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Diretrizes para a Educação Profissional

Conheça proposta construída como alternativa à  do CNE. Uma das principais diferenças é o questionamento da pedagogia das competências.
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 15/09/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Um grupo de trabalho (GT) composto por representantes dos Ministérios da Educação, Saúde, Trabalho e Emprego, entidades da sociedade civil e gestores acaba de apresentar, no início de setembro, ao Conselho Nacional de Educação (CNE) uma proposta de diretrizes para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. A proposta é uma alternativa às diretrizes elaboradas pelo próprio CNE. Agora, o novo texto seguiu para apreciação do Conselho. "O Conselho terá que se pronunciar sobre como ele lidará com esta proposta alternativa ao texto que havia produzido", diz Claudio Gomes, professor-pesquisador e representante da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) no GT organizado pelo MEC. "O texto produzido pelo CNE provocou reações negativas dos setores mais diversos ligados à educação, sobretudo na esfera federal", explica. De acordo com Cláudio, há a expectativa de que o Conselho realize uma nova reunião para tratar do tema em outubro.



Além dos Ministérios, professores e pesquisadores convidados também participaram do GT: os gestores estaduais de educação profissional, vinculados ao Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed); o Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação; o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif); a Central Única dos Trabalhadores (CUT), representada pela Escola dos Trabalhadores; o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinsefe); e a Associação Nacional de Pos-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped).



Crítica à pedagogia das competências



A análise do GT indica que o texto original apresentado pelo CNE é problemático por estar voltado para a pedagogia das competências. "A pedagogia das competências pode ser definida como um princípio de organização curricular, que tem como finalidade uma proposta de conformação do trabalhador às demandas estritas de adestramento que o processo produtivo contemporâneo vem fazendo à força de trabalho. Tem uma marca de nascença gêmea ao processo de reestruturação produtiva, que começa aqui no Brasil enfaticamente, sobretudo a partir da década de 1990", detalha Cláudio Gomes.



De acordo com o professor, essa reestruturação produtiva que foi iniciada na década de 1990 é acompanhada por tentativas de adequação da educação a esse cenário. "A reforma educativa da década de 1990 traz esse princípio - seja pelos documentos do MEC, como os Parâmetros Curriculares Nacionais, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica e o decreto 2208/1997 , seja por uma produção ideológica de outros meios de divulgação que vai tomando conta das escolas", aponta.





Pela formação politécnica



Ainda que o documento original do CNE não explicite que a integração entre o ensino médio e formação profissional não possa existir, para Cláudio, a proposta claramente não atende às demandas do currículo integrado. "Ninguém diz que a integração tem que acabar, mas o princípio utilizado da pedagogia das competências produz o aligeiramento da formação profissional, o que é incompatível com o ensino médio integrado", analisa.



Cláudio explica que a proposta alternativa, ao contrário, foi construída com o propósito de se viabilizarem as condições para uma formação politécnica. "O texto alternativo enfaticamente não transige com a pedagogia das competências, tentando fazer uma inflexão nessa hegemônica concepção de educação profissional. De que forma? Não aceitando adestramentos e princípios conformadores de comportamentos da força de trabalho", enfatiza Cláudio.



A nova proposta de resolução apresentada pelo GT afirma que "os cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio visarão proporcionar ao estudante o domínio dos fundamentos científico-tecnológicos, sócio-históricos e culturais de processos produtivos, em geral e específicos, de bens e serviços, assim como a apropriação de conhecimentos e técnicas necessários ao exercício profissional e da cidadania". O documento diz ainda que esses cursos devem basear-se em dez pressupostos, entre eles: formação integral do educando; trabalho como princípio educativo; indissociabilidade entre formação geral e educação profissional e entre educação e prática social, considerando-se a historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos da aprendizagem; integração entre educação, trabalho, ciência, tecnologia e cultura como base da proposta e do desenvolvimento curricular; integração de conhecimentos gerais e profissionais realizada na perspectiva da interdisciplinaridade, tendo a pesquisa como principio pedagógico, etc.



O texto diz também que as instituições terão autonomia para elaborar os projetos político-pedagógicos, desde que observados alguns princípios, como as características e identidades dos "sujeitos adolescentes" ou as necessidades socioeconômicas, culturais, educacionais e afetivas dos estudantes. Sobre o currículo, a proposta de diretrizes diz que deve proporcionar aos estudantes "os elementos para compreender e discutir as relações sociais de produção e de trabalho, bem como as especificidades históricas da vida nas sociedades contemporâneas", entre outros objetivos.



Segundo Cláudio, a proposta foi elaborada consensualmente no GT. "É surpreendente como a crítica às competências se alargou. Há algum tempo não se percebia a rede federal e secretarias do MEC tão quantitativamente a favor dessa outra proposta", diz. Para ele, é importante estabelecer as diretrizes curriculares para a educação profissional também para se preencherem as lacunas existentes na legislação. "De um modo geral, se o conjunto de documentos normatizadores da educação, como leis, decretos e resoluções, forem lidos numa sistematicidade, produzem uma série de contradições, um documento contradiz e coloca questões ao outro. A LDB, que produziu tantos outros textos legais necessários, é fonte de todas essas produções contraditórias, porque ela mesma é lacunar. O decreto 5.154 é de 2004: estamos em 2010 e é preciso que se produzam diretrizes condizentes com esse decreto, já que as diretrizes vigentes atualmente foram feitas à luz do 2.208, que proibia a educação profissional integrada e foi revogado pelo atual", destaca.



Apesar de não terem força de lei, as diretrizes são orientações a serem seguidas em todo o território nacional.