Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras
Entrevista: 
Antonio Augusto de Queiroz

‘O apoio à permanência da presidente tem crescido na rua, mas contraditoriamente tem perdido espaço a passos largos no parlamento’

O que esperar da movimentação político-partidária em relação ao impeachment, que deve ser votado em plenário no próximo domingo, 17 de abril? Depois da aprovação do processo pela comissão instalada na Câmara, a cada dia novas mudanças de ‘lado’ mostram o zigue-zague dos partidos no legislativo. Para Antonio Augusto de Queiroz, conhecido como ‘Toninho’, que é analista político e diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o principal fator dessa mudança é o medo dos partidos conservadores de serem pegos na Lava Jato. Segundo ele, o PMDB tem convencido esses parlamentares de que a retirada do PT do governo é a única forma de impedir que a Lava Jato chegue até eles. Nesta entrevista, Toninho fala também sobre o Projeto de Lei 257, proposto pelo governo como continuidade do ajuste fiscal e que, segundo ele, pode promover um verdadeiro desmonte do Estado brasileiro. "Esse é um dos erros mais crassos do governo", diz.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 14/04/2016 13h19 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Você apontou, em artigo recente, que o impeachment dependia da combinação de quatro fatores: o comportamento do PMDB, a mobilização das ruas, a reação dos mercados e uma possível revelação que comprometesse a presidente. A partir de cada um desses quatro fatores, como você avalia o risco de impeachment nesse momento?

Eu acho que o primeiro episódio já aconteceu, que foi o desembarque do PMDB, que funcionou como um sinalizador claro para outros partidos da base. Eles sentiram que se o PMDB desembarcou é porque supostamente via perspectivas de ele próprio assumir o poder com o afastamento da presidente. Fatos novos foram revelados pela Lava Jato, ainda que de forma ilegal, como foram os casos dos grampos envolvendo várias personalidades, inclusive a própria presidente. Continuou frequentemente a pressão do setor empresarial, que inclusive ameaça não arrecadar impostos caso a presidente continue, numa atitude de desobediência civil, que é extremamente grave. E uma ofensiva muito forte do PMDB, que contratou os principais consultores de imagem, assustando esses partidos mais conservadores com a perspectiva de continuidade da Lava Jato, na hipótese de a Dilma continuar presidente. Ou seja, essencialmente, o que eles dizem para os parlamentares é o seguinte: se a Dilma continuar, não tem perspectiva de arrefecimento da Lava Jato, ela vai continuar investigando e vai, necessariamente, chegar a eles. Com Michel Temer, considerando que supostamente já teriam retirado, entre aspas, a “quadrilha” que assaltava o país, haveria uma necessidade de reorganizar a economia do país, as finanças públicas, aprovar as propostas do Ministério Público de combate à corrupção e, portanto, estaria resolvida e equacionada a situação. Isso essencialmente tem sido o argumento para esses parlamentares. A barganha em bases fisiológicas o governo perde, porque o PMDB tem muito mais a oferecer. Ele diz: estão oferecendo para vocês os cargos do PMDB, eu estou oferecendo os do PT. Então, realmente, é um quadro que passou, na minha avaliação, a ficar muito desigual. Por isso o número de votos para o impeachment tem crescido numa velocidade muito maior do que aqueles pela continuidade da presidente, a despeito de estar evidente para quem quiser analisar que se trata efetivamente de um processo de acerto de contas, um processo político, porque não há claramente definido um crime de responsabilidade que justifique o afastamento da presidente.

E a mobilização das ruas? Parece que, enquanto aumentam os votos pelo impeachment no Congresso, aumentam também as manifestações contra o impeachment nas ruas. Qual o peso desse fator agora?

Na verdade, há uma divisão absolutamente clara, de um grupo muito forte que fez mobilizações grandes respaldando a ideia do impeachment pelo seu ódio contra o PT, contra a Dilma, contra o Lula. E isso deu o oxigênio que precisavam as forças conservadoras que já tinham essa proposta há bastante tempo, mas sem uma legitimação das ruas. Acho até que eles estão fazendo menos mobilizações agora — e está havendo mais mobilizações dos democratas de um modo geral, porque se trata realmente de um golpe —, até mesmo orientados por esses grupos que estão negociando [no Congresso] para evitar conflitos, enfrentamentos, etc. Hoje, se dependesse da mobilização das ruas, eu diria que o apoio à permanência da presidente tem crescido na rua, mas contraditoriamente tem perdido espaço a passos largos no parlamento. O fundamento central é a Lava Jato. Entre correr o risco de ser preso e de ser questionado na rua, o cara faz a segunda opção.

O papel do PMDB mudou muito ao longo da crise política. O PMDB do Rio, que parecia fiel ao governo, mudou de lado. Ministros permaneceram, mesmo depois de o partido sair da base. Temer assumiu diretamente a condução do impeachment. O que determina esse cenário?

