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Observatório na Mídia

25/09/2013 00h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Análise

por: Marco Aurélio Soares Jorge, professor-pesquisador da EPSJV

Perfil dos usuários de crack: o que não saiu na grande mídia

Professor-pesquisador da EPSJV comenta matéria sobre pesquisa realizada pela Fiocruz que traça o perfil dos usuários de crack no Brasil

A matéria aborda os resultados de uma pesquisa nacional coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), vinculada ao Ministério da Justiça.

Obviamente a matéria jornalística busca o impacto da notícia, e por conta disso, pode provocar distorções na análise da pesquisa. Por exemplo: a palavra “já” no título dá uma conotação de crescimento de consumo (a tão falada “epidemia do crack”). Mas o estudo não tem o objetivo de fazer um estudo de série histórica do consumo de crack. Apesar de todos os dados apresentados pela pesquisa, a matéria ainda insiste em um discurso alarmista em relação ao crack, como se vê no trecho: “Assim, o estudo revela a dimensão do atual problema do consumo de crack e/ou similares nas capitais do país e pode ser visto como uma linha de base (baseline) para estudos futuros com a utilização de mesma metodologia, com o propósito de gerar séries históricas consistentes e confiáveis”.

Os casos relatados na matéria são de situações de extrema vulnerabilidade social. O risco que se ocorre nesse tipo de relato é o da associação direta como causa e efeito do uso de crack a marginalização social, deixando  entender que o crack produz as condições de vulnerabilidade, e não que as populações com maiores vulnerabilidades sociais são mais propensas a consumirem o crack e similares.

A pesquisa é extremamente relevante pelas dimensões e pelo tema tratado, e seus dados precisam ser analisados com muito critério. Por exemplo: na pesquisa com entrevista direta, o número maior de entrevistados foi de adultos jovens.

Alguns mitos que foram quebrados na pesquisa:

1.    “No Brasil, os usuários de crack/similares entrevistados foram, majoritariamente, adultos jovens – com idade média de 30 anos (desvio-padrão de 0,3). Ressalte-se que não se observou uma quantidade expressiva de crianças e adolescentes nas cenas visitadas, apesar desse subgrupo estar presente em diversas cenas dos diferentes municípios pesquisados. A despeito das variações regionais e locais, crianças e adolescentes não constituem a maioria das cenas em nenhum local pesquisado”.

2.    “Ao contrário da percepção do senso comum, as estimativas de proporção de usuários de crack e/ou similares não são mais elevadas na região Sudeste, onde, entretanto, o consumo em locais públicos é bastante mais visível devido à magnitude das suas metrópoles e o tamanho expressivo das grandes cenas de uso conhecidas como ‘cracolândias’.”

3.    “Nas capitais, o tempo médio de uso do crack e/ou similares foi de 91 meses (aproximadamente 8 anos) [...], enquanto que nos demais municípios este tempo foi de, aproximadamente, 59 meses (5 anos) [...]), sugerindo que o uso da droga vem se interiorizando mais recentemente. Este achado, relativo ao tempo médio de uso, contradiz as notícias comumente veiculadas de que os usuários de crack/similares teriam sobrevida necessariamente inferior a 3 anos de consumo.”

As informações e dados científicos próximos da realidade que esta pesquisa traz são de extrema importância para se traçar políticas públicas de atenção e cuidados ao uso prejudicial de drogas como o crack e similares. A pesquisa mostra a grande vulnerabilidade social dos usuários e isso implica em políticas públicas não apenas voltadas para a prevenção do uso através da repressão, mas principalmente estabelecer estratégias de promoção social e da saúde. O Consultório Na Rua, uma estratégia de cuidado promovida pelo Ministério da Saúde que consiste em uma equipe de saúde volante que cuida das populações em situação de rua, geralmente nas cenas de uso de crack, deve ser visto como importante estratégia de cuidado em saúde a ser considerada e ampliada, em detrimento das práticas que simplesmente se preocupam com a questão do consumo da droga, esquecendo-se de ver as condições de saúde e da vulnerabilidade social.

Crack já é usado por 1 em cada 3 consumidores de drogas das capitais

Um em cada três (35%) consumidores de drogas ilícitas nas capitais do País usa crack, conforme pesquisa inédita da Fundação Oswaldo Cruz. O trabalho, encomendado pela Secretaria de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça, indica que a maior parte dos usuários está na região Nordeste.

Lígia Formenti, O Estado de São Paulo, 20/09/2013
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