tenha vocação para eleições presidenciais porque, num sistema presidencialista, todos os dirigentes partidários ambicionam chegar ao governo por eleições presidenciais. Acho que no caso do PMDB, o partido — por uma série de razões que têm a ver com a história e com os dois insucessos muito pesados que, em 1989 e 1994, respectivamente com a candidatura de Ulysses Guimarães e depois Orestes Quércia — ficou um pouco escaldado em tentar uma aventura presidencial, primeiro contra o Fernando Henrique, em duas oportunidades, depois contra Lula e o seu legado em quatro oportunidades. Os dirigentes perceberam que era possível ser um partido central para o apoio parlamentar de outros governos, seja do PT ou do PSDB. E funcionou, agradando seus dirigentes, suas bases municipalistas, regionais, muito bem. O PMDB com isso aprofundou a vocação do seu partido com lideranças estaduais muito fortes e com uma boa bancada na Câmara que, num sistema muito fragmentado como o nosso, lhe permitia ser uma figura central no jogo partidário no Congresso. Ocupava alguns ministérios e ficou bem assim por muito tempo. Quando eu disse que não imaginava é porque, no começo do governo Dilma e da primeira crise, o que se falava era que a reforma [ministerial] seria no sentido de ampliar o espaço do PMDB. E ela foi feita nessa direção. O grande insatisfeito até alguns meses atrás era o PT. Era impossível imaginar que o PMDB tomaria esse caminho e todo mundo achava que o impeachment não passaria por isso. Tinha as ruas, tinha o [juiz Serio] Moro, tinha a oposição um pouco histriônica no Congresso. Mas sem o PMDB, nada. E eu acho que esse processo que aconteceu em semanas só os historiadores e jornalistas investigativos daqui a pouco vão conseguir desvendar. Foi uma virada. O PMDB antecipou uma convenção, depois fez uma reunião e resolveu sair do governo em minutos. Quer dizer, o processo foi acontecendo quase como um contágio, uma coisa que foi fugindo ao controle do governo.

Eu acho que o PMDB mudou da sua postura de ser um coadjuvante, ele viu que de repente poderia ser o ator principal. É um movimento que juntou, um pouco como polo de atração, o próprio eventual presidente do partido, o vice [Michel Temer], que pode ser presidente daqui a semanas, e a operação Cunha, a capacidade impressionante do Eduardo Cunha de manobrar politicamente, de forçar as negociações, de parar o governo, de virar voto. Cunha foi uma peça importantíssima. Essa sorte o PMDB tinha. Não bastava ter um presidente da Câmara, tinha que ter um presidente da Câmara em completo confronto com a presidente. E não bastava ter um presidente da Câmara em completo confronto, tinha que ter um vice do partido para assumir. Esses dois elementos, como obra do acaso, mais a pressão das ruas, teve esse efeito de contágio dos últimos dias. Porque até a própria avaliação da oposição é de que 15 dias antes o impeachment seria muito difícil.

Uma explicação que alguns analistas têm dado é de que se procura fugir da Lava Jato, entregar um cadáver de Dilma para que as investigações não cheguem até eles. Existe um movimento de autodefesa dos partidos e parlamentares?

Eu acho que essa hipótese tem um pouco um componente de teoria da conspiração. Eu acho que os eventos estão se sobrepondo à realidade política. Os atores não têm tanto controle assim. E eu acho que a operação Lava Jato tem tido muita autonomia por enquanto. Acho difícil que qualquer governante seja capaz de pará-la. Você pode, por exemplo, restringir um pouco as ações da Polícia Federal, mas do jeito que as coisas chegaram, é uma força tarefa quase autônoma. Posso estar enganado, posso estar sendo muito otimista. A gente não pode esquecer que há parte [de políticos] do PMDB com mandato que está no Supremo Tribunal Federal já. Pode demorar um pouco mais ou um pouco menos mas isso vai pegar algumas lideranças importantes do partido e vai fazer um outro estrago. A gente está falando nessa conjuntura em que o PMDB é a principal força operadora da política brasileira, mas daqui a semanas a gente pode ter denúncias graves. Aí elas estarão em foro privilegiado. Mas quando isso vier à tona — e vai vir, ainda que o processo esteja mais lento —, não terá como o Supremo ignorar. Esse desafio o partido vai ter que enfrentar, eu acho que é incontornável.