O PMDB tinha uma fração que estava negociando com o governo mas não era majoritária no partido, e com uma liderança recém-constituída no parlamento, que era do Picciani. Então, ele estava muito em função do apoio do Rio de Janeiro ao governo federal, como retribuição, porque nenhum governo na história da República deu tanto recurso para o Rio de janeiro como os governos Dilma e Lula. Só que o Picciani pai debandou, tomou uma outra linha. E, dos 12 deputados do Rio de Janeiro, vão ter lá três, quatro votos, no limite, contra o impeachment, todos os demais serão contra a presidente Dilma. No PMDB, sobraram o Renan e o Picciani. O Renan muito em função da Lava Jato, está muito dependente do governo. E o Picciani está fazendo jogo duplo, ele vai votar provavelmente contra o impeachment mas está se reunindo todo santo dia com Michel Temer para dizer a ele que o encaminhamento formal será pelo impeachment. Então, o PMDB, na minha avaliação, desembarcou. Se o governo tiver lá 17 votos num universo de 67, vai ser muito.

Pesquisa recente do Datafolha mostra forte rejeição ao Temer e, nas intenções de voto para 2018, aponta Lula em primeiro lugar. O que isso mostra sobre essa relação do congresso e do sistema político com o desejo e as avaliações da sociedade?

Essencialmente, o que a pesquisa está dizendo é que a sociedade não está satisfeita com o PT nem tampouco deseja que haja substituição pelo PMDB. Está claramente dizendo que se tiver que interromper o mandato da presidente, tem que ser por uma eleição. Não foi perguntado isso, mas se tivesse sido, certamente a resposta seria essa. Então, a troca da Dilma pelo Michel [Temer] não é um apelo popular. É uma exigência de mercado, de setores da mídia e da classe média. O mercado ficou indócil, inconformado com o fato de a presidente utilizar os instrumentos de política econômica para, de alguma forma, interferir na margem de retorno. Ela reduziu a taxa de juros numa época e isso irritou profundamente o sistema financeiro, colocou margem de retorno nas concessões e também irritou esses setores que operam nas áreas sob concessão pública, e isso, combinado com uma série de armações que fizeram no sentido de denunciar uma suposta irresponsabilidade fiscal, criou um clima irreconciliável do mercado com o governo. Esses setores do parlamento estão, na prática, com três frentes: uma a serviço do poder econômico, outra que é a vingança e a terceira é o medo de serem pegos pela Lava Jato, considerando que tem muita gente ali com investigação em curso e pode ter um desfecho próximo desse que inicialmente alvejou basicamente o pessoal do PT.

E O PSDB? Qual o papel e futuro do partido? Existe um acordo com o PMDB?

Tem até o limites de destronar o PT. Fora disso, não tem acordo. Acho que o PSDB continua com perspectiva de poder, agora uma coisa está mais ou menos clara: via Aécio isso não se materializa.

Mas a pesquisa do Datafolha fez simulações com os três: Aécio, Alckmin e Serra. Nenhum dos três tem chances consideráveis...

Pois é... Mas não dá para desprezar um partido com a estrutura que o PSDB tem no Brasil. A conjuntura, de fato, mostra, nesse instante, uma fotografia de que não tem perspectiva, mas não é bom subestimar. O que está patente é que quem está liderando o partido não tem nenhuma perspectiva nesse momento. [Aécio] não soube se portar nesse período de governo, ficou o tempo inteiro numa postura de moralismo justiceiro, não apresentou nenhuma alternativa capaz de motivar a população, de sinalizar com perspectiva. O Alckmin ficou na dele cuidando do estado dele, porque não era o momento. O Serra fica ali dividido entre esses dois grupos, muito próximo mais ao PMDB, pode até, eventualmente, mudar para o PMDB. Mas essa é a fotografia do momento. Vou fazer uma observação mesmo sem ter nenhum dado para comprovar empiricamente o que vou dizer: a Marina está muito bem na pesquisa, mas eu não acredito, sinceramente, que uma mulher tenha chance de se eleger de novo depois de um eventual afastamento da Dilma. É um sentimento. Já conversei com pessoas, perguntei se votaria novamente numa mulher, apenas como teste. O sentimento que eu recebo como resposta é que, se a Dilma que foi guerrilheira, que tinha o apoio do Lula, “não deu conta” (entre aspas porque isso é produto da ignorância) —, imagina Marina, que é frágil sob diversos pontos de vista, tem um foco muito centrado na questão ambiental, que não tem um apelo popular muito forte, e que também não se posicionou fortemente neste momento. Então, sinceramente, pode ser que eu me engane, é mera intuição, mas acho que Marina está fora dessa disputa para um segundo turno [em 2018].

