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Entrevista: 
Dona Palmira

'Se o povo todo se unir, se todo mundo gritar forte, acho que seremos ouvidos'

Já acostumada a fazer transformações por onde passa, Dona Palmira, roubou a cena na abertura do 10º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, quando convidada pelo Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, a compor a mesa do evento.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 20/11/2012 09h45 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

 Desconhecida por alguns na ocasião, Palmira Sergio Lopes, de 72 anos, mora no assentamento Novo Salvador, na cidade de Jacaraú, no interior da Paraíba. Em sua cidade é conhecida por ser uma das principais educadoras populares em saúde. Além disso, carrega em seu currículo conquistas como a fundação do Movimento Popular de Saúde (MOPS) na Paraíba, que pretende reerguer em breve. Além de praticar a ‘medicina popular’, Dona Palmira também faz versos e foi um deles que conquistou o ministro na visita à tenda Paulo Freire.

Como começou sua vida na educação popular e na saúde?

Sou do estado da Paraíba e a minha atuação na saúde começou espontaneamente. Apenas comecei a trabalhar na minha comunidade, com conhecimento da minha vida e da minha criação. Eu fui criada na zona rural e o tratamento naquela época, principalmente para o pobre, eram as plantas medicinais. Porque, quando existia médico nas cidades, era sempre pago. E a gente não tinha condições de arcar com isso.

E como era feito o tratamento?

Sempre com as plantas medicinais. Isso vem da minha avó, que passou para minha mãe. E sempre que chego em algum lugar para morar, eu tenho o costume de orientar as pessoas. Sempre falam: “Vai na casa de dona Palmira que ela ensina um remédio”.

Como você passou a fazer parte de movimentos sociais?

Em 1980, chegou à Paraíba um movimento chamado Movimento Popular de Saúde (MOPS). Eu sempre trabalhei com movimento de igreja e existiam umas freiras que trabalhavam conosco que chegaram a mim e falaram sobre a reunião do Movimento, que ainda não tinha esse nome — antes era Encontro Nacional de Medicina Comunitária, só passou a ter essa denominação com a minha entrada. A partir daí, ingressei no MOPS, viajei muitos estados do Brasil para encontros grandes e sempre divulgando minhas experiências com as plantas medicinais. Em 1996, eu sofri uma decepção e abandonei. Achei que estava sendo explorada. Porque existiam inúmeros projetos, projeto para tudo e ligados a universidades. Mas só mandavam dinheiro da passagem, e depois descobri que tinham pessoas que eram beneficiadas financeiramente com o meu trabalho. Eles tinham água, energia, telefone, alimentação e ainda ganhavam R$ 700 e tudo em nome do projeto.

E como ficaram os projetos?

Chegavam cartas e relatórios para eu responder, mas eu não quis mais. Porque se eu for responder, eu vou desabafar, magoar muita gente. Mas agora estou tentando retomar o movimento por vontade de fazer algo pelo meu estado e por conta do Ministério da Saúde. Me envergonho porque eu abandonei o MOPS, mas o de Sergipe continuou me chamando para tudo e por meio deles continuo participando dos eventos. E quando chego aos eventos sou apresentada como presidente do MOPS da Paraíba e não tem mais isso lá. Começou a me pesar na consciência.

Por que você falou que é por conta do Ministério da Saúde também?

O Ministério falou para eu manter o projeto que eles vão apoiar. Ele já foi aprovado, mas não temos esperança que o recurso saia ainda este ano. O projeto foi mandado no mês de setembro.

O que é esse projeto?

São 11 cidades em que vamos atuar. A equipe é formada por quatro estudantes universitários que serão bolsistas, um assessor, dois articuladores, além de três coordenadores de práticas alternativas, que somos eu e mais duas pessoas. Estamos em contato com as cidades e estamos nos encontrando quinzenalmente. Por enquanto as pessoas estão vindo das cidades com recursos próprios. A saúde não é só tratar quem está doente. É preciso fazer com que elas não adoeçam. E é isso que queremos fazer. Não só tratar do corpo: a saúde está na condição de estudar, ter alimentação, ter moradia digna, ter trabalho, lazer. Você vê uma criança lá no cantinho e tristinha, pode apostar que essa criança está doente! Criança brinca, pula, grita. Aí você vê pela energia que ela mostra que ela está sadia.

O que você acha da política de educação popular em saúde?

Para mim, chegou em boa hora porque antes a gente sofria perseguição por parte da vigilância sanitária, inclusive, mas hoje ela já nos vê com outros olhos. Deu mais credibilidade para trabalhar, mas ela tem que chegar aos lugares. A minha cidade é no interior da Paraíba. Para a política valer, ela tem que chegar lá através de gestores e, para isso acontecer, é preciso que haja encontros desses gestores junto com as pessoas que fazem a medicina popular para terem crédito no trabalho. Eu acredito que fortalecendo a medicina popular, esvaziem-se os postos de saúde, por exemplo. Mas para isso, é preciso ter um trabalho concreto entre o popular e o governo. Agora, a gente ganha de um lado e por outro fico sabendo que estão querendo privatizar o SUS. De um lado, uma política popular e, de outro, a privatização. É uma contradição muito grande. A gente não quer acabar com o médico, os hospitais, pelo contrário, a gente precisa deles para trabalhar melhor. Se alguém chega para mim e diz ‘estou sentindo uma dor no canto da barriga’, eu não posso dizer se é fígado, baço ou coração. Agora, com o avanço da nossa medicina, temos a ultrasson e outros exames que vão diagnosticar. A partir daí, podemos saber qual é a planta que vamos usar. Se o SUS passa a ser privatizado, o trabalho vai ficar mais difícil, o serviço vai ser todo vendido. E eu falei da minha preocupação para o ministro. Mas sei que ele vai encontrar dificuldades e pressões das multinacionais, dos grandes laboratórios, os donos dos hospitais.

Você acha que existem resistências por parte do Ministério da Saúde para essas práticas medicinais populares?

Sim e não. Existem alguns hospitais que trabalham com plantas medicinais, como o de Brasília e de Goiás. Mas existem grandes resistências também. É mais fácil e mais lucrativo receitar um remédio, um comprimido e uma injeção.

Como foi feito o convite pelo Ministro?

Acho que ele se sensibilizou com minha música. Ele chegou aqui, me ouviu e mandou me chamar. Foi muito de repente. Eu acredito que a gente precisa sempre correr atrás do que acredita. Existe um ditado popular que diz assim: água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. E nós vamos continuar batendo: se o povo todo se unir, se todo mundo gritar forte, acho que seremos ouvidos.

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