Pode ser o fator mais desorganizador possível da política brasileira — diante da desorganização que já foi promovida nesse ano e meio de governo Dilma, não só por vícios da própria e erros da coordenação e da gestão econômica, efeitos da Lava jato, etc, a combinação desses últimos meses que o país vive dramaticamente. Imagina se daqui a pouco chegam denúncias incontornáveis, daquelas que é preciso uma investigação séria e o Supremo reconhece isso... Você já imagina o que será um governo difícil, em termos de apoio popular, desconfiança, da necessidade de agir rapidamente. Aí daqui a pouco o governo ou alguns de seus ministros, o presidente, o vice que assumirá e mais alguns de seus ministros caírem... Uma coisa é o Cunha e o Renan [Calheiros]: é mais previsível, porque eles já estão lá. Mas o próprio Temer ou, além dele, eventuais ministros que venham a participar do seu governo, seria realmente um deus nos acuda. Aí não tem jeito. Impeachment contra o Temer. Você já imaginou?

Um cacique político como Temer arriscaria isso, colocando-se como figura central neste momento?

A gente fica racionalizando muito, tentando entender movimentos, mas tem alguns contextos — e eu acho que a gente vive um contexto desse tipo — em que os fatos vão se acelerando e as coisas vão acontecendo muito rapidamente. Eu acho que a gente vive um momento da política brasileira em que os eventos estão acontecendo muito rapidamente, tem um grau muito grande de imprevisibilidade e não adianta ter essa racionalidade que o PSDB, por exemplo, quer ter: ‘Vamos para o governo? A gente perde? Ganha?’. Não adianta. Pode ser um desastre, pode ser um sucesso, ele pode ser cassado, agora não pode ficar fazendo conta porque conjuntura não é para conta, conjuntura está sendo aqui. As coisas estão muito fortes, muito intensas, tem atores novos na política brasileira, há uma clara desorganização do sistema de partidos com a crise do PT. Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Tem a novidade de a centro-direita ter ido para as ruas pela primeira vez depois de 1964. Há uma novidade também de uma nova direita que aparece no debate público. Há o papel de uma investigação dessa magnitude, que prende empresário, acusa políticos, que usa delação premiada... É muita coisa nova acontecendo e muito rápido. Há o impedimento de uma presidente. É um cenário de muita incerteza. Não sou político, mas eu estaria desesperado. A gente está num momento de muita turbulência e muita incerteza, não dá para controlar. 

O Brasil assistiu a manifestações pró-impeachment principalmente no ano passado, quando a classe política ainda não tinha tomado essa decisão e o PMDB, principalmente, não tinha desembarcado do governo. Este ano, as manifestações foram menores e pode-se dizer que, aproximando-se da data de votação do impeachment na Câmara, havia mais manifestações contra o impeachment do que a favor. No que diz respeito ao impeachment, qual o impacto das ruas no parlamento?

Eu acho que a gente tem uma diferença porque as ruas mobilizadas nos últimos dias [anteriores à votação na Câmara] foi uma rua tradicional, a rua que eu conheço desde que acompanho a política, desde os anos 19070, início dos 1980. Essa rua é a rua tradicional da militância organizada, da esquerda, das organizações sindicais, do Movimento Sem Terra. É uma rua que há muito tempo não se mobiliza por uma causa comum, mas é uma rua diferente da rua mobilizada basicamente pelas redes sociais e de uma maneira, digamos assim, mais espontânea do que a gente conhecia tradicionalmente. Há essa diferença. Agora, eu acho que os deputados tradicionais, os do baixo clero que a gente viu, são mais pressionados por eleitores que não são de esquerda, que não são politizados. Talvez a pressão tenha vindo daí, talvez a mobilização desse eleitor de centro-direita brasileiro, que é majoritário, tenha pesado sobre os deputados. Porque, na verdade — vou usar um atalho simbólico —, a rua vermelha teve 110 votos, mais catando um pouquinho da centro-direita, deputados de partidos que aderiram, mas são 110 votos, pouco mais de 20%. Na verdade, essa mobilização teve o aspecto simbólico mas ela não agregou nada de novo para pressionar os deputados porque são os convencidos. Aqueles artistas que foram para a rua, que foram falar na Lapa [no Rio de Janeiro], que falaram em São Paulo, falaram para um público que estava totalmente persuadido, um público de militantes tradicionais. E eu acho que a grande diferença é que os deputados de centro-direita, do baixo clero, esses sim foram pressionados por suas bases, que não são as bases hiperpolitizadas de esquerda, são bases da pequena política, do clientelismo. No fundo, resumindo o que eles disseram domingo, foi assim: ‘a pequena política, as minhas bases, o meu território quer que eu vote contra essa mulher que está aí, contra esse governo que está aí. Chega, um abraço, não dá mais’. A gente lê pela parte caricata, mas eles representam esse mundo mesmo, eles não representam grandes ideologias nacionais, não é uma centro-direita ideológica. A maioria das pessoas que foi para a rua botou roupa verde e amarela, está sabendo do que está acontecendo como quem acompanha uma novela da Globo, cada dia tem uma denúncia... E mais: tem o agravamento da crise econômica. Não é à toa que a gente bateu o recorde de desemprego na terça-feira, com dez milhões de desempregados e a votação na Câmara foi no domingo. Há uma relação entre a crise econômica agravando, piorando muito a crise política.

