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Observatório na Mídia

29/07/2015 15h07 - Atualizado em 01/07/2022 09h48

Análise

por: Ramón Pena, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)

Empresas fecham, mas não conseguem demitir na Venezuela

"Empresas fecham, mas não conseguem demitir na Venezuela”, assim começa a alarmante nota da Bloomberg (agência financeira USAmericana), reproduzida no jornal  “Valor Econômico” em 12/07/2013. 

A paradoxal conclusão que se desprende dessa inapelável sentença é que a livre demissão de trabalhadores é condição essencial para a sobrevivência das empresas e para a sua virtuosa capacidade empregadora. Trata-se de uma opinião ideológica, elevada a dogma universal pelo dominante credo neoliberal, que pretende nos vender como “verdades” absolutas e inapeláveis alguns fenômenos localizados. Com um pequeno esforço de análise econômica critica (i.é. cientifico), resulta fácil demonstrar e documentar a ausência de base empirica desse dogma. Vejamos alguns dados.

Que a existência de proteção social do trabalhador venezuelano (que os neoliberais denominam “rigidez do mercado de trabalho”) não é causa da “greve” de investimentos empresariais, ou como diz o assessor de uma entidade patronal venezuelana (citada no texto comentado), “um obstáculo aos investimentos em um país que já tem as mais restritivas práticas de contratação e demissão do mundo”, é algo que podemos  demonstrar claramente no exemplo europeu. Os países europeus com maior proteção social são os que apresentam melhor desempenho econômico e menor desemprego (Suecia, Noruega, Dinamarca, Finlandia e Islandia). Por contra, aqueles estados mais hipotecados à grande finança globalizada, os que aplicam da forma mais servil e  radical as receitas antissociais da chamada “Troika” (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, os braços armados do imperialismo financeiro), procedendo a liberalização plena dos seus mercados de trabalho e o desmanche de toda proteção social são, precisamente, os que apresentam os maiores níveis de desemprego e precarização. Níveis esses hoje agravados por uma inusitada expansão da pobreza extrema (Grecia, Espanha, Portugal e Italia). Para comprovar esta afirmação, basta prestar uma mínima atenção aos tediosos noticiários difundidos diariamente pela TV e demais meios de difussão massiva.

Ninguém pode negar que na Venezuela bolivariana há múltiplas e variadas contradições econômico-políticas e socioculturais. Entre os econômicos, cabe atentar para: 1) aumento da elevada inflação ( 39,5% taxa anualizada de junho de 2013 contra 21,3% em junio de 2012); 2) preocupante desaceleração do PIB, nos  dois últimos anos,  contrariando a sua forte elevação no período 2004/2010. Importa salientar que esses dos indicadores negativos têm uma base política comum: a “guerra monetária”. Tal guerra significa que setores privados, nacionais e estrangeiros, conseguem lucrar muito com a brecha existente entre o cambio oficial (6,3 bolivares por dólar) e o paralelo (mais de 30), ao mesmo tempo que desenvolvem uma furiosa pressão mediática para forçar novas devaluações.

Na Venezuela, 98% das divisas são geradas pelo setor petroleiro estatal, enquanto o empresariado privado gera apenas 2% da receita exportadora. Em 2003, a por cada 3 dólares que a burguesia local importava dos EUA, exportava um dólar. Em 2011, essa desproporção disparou para 20/1. Isso denota uma dramática deterioração da situação produtiva do país e a presença de uma burguesia comercial de estirpe neocolonial que se sustenta exclusivamente na especulação ou guerra cambial. 

A nacionalização do comércio exterior, através de uma agência estatal de gerenciamento do comércio exterior, aparece, assim, como um dos desafios mais urgentes que o novo governo tem para vencer a “guerra cambiária”, derrotando a estratégia desestabilizadora da direita empresarial que está gerando um quadro econômico de estagflação (estagnação com inflação). Junto a isso, o governo bolivariano tem que resolver graves problemas de abastecimento, geradores de descontentamento popular, habilmente explorado pela grande midia para fortalecer a oposição que procura deseperadamente desestabilizar a governo. Com esse objetivo, continuam ignorando o resultado da recente eleição do Presidente Maduro e tentam aglutinar as frações opositoras para reconquistar o poder mediante um golpe militar. A vizinha Colômbia lhes serve de plataforma logística, mas o comando principal está, como sempre, no Imperio do Norte. Recentemente foram capturados vários elementos paramilitares em áreas fronterizas e perto de Caracas. Tudo isto demonstra que a opção golpista continua sendo prioritária para os inemigos do bolivarismo.

O governo Maduro está conseguindo superar uma série de dificuldades, o que contribuiu para reforçar seu nível de governabilidade, impulsionando importantes ações contra a corrupção e inseguridade. Contudo, nas próprias fileiras chavistas se deixam ouvir críticas, por exemplo, contra a corrupção de “colarinho branco”, contra a forma de negociar a “normalização” das relações com EUA, contra a “imerecida  aproximação” a governos ultraconservadores europeus e contra os “excessivos” elogios ao novo soberano do Vaticano.   
   
Em síntese, a Venezuela bolivariana e seu PSUV continuam em estado  efervescente. Por isso, suas vicissitudes continuam tendo grande peso no destino histórico desta parcela, particularmente dinâmica, do conturbado mundo.

A falsidade de se atribuir a queda do investimento privado à suposta rigidez do mercado de trabalho

Jean Salero levanta-se de madrugada a tempo de bater o ponto em seu turno de trabalho em uma fábrica, fechada, de cerveja da marca brasileira Brahma, na cidade venezuelana de Barquisimeto. Após oito horas conferindo válvulas e anotando as temperaturas de máquinas inativas, ele bate o ponto de saída para ganhar um salário mensal de 4.700 bolívares (US$ 746, pelo câmbio oficial). 

Este ex-supervisor está entre os 220 trabalhadores que continuam recebendo salário na fábrica que produzia a cerveja até a controladora belgo-brasileira InBev, a maior fabricante de cerveja do mundo, suspender a produção há quatro meses.

Salero continua com o emprego por causa de uma lei trabalhista de 2012 que obriga as empresas a obter permissão do governo para demitir qualquer funcionário. O Estado ainda não aprovou nenhuma demissão, diz Aurelio Concheso, diretor da comissão de trabalho da entidade empresarial venezuelana Fedecámaras. Trata-se de um obstáculo aos investimentos em um país que já tem as mais restritivas práticas de contratação e demissão do mundo, segundo classificação do Fórum Econômico Global, de Genebra, na Suíça.

Anatoly Kurmanaev e Corina Pons, Valor Econômico 12/07/2013
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