Enquanto se discute a crise política, o Congresso não parou e os lados envolvidos também não pararam de fazer propostas. O PMDB fez o ‘Ponte para o Futuro’ e o governo continua levando em curso seu ajuste fiscal. A última tacada é o PLP 257, que atinge diretamente os servidores públicos. O que esse PLP tem a ver com a crise política e o que mostra sobre o papel dos trabalhadores no desdobramento da crise política?

Esse é um dos erros mais crassos do governo. Ele faz um discurso à esquerda do espectro político para ter apoio dos socialistas, das pessoas de esquerda, e ao mesmo tempo apresenta um projeto que tem como objetivo desmontar o aparelho de Estado. O que o governo está fazendo é rigorosamente o que Fernando Henrique fez em 1997, quando, na renegociação da dívida com os estados, exigiu que os estados repassassem os seus ativos para que fossem privatizados na sequência. É o que está sendo feito. [O PLP] está obrigando [aos estados] a adoção da previdência complementar, está mandando aumentar a contribuição para os regimes próprios, está proibindo qualquer reajuste ou atualização salarial para os servidores dos estados nos próximos quatro anos. E para os servidores da União e municipais, está modificando a Lei de Responsabilidade Fiscal para instituir quatro travas: 1) vincular qualquer ganho salarial a um percentual de crescimento do PIB; 2) proibir que reajustes parcelados possam ser pagos se houver mudança de governo; 3) reduzir o limite prudencial para efeito do gasto com pessoal. Hoje se pode gastar com pessoal, no caso da União, até 55% da Receita Líquida Corrente, respeitado um limite prudencial de 95% desse percentual. Está sendo reduzido esse limite para 90%; 4) incluir, nas despesas com pessoal, convênios com ONGs, Oscips, etc, que antes não faziam parte dessa despesa. Portanto, está-se comprometendo, no limite, a despesa com pessoal. E, isso acontecendo, ficam proibidos novos concursos, reajustes, progressões, etc. Então, é um escárnio completo. Outra contradição, e aí é do próprio processo de impeachment, é que o governo faz um discurso à esquerda do espectro político e repactua seu governo com o que há de mais atrasado do ponto de vista político. Isso é uma contradição insuperável. Esse é o momento mais inadequado para tratar disso. Agora, o que se pode dizer de resumo? Que qualquer que seja o resultado do processo de impeachment, os servidores vão pagar essa conta. Vai haver um enxugamento do Estado, vêm reformas aí nessa direção.

Você está falando especificamente dos servidores porque perguntei sobre o PLP 257. Mas já houve condescendência com o projeto de regulamentação da terceirização, que era bandeira principal da mesma Fiesp que hoje lidera a mobilização pelo impeachment... Além dos servidores, dá para avaliar as consequências para o conjunto dos trabalhadores?

Teve também o pré-sal, o PL das estatais... Eu acho preciso considerar que o PT, no que depende dele, defende os trabalhadores. Mas é um governo de coalizão, em que majoritariamente as forças conservadoras estão lá dentro. Então você tem uma Katia Abreu, ligada aos ruralistas, tem Armando Monteiro ligado ao setor da indústria, tinha o Afif Domingues que estava lá dentro, mas continua de algum modo, pelo Sebrae. Você tem três setores da atividade econômica pressionando por regras que melhorem o ambiente de negócios e esse pessoal trabalha basicamente com flexibilização e supressão de direitos. Enquanto isso, o pessoal mais ligado ao PT está mais preocupado com a preservação do mandato da presidente, em função dessa crise, portanto, se anula no debate desse tema, e o tema vai avançando. É complicado. Agora, se sai a Dilma, não tem nem a fração do PT para brigar num futuro governo contra isso, então a tendência é que seja pior.

As chances de esse projeto passar no congresso são grandes?

Eu acho. Se for a voto, é muito difícil rejeitar. Se não rejeita, o máximo que pode fazer é alterar. O Senado altera, volta para a Câmara, que tem a palavra final, e aí restabelece a proposta original. E aí, seja quem for o presidente da República, ele vai ter muita dificuldade de vetar.

Você arrisca uma previsão do que vai acontecer na votação do impeachment no Congresso?

Olha, o governo tem que ter não só uma carta na manga, mas um grande coelho na cartola para poder segurar essa onda, esse impulso que tomou com a virada desses partidos de centro-direita. O temor que eles passaram a ter da Lava Jato a partir da prisão do Gim Argello [ex-senador pelo PTB-DF], foi um elemento muito forte. Então eu diria que o governo hoje teria votos para brecar o impeachment, mas que, mantida a tendência de hoje, é possível que até lá não tenha. Tem que ter um fato novo pró-governo para reverter.

Hoje o governo tem condições de barrar o impeachment?

Hoje o governo tem.

Comentários

eu não vou opinar ate porque que fala mais auto e dinheiro