Temer não foi eleito e, segundo pesquisas, tem alta recusa e baixíssima intenção de voto. Um eventual governo assim terá legitimidade?

A ideia da legitimidade é da filosofia política, sempre vai haver uma controvérsia. Formalmente — ainda que a gente critique muito os procedimentos, mais a substância do que o procedimento —, vamos chegar ao fim desse processo com votação no Senado e reconhecimento provável do Supremo de que nada aconteceu de errado. Claro que essa mancha, essa mácula, essa controvérsia vai durar acho que para sempre, vai ser um tema central no debate sobre as instituições no Brasil, como foi a morte de Getúlio, o golpe de 1964. São temas nevrálgicos e vai ter sempre uma parte da sociedade brasileira dizendo que houve uma ilegalidade, um golpe — sei lá qual o termo que vai passar para a História, mas houve no mínimo uma condução controversa de afastar uma presidente legitimamente eleita. Isso eu acho que é ponto pacífico. Passará para a História assim. Agora, acho que o sucesso de um governo Temer depende de ele dar respostas rápidas para a crise econômica, que vai se agravar de maneira terrível nas próximas semanas. Tem possibilidade até de shut down, que é parar as contas e o governo parar de pagar aluguel, salários... Pode acontecer agora de novo no dia 22 de maio se o Congresso não votar nada. E várias outras coisas, agravadas pela crise dos governos estaduais. Se ele consegue, eu não sei como, não sei se há espaço para isso, para dar uma resposta mínima para a crise econômica. Se conseguir, ele pode ganhar um pouco de — não vou usar a palavra legitimidade mas apoio popular — e tocar a vida. Porque o Brasil está sem governo no sentido mais estrito. O Congresso não vota nada, desde que entrou o governo não aprovou nada, aquelas medidas de reforma apresentada pelo Levy, pelo Barbosa, nada daquilo foi avante. A resposta é econômica. O Brasil não aguenta ficar discutindo tecnicalidade do impedimento para sempre. Esse vai ser um tema presente na agenda política por um bom tempo, mas o desafio agora é econômico. Se houver agravamento da crise econômica num governo como o de Temer, a situação começa a fugir do controle do mínimo. Toda a população, mesmo os que eram a favor, muda de opinião rápido.

Pesquisas de intenção de voto para 2018 apontaram Temer com 1% e o ex-presidente Lula liderando, com cerca de 20%. O que isso diz sobre o momento atual?

Essas pesquisas têm que ser vistas com muito cuidado porque se você somar os três primeiros eles perdem dos votos brancos e nulos. Acho que é um ponto impressionante para Lula depois de tudo que ele passou, de todas essas denúncias, telefonemas, acusações. Mas 20 pontos é votação de 1989. É muito pouco. Para o Lula, presidente durante oito anos, presidente mais bem avaliado da história brasileira, é muito pouco. Diante do contexto, talvez o Lula seja um candidato que tem um piso. É o que a gente costuma chamar de piso alto: ele, se for candidato, não vai ter 3%, 8%, vai sair com 15%, 12%, pode ir a 20%, um pouco mais. A gente não sabe qual é o teto, mas o piso parece não ser muito baixo. Nenhum candidato que se identificou com o antipetismo galvanizou essa opinião pública. Acho que é muito cedo. O que a pesquisa mostra é uma resiliência do presidente em termos de opinião pública, mas pode ser visto pelo outro lado também: para quem foi presidente e está há 13 anos com o seu partido no poder, 20 é pouco; mas, pelas denúncias, 20 parece bastante. Falar de 2018 é muito cedo. É o erro do PSDB, penando se faz ou não faz, pensando em 2018. Está muito longe. Vai ter eleição municipal este ano que já vai fazer um estrago em várias lideranças, deve mudar muita coisa em algumas cidades.

Qual o saldo desse processo para o PSDB, que aparecia, até então, como o maior partido de oposição?

Eu acho que o PSDB foi vítima dessa aceleração da velocidade em que os fatos aconteceram. Estava carregando a vida como se a gente estivesse num período ordinário, numa posição ambígua, esperando ver se o TSE decidia ou fazendo uma oposição forte, mas não muito diferente do que fez nos últimos anos. E foi atropelado. Foi atropelado pelas ruas que pediram uma posição diferente do que ele sustentava; foi atropelado pela capacidade de operação do DEM, por exemplo, que é um partido muito menor, do PPS; e foi atropelado, no final das contas, pelo PMDB, que saiu como um grande operador político. Nesse momento, em consonância com as ruas. A gente pode criticar o movimento, o impeachment, mas a maioria da população é a favor do impeachment. E o partido que passou para o público com essa posição foi muito mais o PMDB do que o PSDB. O PSDB está com seus dilemas internos, sua incapacidade de organizar de uma maneira mais democrática, sempre dependendo de algumas lideranças fortes, dos seus senadores no sentido simbólico — os que estão em Brasília mas também o Fernando Henrique e os dois ou três governadores, essa elite, que são os cardeais do PSDB. Então, o partido não se democratizou, não tem capilaridade e perdeu o trunfo. O Aécio, que liderava as pesquisas, agora voltou para o tamanho de antes da arrancada na eleição de 2014.

Como maior partido de esquerda do país, o que se pode esperar para o PT nos próximos anos?

O PT, como organização, eu acho que vai viver dias dificílimos. Perdendo quadros — já perdeu 1/5 dos seus prefeitos, tem perdido deputados, ainda que de maneira lenta. E vai passar por um momento dificílimo porque quando você sai do governo não é só um processo traumático que vai ser o afastamento do PT no governo, mas também você tem que pensar em termos do conflito político que se aflora das tendências internas com relação ao grupo que está dominante. Tem uma questão real que é a sigla estar pesada: antes era um benefício ser petista, hoje é um problema para os políticos se identificarem com o partido. Acho que o partido vai passar por um momento de muita dificuldade, de perda de quadros, de conflito interno, de perda de recursos porque a maior parte dos recursos vem da contribuição de funcionários que estão no governo e que deixarão de ser funcionários. Foi ruim para o sistema partidário brasileiro que o PT tenha passado por isso, mas não tem jeito.

Eduardo Cunha acumula acusações denúncias de corrupção, já é réu no STF, mas, mesmo assim, conduziu a votação do impeachment na Câmara. Foi poupado, e agora volta a ser criticado na grande imprensa. Qual o papel que ele desempenha nessa trama? E qual deve ser o seu futuro político próximo?

Sobre o futuro, eu acho que ele está condenado. É questão de meses. Com o volume de denúncias que já existem contra ele, ele está perdido. É só uma questão de tempo. O problema é que quando você acha isso, o tempo vai passando, e nada acontece, você começa a desconfiar. Eu continuo nessa minha aposta de que ele sobreviveu mais do que deveria, pelo volume de delitos que a gente já tem noção, as denúncias todas, que o próprio Procurador Rodrigo Janot fala o tempo todo. As coisas são muito graves. E é claro que ele foi uma peça fundamental nessa história. Você imagina uma crise que tem dois vetores: um governo incompetente, errando economicamente e na coordenação política, com uma crise econômica e uma operação Lava Jato trazendo surpresas e, para piorar, um presidente da Câmara que se comporta como nenhum outro se comportou, com o propósito de desorganizar o governo, de maneira voluntariosa. Eu que acompanhei o debate da reforma política vi coisas inacreditáveis. Ele foi talvez o presidente da Câmara mais arbitrário de qualquer experiência. Eu não tenho notícia de um presidente da Câmara que tenha sido tão voluntarioso, que tenha feito tanta oposição ao governo como presidente, enfim, nós não sabíamos que um presidente da câmara tinha capacidade de desorganizar tanto um sistema político como ele fez. Então eu acho que ele foi uma peça decisiva. Claro, a gente vai dizer que o processo nasceu com a mácula dele, com o ressentimento. Também, a política é movida por ressentimentos. Mas eu não sei se um outro presidente da Câmara acolheria um processo de impedimento. É uma especulação que não tem resposta porque isso nunca aconteceu nem vai acontecer, mas eu acho que ele foi uma peça fundamental para desorganizar e levar esse processo adiante.

O sistema brasileiro não tem mecanismos para conter essas arbitrariedades?

Não tem. Falávamos que o presidencialismo brasileiro era muito forte. Nós não sabíamos que um presidente do legislativo poderia parar um governo como ele parou. Não tem crise econômica, não tem nada, só o Cunha, com o que ele fez, não aprovou nada na Câmara. Então é um aspecto que, sem dúvida, a gente vai ter que entender, como um sistema político pode ficar tão vulnerável a figuras voluntariosas e, no caso, um operador que jogou o país na lona, ajudou a piorar a crise. Ele poderia ser um voluntarioso virtuoso: ‘a agenda de salvação nacional que a Dilma não está conseguindo eu vou tocar por aqui, a reforma política que o país não quer eu vou tocar por aqui, eu vou bancar’. Mas não foi isso. Ele foi uma figura, desculpe o adjetivo, diabólica.